LE PETIT SOLDAT (1963)

Foi o segundo longa que Godard gravou, mas o quarto que ele lançou, porque a censura francesa não gostou das cenas de tortura e deixou o filme na prateleira durante dois anos até que passasse a guerra da Argélia. É um thriller de espionagem, um comentário político pesado e, ao mesmo tempo, uma mensagem de amor à ainda coadjuvante Anna Karina, por quem a câmera está claramente apaixonada. O diretor também estava: ela e Godard casaram-se logo após a filmagem. Curiosamente, no ano da estreia, a relação deles já estava tão tremida que Godard trocou-a por Brigitte Bardot para o papel principal em "Le Mépris". Enfim, escolhas.

THE LOST BOYS (1987)

Fiz um trabalho sobre Terror para o mestrado, e este filme, que nunca vira, apareceu-me várias vezes nas pesquisas. Depois de saber da morte do diretor, Joel Schumacher, decidi vê-lo. É uma aventura de terror para adolescentes, uma espécie de Goonies com vampiros de uma época em que um filme para jovens não precisava ser um pastel sem sal. Extremamente divertido, e o estilo escandaloso de Schumacher, que lhe valeu tantas críticas durante toda a carreira, cola nele como uma luva.

KIDDING, S02E05, "Episode 3101" (2020)

Para definir o género de algumas grandes séries atuais, sempre me lembro de um título do Nuno Costa Santos: "melancómico". Prefiro-o a "dramedy" ou tragicomédia, porque não me parece que haja muito drama ou tragédia em Derek, After Life ou Ramy. Em todas, a observação satírica dos tipos ainda parece mais importante do que acompanhar o percurso do protagonista através de obstáculos até um grande objetivo ou do que ver a húbris das personagens sofrer um belo castigo divino. É como se o Coiote continuasse a perseguir o Papa-Léguas, mas fosse um pouco triste sempre que não conseguisse. Ora, Kidding cai redonda no género. As suas personagens passam por cirurgias, mortes, divórcios e, no entanto, melhor ou pior, lá vão seguindo em frente. Parece-me um tom extremamente próximo do da vida quotidiana, onde o tempo gosta de transformar o amargo em agridoce. A recente 2ª temporada não surpreende tanto quanto a primeira, mas continua uma série encantadora, e este episódio, dirigido pelo próprio Michel Gondry, é nada menos do que uma pequena maravilha..

PASOLINI (2014)

Nunca fui o maior apreciador de Abel Ferrara, esse americano que os franceses e os italianos tomaram para si, e por isso nunca fui o seu maior conhecedor. Aqui ele pôs Willem Defoe a interpretar Pasolini no seu último dia de vida. Defoe é sempre um gigante, mesmo quando é um gigante dublado em italiano. Porém, o filme oscila entre homenagem, ensaio e reconstituição histórica e parece que não se encontra em lugar nenhum..

Dimension 1991-2024 (2010)

Encontrei uma joia. E não uma joia qualquer: era praticamente um diamante perdido.
Em 2001, fiz um trabalho sobre Lars von Trier para a universidade. Descobri que o diretor tinha um projeto em curso chamado "Dimension". Li a descrição e fiquei curiosíssimo.
"Dimension" era muito ambicioso: um longa que começara a ser filmado em 1991 e seria lançado em 2024, gravando 3 minutos todos os anos com o elenco que von Trier tivesse mais à mão. Na época, não se sabia muito mais, mas descobriu-se depois que o diretor perdeu o interesse e interrompeu o projeto em 1997. Durante anos, o material gravado ficou guardado sem que ninguém o visse. 
Pensem no que estava capturado nessas imagens. Os estilos, formatos e atores de von Trier desde "Europa" até "Os Idiotas". O Dogma 95 espontando na frente dos nossos olhos. O último papel de Eddie Constantine.
Em 2010, os 27 minutos gravados finalmente viram a luz do dia quando foram lançados como curta num DVD suplemento da revista dinamarquesa Ekko.  Porém, a distribuição foi limitada e, durante anos, não se encontrava na Internet mais do que os primeiros minutos. 
Quando o tempo e a lembrança coincidiam, eu pesquisava tudo o que era site só para ver se alguma coisa nova tinha aparecido. Nunca tive sorte.
Hoje, fazendo mais uma tentativa, descubro que um perfil brasileiro subiu a versão completa de 27 minutos no Youtube. Quase caí da cadeira. 
Se forem fãs de Lars von Trier, vejam, porque isto é uma preciosidade.

A GIRL WALKS HOME ALONE AT NIGHT (2014)

Por acaso, foi o 2º filme de terror iraniano que vi estes dias (depois de À Sombra do Medo, de 2016, uma história mais tradicional de mãe que protege a filha de monstrinhos). Mas este é especial: um arthouse com toque de série B e belíssima fotografia pb sobre uma vampira que mora numa cidadezinha, passeia à noite de chador e curte um electropop. Detalhe: este é um Irã de exilados. A diretora e os atores são iranianos, mas a produção é americana e foi filmado na Califórnia. Além disso tudo, também é uma história de amor. Talvez o terror mais interessante que vi desde The Lure (2015).

FIM DE FESTA (2019)

O cinema do Recife tem uma malemolência típica, um langor muito saboroso, e Hilton Lacerda adiciona-lhe aqui uma história policial que resulta numa junção perfeita de cinema de autor com o de gênero. Além disso, Irandhir Santos mostra de novo que talvez seja o mais talentoso ator brasileiro da sua geração..

TALES FROM THE LOOP (2020)

A trilha desta série é do Philip Glass, no seu primeiro trabalho para televisão, e pode-se dizer o mesmo tanto da música quanto da série: belíssima e tão triste que, de vez em quando, fazia falta só um raiozinho de sol.

CECIL B. DEMENTED (2000)

Vi-o quando estreou, mas há 20 anos ainda não tinha assistido filmes de todos os cineastas que aparecem nas tatuagens e também não entendia todas as provocações à indústria cinematográfica. Como é bom ver a liberdade de John Waters. Graça adicional: notar como tantos dos jovens do elenco se tornaram tão conhecidos.

Aviso de navegação aos amigos portugueses

Como já tenho dito aqui, Portugal está muito parecido com o Brasil de há uns 3, 4 anos. Então, deixo um aviso: a batalha que se trava nas redes sociais não é de argumentação lógica. A nova direita autoritária não procura a lógica, mas visibilidade e tornar-se viral. O tom sensacionalista das suas mensagens é planeado precisamente com esse fim: suscitar o "click bait" e seduzir quem já não se revê na razão democrática. Então, não interajam, não reproduzam, não partilhem. Quanto mais conseguirem evitar mencionar o nome dos líderes dos movimentos, melhor (não é apenas por humor que no Brasil se começou a escrever "biroliro" ou "bozonaro"), e, principalmente, não partilhem diretamente posts, perfis ou hashtags deles. Se for impossível, optem por tirar um "print screen". Quando partilharem notícias, façam-no de órgãos jornalísticos credíveis. Escrevam e debatam sobre os tópicos que aparecem, sim, mas não entrem em discussões com quem já se perdeu para o ódio: bloqueiem a pessoa ou, pelo menos, deixem de segui-la. Se ela partilhar uma "fake news", mostrem-lhe que a notícia é falsa. Se ela insistir, denunciem o post. Denunciar posts e perfis por partilha de falsidades e discurso de ódio é a vossa arma. Se perceberem que se trata de alguém que não está ainda perdido para a loucura e que se debate com dúvidas, sejam respeitosos, esclareçam-nas e não diminuam as suas inquietações. Com quem não sabe de qual lado se pôr, deve-se ser claro e educado. Em todos os momentos, até nos de gozo, sejam responsáveis.

Amarcord (1973)

Eu adoro absolutamente todos os segundos de Amarcord. Revi-o pela enésima vez e ainda rio à gargalhada quando o tio sobe à árvore, arregalo os olhos quando o navio passa, me encanto com o sortilégio do vento a soprar. 8½ abriu-me o interesse por Fellini quando era adolescente, mas Amarcord é mais do que um filme: é um sentimento. É por causa dele que às vezes digo "hoje é um bom dia para ver Fellini".

Booksmart (2019)

Uma espécie de versão feminina de Superbad. Muito bem dirigido por Olivia Wilde - sim, A Olivia Wilde -, com produção executiva de Will Ferrell e Adam McKay. Brilhantemente evita duas armadilhas típicas de comédias com adolescentes: não é moralista e as suas personagens não pedem desculpa pelo que são. Divertidíssimo..

Der Untergang (2004)

Apeteceu-me rever este filme sobre a capitulação de um país dominado por um déspota desequilibrado, que distribuía cargos a torto e a direito e que tinha desprezo absoluto pelo seu povo. Não sei porquê.

The Last Dance (2020)

22 anos depois de ser gravado, finalmente se juntou a fome com a vontade de comer e ele saiu. Isso adicionou-lhe um interesse especial: o de ver como aqueles basquetebolistas são agora pessoas cuja sombra se estende muito para trás e que existem mais no que foram do que no que são. Considerem apenas o seguinte: a espera entre a gravação e a estreia desta série foi mais longa do que toda a carreira de Michael Jordan na NBA. É um documentário repleto de conteúdo e de figuras "larger than life", mas confesso que achei o vaivém entre épocas um pouco cansativo.

Robin Hood: Prince of Thieves (1991)

Revi-o depois de, à vontade, umas duas décadas e percebi que talvez tenha sido a primeira vez que vi o Morgan Freeman. Já não me lembrava de como tem pormenores divertidos, como a mistura das aventuras de Robin Hood com bruxaria e pactos com o demónio, e os efeitos pré-CGI (o Terminator 2 estreou poucas semanas depois dele, tornando-o de repente uma coisa do passado). Porém, aquele plano que acompanha a flecha até à árvore ficara-me na memória. Acho que finalmente descobri como o fizeram e deixo a resposta que escrevi para o Quora aqui nos comentários..

Homecoming s02 (2020)

Este projeto paralelo do Sam Esmail já tinha sido das melhores coisas a estrear em 2018, e a 2ª temporada é um portento. Um longo episódio de Twilight Zone com um toque dos anos 70, atores ótimos, trilha poderosíssima..

Hagazussa (2017)

Um belo filme de terror. Quem gostou de A Bruxa vai gostar também. Recomendo para quem se interessar por pelo menos três dos seguintes itens: bruxaria; o Feminino; maternidade; os Alpes; dialetos austríacos.

Le Mépris (1963)

Logo no início, cita-se Bazin: «O cinema substitui o nosso mundo por um mundo que corresponde aos nossos desejos». Corta para Bardot nua e Piccoli dizendo-lhe que a ama por completo. Nela JLG tem a estrela que Anna Karina não era. Mostrar BB é fazer o espectador participar de uma reflexão sobre a sua relação com o corpo feminino na tela e, por outro lado, com a própria Bardot enquanto fenómeno. Que arte esta, que faz de alguém fenómeno apenas mostrando-lhe a existência. Como diria Žižek, isto é o Cinema ensinando-nos o desejo, mas também é só um aspecto de um pensamento maior sobre uma sua contradição essencial: a de tentar revelar a verdade necessariamente através (ou no seio) da ilusão. A impossibilidade da comunicação entre personagens reflete, precisamente, essa frustração essencial. Lang, o cineasta dos espaços abertos, interpreta-se a si mesmo num filme cujo Cinemascope só serve para revelar a solidão intrínseca das pessoas que os percorrem. E eu revi-o puxando a cor e o contraste ao máximo, como me lembro de tê-lo visto há 20 anos no TAGV, em Coimbra..

Normal People (2020)

Foi-me recomendada por um amigo, comecei a ver e só depois é que descobri que está a ser adorada por montanhas de pessoas. No início, torci um pouco o nariz: "o que é isto, o Morangos com Açúcar na Irlanda?". Revelou-se-me depois a rara sensibilidade e realismo com que ela mostra um primeiro amor da adolescência à juventude — ou seja, o anti Morangos com Açúcar, se quiserem. Bonita série..

Borgen (2010)

Acabei de rever a 1ª temporada. O seu brilhantismo está em fazer precisamente o contrário de House of Cards: em vez de uma pessoa má conquistar o poder para se beneficiar, vemos como o mero exercício do poder é suficiente para transformar uma pessoa com boas intenções. Ainda uma das mais fascinantes séries dinamarquesas que vi e com certeza uma das melhores ficções políticas de sempre..

Norsemen (2016)

Cacei de um comentário de um amigo no Facebook e fui ver na Netflix. Uma paródia norueguesa de "Vikings", com a particularidade (rara hoje em dia) de ter sido gravada simultaneamente em norueguês e em inglês. Reparem como logo na cena inicial (em que um escravo reclama da dificuldade de comunicação a bordo do dracar) se sublinha uma sátira que tem como alvos não só o presente e o passado mas também a forma como o passado é representado hoje em dia. Quase um Asterix para o século XXI. Tonta e deliciosa..

Vivre Sa Vie (1962)

No musical Une Femme Este Une Femme, "Angela" era uma figura essencialmente da ilusão e do espetáculo. Aqui, "Nana", prostituta por não conseguir ser atriz, está antes do cinema, antes da ilusão. Ou será Nana a Angela depois de falhar os seus sonhos? Godard neorrealista, mas, acima de tudo, construindo e desvendando o fenómeno Anna Karina.

Beasty Boys Story (2020)

Spike Jonze filma Ad-Rock e Mike D lembrando o seu percurso, homenageando Adam Yauch e pedindo desculpas por um dia terem sido misóginos. Enternecedor e divertido, mas achei o hype exagerado. Don't believe the hype.

ECAL Instagram Live: Jean-Luc Godard (2020)

Há um mês, Godard foi entrevistado para uma live. Está velhinho e parece ter um Parkinson leve. Diz tranquilamente que está a perder a memória de curto prazo e e até já se vai esquecendo de algumas palavras. Mas ainda manda umas bocas ótimas.


Une femme est une femme (1961)

"Não sei se isto é uma comédia ou uma tragédia, mas, em todo o caso, é uma obra-prima". Godard engraçadinho.

How I Met Your Mother (2005)

Revi uns episódios da 1ª temporada ontem. Sempre defendi. Ainda é claro que, sob a capa de uma sitcom bobinha, é um grande artesanato sobre a arte de contar histórias. Porém, uma coisa sobressaiu: como a personagem do Ted é INSUPORTAVELMENTE chata.

Cheers, "The Boys In The Bar" (s01e06, 1983)

Durante a quarentena, terminamos Friends e, pelo meio, comecei a rever Cheers. Friends faz-me rir, mas Cheers é sitcom para gente grande. Pensem que este episódio sobre um ex-jogador de basebol que se assume gay passou na TV aberta americana em pleno início do pânico da AIDS. É um triunfo de coragem. Cheers tinha personagens de carne e osso em episódios que, considerando tudo, são peças de teatros de 2 atos. Toda a gente ali é meio falhada, meio melancólica, meio triste. Que série incrível.

À bout de souffle (1960)

Li uma vez que o primeiro do Godard tinha envelhecido mal. Discordo. É um filme com energia, luminoso, tão inconsequente quanto relevante. Ou seja, jovem para sempre..

Alphaville (1965)

Na distopia de Godard, quem se comportar de maneira ilógica é executado. 1/3 dos eleitores brasileiros já não se safava.

8½ (1963)

Fala-se muito de superação do neorrealismo, do bloqueio criativo de Fellini, etc, etc. Fala-se pouco de ser belíssimo. Eu diria mesmo "ó filme bonito do cacete, meu deus".