CAR WASH (1976)

Ao ver esta comédia de "blaxploitation" que passava em sessões da tarde na televisão, dei por mim a pensar em que momento é que nos perdemos de nós mesmos. O filme é bem simples: um dia numa lavadora de carros, acompanhando os empregados, o chefe e os clientes. Há uma prostituta, um ex-presidiário, um latino, um nativo americano, uma transsexual, um revolucionário negro e um universitário riquinho maoista. O patrão sai com a balconista às escondidas e queixa-se de ganhar pouco dinheiro. Enquanto o disco e o funk-soul passam na rádio, os empregados armam partidas uns aos outros e tentam animar as horas. Os pequenos dramas e comédias dessa gente passam à frente dos nossos olhos sem ironia, sem julgamento, num roteiro sem firulas escrito pelo — surpresa — Joel Schumacher. Por trás da sua aparência falsamente bobinha, "Car Wash" é um filme absolutamente real, feito por quem soube observar a vida e fazer comédia com isso. É melhor do que carregamentos inteiros de coisas que se produzem por aí até hoje.

THE WOMAN IN BLACK (1989)

Antes do filme de 2012 com Daniel Radcliffe, o romance de Susan Hill foi adaptado para um telefilme da ITV que, numa decisão histórica de programação, o transmitiu na noite do dia 24 de Dezembro, aterrorizando crianças e estragando o Natal das famílias do Reino Unido. Naturalmente, o orçamento foi menor do que o do seu irmão mais novo, e os efeitos especiais não são tão desenvolvidos, mas a austeridade fica-lhe bem: a história é enxuta, sem tempo para se distrair com acessórios, a construção da tensão é imaculada e diria mesmo que o paralelismo entre assombração e perda da sanidade é mais bem conseguido.

DELLAMORTE DELLAMORE (1994)

Este filme italiano, realizado por um colaborador de Dario Argento e com Rupert Everett no papel principal, adapta o romance do mesmo nome de Tiziano Sclavi, mas também se inspira livremente numa banda desenhada chamada "Dylan Dog", criada pelo mesmo Tiziano Sclavi e com um protagonista inspirado no próprio Rupert Everett. Começa parecendo uma comédia de terror à "The Evil Dead". Um pouco depois, parece que vamos afinal ver um "gothic horror" à Mario Bava... ou talvez um terror erótico à Jess Franco? Mas o erotismo dura pouco e retrocede para o que parece uma sátira política. Mais um pouco e estamos em plena "Night of the Living Dead", mas, no final, parece que o que vimos foi um thriller psicológico. Se isso vos faz pensar que talvez seja incoerente, desenganem-se. Sob a capa de série B "eurotrash", "Dellamorte Dellamore" é apenas um filme incrível.

SE TIL VENSTRE, DER ER EN SVENSKER (2003)

O mundo roda, as epidemias mudam e é fácil a gente esquecer-se como, em 2003, ser infetado com o HIV ainda parecia uma sentença de morte ou, pelo menos, de uma qualidade de vida muito inferior. Não que este filme Dogma faça disso uma tragédia à "Les Nuits Fauves", muito pelo contrário: é uma comédia romântica leve e humana, muito mais na linha de Lone Sherfig do que na de von Trier e Vinterberg. Seis anos depois de começar, o Dogma já não sobrevivia bem e levava a histórias, lugares e emoções que já pareciam vistas, mas o seu efeito "corretivo" no cinema dinamarquês e mundial era incontornável. O movimento esgotara-se, não porque morrera, mas porque fora absorvido.

BLACK SUNDAY (1960)

Há dias, falei sobre "Viy" (1967), o primeiro filme soviético de terror. Supostamente, "Black Sunday" (que se chamou "La Maschera del Demonio" na Itália e "The Mask of Satan" no Reino Unido) baseou-se no mesmo texto de Gogol. Sublinhe-se o "baseado", porque a única coisa que aproveitou da história original foi a volta à vida de uma bruxa. De qualquer forma, isso é o menos, porque Bava era um animal do cinema, um artesão que sabia fazer filmes com um esplendor clássico enquanto adicionava ideias visuais renovadoras que seriam imitadas até hoje. 60 anos depois, "Black Sunday" não tem momentos de monotonia nem parece ultrapassado. É, em todo o rigor da palavra, um clássico..

TIM AND ERIC'S BILLION DOLLAR MOVIE (2012)

Tem Zach Galifianakis, tem Will Ferrell, tem Will Forte. Foi escrito e realizado pelos próprios Eric Wareheim e Tim Heidecker, cujo programa no Adult Swim fizera deles "the next big thing" na comédia. Porém, o filme foi um fracasso de bilheteira e também não foi bem com a crítica. Vendo-o 6 anos depois da estreia, achei difícil rir, e fiquei algum tempo a pensar porquê. A comédia de Tim and Eric é extremamente elaborada, misturando absurdo com "cringe", piadas rápidas à ZAZ com pausas embaraçosas à The Office, escatologia e tecnologia lo-fi com o aroma lynchiano de atores como Robert Loggia e Ray Wise. O Wall Street Journal chamou a isto "wince comedy" ("comédia do estremecimento") e a sua influência é nítida até hoje: sem Tim and Eric, talvez não tivéssemos Eric Andre ou canais de comédia como o "SkyCorp Home Video", por exemplo. 

Então, por que este filme não parece dar muito certo? Há um aviso numa carta de W. H. Auden a Frank O'Hara que nunca me saiu da cabeça e que talvez sirva para explicar. Auden pede ao poeta mais jovem para «não confundir autênticas relações não-lógicas, que causam espanto, com as acidentais, que causam uma mera surpresa e, no final, cansaço». Os "non sequuntur" constantes de Tim and Eric — as relações acidentais que eles fabricam o tempo todo — funcionam bem em episódios de dez minutos, mas são cansativos quando estamos perante 1h30 deles. Talvez a lição que fica disto é que um filme deve manter pelo menos uma pontinha do pé no chão, no real, e construir-se a partir dela. De qualquer forma, há sempre fascínio em ver Ícaro queimar as asas.

TO ROME WITH LOVE (2012)

O Woody Allen repete-se bastante e tem uma propensão a cair nos maneirismos do seu estilo próprio. Acho que não se poderia esperar outra coisa de um realizador com 84 anos que, em média, faz um filme por ano. Porém, é curioso como os seu filmes menores parecem sempre deixar à mostra algum risco, algo que fascina mesmo que o conjunto da obra não seja o mais incrível. Lembro-me, por exemplo, do papel duplo de Radha Mitchell e da história bifurcada em "Melinda e Melinda". Aqui, ele levou a dispersão longe, com várias histórias independentes que, em comum, terão apenas o fato de acontecerem nas belíssimas ruas da cidade de Roma. Porém, as cenas na ópera e a história com Roberto Benigni lembram com agrado o Allen do início, mais comediante do que cineasta e pouco preocupado com a coesão narrativa. Além disso, é sempre um prazer ver os diálogos de Allen interpretados por atores dirigidos por Allen. Melhor ou pior, há sempre um lado celebratório no cinema dele, que ultimamente passa escondido por trás de toda a discussão pública sobre a sua pessoa.

SAMI BLOOD (2016)

Há muitos anos, cheguei a um artigo sobre os Sami que os definia como um "povo indígena europeu". Nunca tinha percebido que, na Europa continental, sempre tão centrada nos seus estados-nação, havia povos indígenas. Muitos conheceremos os Sami pelo nome "lapões", mas esse é o nome do colono, tão incorreto quanto chamar "esquimó" a um inuit ou "índio" a um nativo americano. Como a História do mundo é uma coleção de momentos em que pessoas fazem mal a outras, parece normal que os Sami vivam entre dois mundos, o seu e o dos invasores. Por isso, nada mais lógico do que fazer um filme "coming of age" sobre uma adolescente que, na encruzilhada entre a infância e a idade adulta, se vê dividida entre as suas raízes e o fascínio pelo que está além.

THE WALL (1982)

A gente às vezes é burra. Nunca me apeteceu ver "The Wall" porque pensava "eh pá, sim, Pink Floyd, e tal, mas Bob Geldof?". Porém, hoje arrisquei-me nos 160 minutos do musical do "Hamilton" e, depois de uma hora, não aguentava mais aquela direção nervosa de show de estádio. Então, desliguei, fui ver o que mais tinha na lista e lá estava o "The Wall". Dei o "play" e não demorei muito até perceber que era uma obra-prima. Em vez de uma narrativa convencional, prefere uma estrutura em quadros ligados por um enredo simples. O roteiro é do próprio Roger Waters, o que talvez explique porque aquilo que vemos não é uma mera ilustração das músicas do álbum dos Pink Floyd: filme e música iluminam-se um ao outro, como se não fosse possível que sobrevivessem sozinhos. Ri sozinho das pessoas que vão a shows do Roger Waters e se ofendem pelas suas mensagens políticas. Certamente, elas não viram este filme. Certamente, elas não viram um monte de coisas. Por ter feito isto dentro do sistema do cinema comercial, o Alan Parker é um herói. E, sim, o Bob Geldof está incrível.

THE COMMITMENTS (1991)

A forma como o falecido Alan Parker sempre tinha um pezinho no realismo social lembrou-me os tempos em que terras irlandesas e britânicas, do cinema ao telejornal, me pareciam ser lugares duros, frios e pobres. Apesar disso, é uma história extremamente divertida e capta bem aquele misto de entusiasmo e caos que qualquer pessoa que já começou uma banda conhece bem.

THE NIGHTINGALE (2018)

Acho Jennifer Kent uma diretora muito interessante. Lembro-me de o seu curta "Monster" ter sido um dos mais fascinantes do festival Imago de 2006, e surpreendeu-me muito a forma como ela o desenvolveu para fazer "Babadook" (2014), certamente um dos melhores filme de terror da década. Se "Babadook" desenvolvia o tema da maternidade enquanto conquista (o monstro parecia ser uma metáfora clara da depressão pós-parto), "The Nightingale" mostra-a enquanto luta moral no contexto mais geral da luta pela sobrevivência dos povos no mundo colonial. Um filme violentíssimo e muito belo.

SALT FAT ACID HEAT (2018)

A chef e colunista Samin Nosrat viaja pelo mundo para exemplificar como funcionam os quatro elementos que ela considera serem a chave da boa (e da má) cozinha. Se em "Cooked" o  mentor dela, Michael Pollan, oferecia uma visão histórica e antropológica da alimentação, Nosrat tem uma atitude bem mais "mãos na massa" (às vezes literalmente) e mostra uma paixão imensa pelo ingrediente, pelo sabor e por cozinhar. Didático e delicioso!

LE P'TIT QUINQUIN (2014) e COINCOIN ET LES Z'INHUMAINS (2018)

Há dias, conversava sobre o quanto as nossas expectativas e até estados emocionais momentâneos influem no apreço de um filme. Quando há uns anos vi "Le P'tit Quinquin", não me entusiasmou, mas ficou-me a sensação de que algo me escapava. Agora, ao ver "Coincoin et les Z'inhumains", percebi: não se deve ver estas séries tanto pelo que é representado quanto por deixarem a representação toda à mostra. Os atores amadores riem quando não devem rir, usam pontos para ouvirem as próximas falas (parte dos tiques de Bernard Pruvost, que interpreta o Comandante, tem essa razão) e às vezes são adoravelmente desastrados. 

Porém, essa realização plena do estranhamento brechtiano não significa que esta gente saia ridicularizada, muito pelo contrário. Esse recurso revela a comunidade de forma muito honrosa e simpática, e encontrar aquelas pessoas acaba por ser o grande gozo destas séries.  Gostei tanto disso na "Coincoin" que fui rever a "Quinquin" todinha!

STREET FOOD: LATIN AMERICA (2020)

Gosto muito de Chef's Table, mas os anos passaram e ela acabou ficando com a fórmula à vista e algo institucionalizada. "Street Food" é a sua irmã mais nova, mais informal e divertida. Na 2ª temporada, ela propõe-se descobrir a comida tradicional de seis cidades da América Latina e dá o protagonismo a mulheres fortes e admiráveis. E agora eu quero muito comer uma fugazzeta argentina!

VIY (1967)

Filmes de países que já não existem são como pequenas cápsulas do tempo, e o primeiro filme de terror da URSS não poderia deixar de ter uma justificação inicial fundada no povo (mesmo que o folclore reclamado por Gogol para a história original fosse uma verdadeira balela) e uma conclusão a condizer com o espírito da nação: "é preciso trabalhar". Enquanto obra de terror e fantasia, é terrivelmente convencional e ultrapassado, mesmo para os padrões da época: em 1967, o Japão já fizera "Jigoku" há 7 anos e "Onibaba" há 3, "Rosemary's Baby" viria no ano seguinte e a Checoslováquia dar-nos-ia essa maravilha chamada "Valerie a týden div"em 1970. O que prevalece é mesmo o interesse arqueológico e contemplar a belíssima técnica dos filmes soviéticos.

THE DUKE OF BURGUNDY (2015)

Os filmes de Jean Rollin e Jess Franco poderiam ser categorizados como "sexploitation", apesar de eu preferir o termo "eurotica". De qualquer forma, foi com essa estética que Peter Strickland vestiu o seu filme de 2015. Digo "vestiu" porque, apesar de a referência ser óbvia no estilo e na temática, "The Duke of Burgundy" é uma história de amor que explora a humanidade das suas personagens em tudo o que ela tem de afetuoso, obsessivo e contraditório. Note-se, por exemplo, a cena em que Cynthia repete a cena de "roleplay" com cuidado para não falhar as suas deixas enquanto Evelyn, no outro quarto, lhe limpa as botas, mostrando a inversão dos papeis de dominadora e submissa. Strickland, que não incluiu personagens homens, usa este tipo de pormenores para construir um olhar que desmonta o género que referencia: mais do que um corpo feminino que passou de objeto a sujeito do desejo, trata-se aqui de performar a rotina dos afetos que está oculta e que impossibilita qualquer fantasia.

BANDE À PART (1964) e PIERROT LE FOU (1965)

Vi os dois na sequência, e percebi algo que nunca percebera. 

No final de BAP, o próprio Godard diz-nos que «um próximo filme vai revelar, em CinemaScope e Technicolor, as novas aventuras de Odile e Franz nos países quentes». Ora, PLF é em CinemaScope e Technicolor (na verdade, é em Techniscope e EastmanColor, mas não me estraguem o raciocínio) e acontece nas belíssimas e ensolaradas praias da Riviera. Então, uma pessoa vê isto e já pensa "tu queres ver que". 


Anna Karina interpreta Odile em BAP e Marianne em PLF. No início de PLF, há uma Odile, mas não a vemos: é a ama das filhas de Ferdinand, que a deixa ir ao cinema nessa noite e a vê ser substituída por Marianne. Seria a mesma Odile? Em arte, tudo é uma escolha. Talvez seja problemático não haver nenhum Franz em PLF: Ferdinand é interpretado por Jean-Paul Belmondo, não por Sami Frey. Porém, da mesma forma que Franz via Odille preferir Arthur, também Ferdinand vê Marianne escapar-lhe para outros amores, tal como Pierrot via Columbina fugir-lhe para Arlequim. 

Estão a entender aonde quero chegar?

Ferdinand/Pierrot fala-nos muito de duplos, de reflexos, do "William Wilson" de Poe. Marianne olha para a câmera entre as suas falas, talvez porque Karina espera indicações de Godard entre planos. Godard, então, é diretor, mas também marido, e o seu olhar replica tanto o de Ferdinand/Pierrot quanto o do espectador. A dado momento, Ferdinand/Pierrot vai ver um filme no cinema, no qual vê Jean Seberg virar-se para ele e apontar-lhe uma câmera. Jean Seberg, lembre-se, fora a coprotagonista de Belmondo em "À Bout de Souffle". O olhar devolvido para quem olha parece lembrar Ferdinand que ele foi Michel numa encarnação anterior ou lembra-o que ele ocupa, tal como Michel ocupara, um homem chamado Jean-Paul Belmondo? 

Arrisco a leitura lacaniana: o desejo e a angústia nascem do "regard" que nos mostra o abismo entre o real e o simbólico. Então, talvez Franz e Ferdinand/Pierrot se reflitam um no outro, e talvez Odile e Marianne se reflitam uma na outra, e talvez as personagens e os seus atores se reflitam uns nos outros, e talvez elas e os espectadores se reflitam uns nos outros. 

Não é só porque, em BAP, se diz que «Franz pensa se o mundo se transforma num sonho ou se o sonho se transforma no mundo» e, em "Pierrot", Ferdinand/Pierrot diz que «nós somos feitos de sonhos e os sonhos são feitos de nós». 

É também porque "Franz Ferdinand" é o nome da pessoa cuja morte inaugurou as guerras europeias do século XX, e a guerra é uma presença constante em PLF. 

É também porque Franz é um nome tão parecido com "France" e Ferdinand/Pierrot, a dada altura, nos diz ser "só um enorme ponto de interrogação que paira sobre o horizonte do Mediterrâneo". 

É também porque Ferdinand/Pierrot tem as cores vermelha, branca e azul a aparecerem repetidamente nas suas roupas e termina o filme com a cara pintada de azul ou porque ele, tal como a França da época, está perdido num mundo novo enquanto carrega a cultura do passado. 

É também porque Marianne é o nome da personificação da República francesa desde a Revolução de 1789 e, em BAP, um bêbedo anuncia que "les empires s'écroulent, les républiques s'effondrent et les imbéciles demeurent" ("os impérios desmoronam, as repúblicas colapsam e os imbecis permanecem").

Ou seja, estes dois filmes parecem ser o duplo ou o reflexo um do outro — e talvez o sejam também dos seus atores, dos seus espectadores, de toda a obra de Godard e, quem sabe, da relação entre o real e o Cinema.

BERBERIAN SOUND STUDIO (2012)

Este filme é um primor e confirma uma impressão que começava a ter sobre Peter Strickland. Vejo os filmes dele serem classificados como "thriller" ou "terror", mas eles não encaixam exatamente nesses géneros. Ou melhor, o que há de género neles serve apenas para que cumpram um outro propósito: abordar a expressividade (mesmo a material) do meio do Cinema enquanto tema. Também falei antes sobre a influência do "giallo" no diretor, mas corrijo-me: apesar de esse ser pensamento mais óbvio quando lhe sentimos o estilo, no "giallo" havia um crime a ser resolvido que dava a toda a história uma matiz de intriga policial. Em Strickland não há crime, e a inquietude e a tensão permanente que ele cria têm mais do terror italiano não "giallo" dos anos 60 e 70, como os filmes de terror gótico de Mario Bava ou mesmo "Suspiria" de Argento. Porém, também se pode dizer que em Strickland não há exatamente "sobrenatural", e é verdade. O que me parece é que o diretor substitui Demónio, fantasmas e quejandos pelo poder da imagem e do som e a forma como estes dialogam com o inconsciente, o sonho e as emoções das personagens.

MALCOLM X (1992)

Nunca consegui decidir se este épico é longo demais (principalmente na parte anterior à prisão) ou se ele só tem a duração necessária para garantir a sua monumentalidade. É uma súmula temática e estilística da primeira fase da obra de Spike Lee e faz a justiça de fixar Malcolm X como figura incontornável na história política dos EUA e do mundo. Há filmes que seriam importantes apenas por existirem. Este é um deles.

O processo de escrita de séries de Adam Price

Adam Price escreveu algumas ótimas séries, incluindo a magistral Borgen, por isso fiquei muito atento a esta palestra em que ele explica o seu processo de escrita. 

Resumindo, Price gosta de trabalhar com equipes pequenas: 2 a 3 roteiristas além dele enquanto roteirista-chefe/"showrunner". Cada roteirista escreve um roteiro (60-65 páginas) de cada vez. O processo que ele detalha é o seguinte:
  1. Toda a equipe discute o arco da temporada, definindo grandes ideias e momentos: 2 semanas.
  2. Toda a equipe faz uma storyline detalhada do ep. 1: 2 semanas
  3. Toda a equipe faz uma storyline detalhada do ep.2: 2 semanas.
  4. Cada roteirista faz um tratamento detalhado (20 a 30 páginas) do seu episódio: 1 semana.
  5. Os roteiristas recebem notas de Price sobre os tratamentos: 2-3 dias
  6. Cada roteirista escreve o 1º "draft" do seu episódio: 3 semanas.
  7. Os roteiristas recebem notas de Price sobre os 1ºs "drafts": 2-3 dias.
  8. Cada roteirista escreve o 2º "draft" do seu episódio: 2 semanas.
  9. Price escreve o 3º "draft" e discute-o com as equipes de direção e produção e com os atores principais: 1 semana.
  10. Price escreve os "drafts" 4 a 6: 2 semanas.
  11. Leitura com o elenco e equipe técnica.
  12. Price escreve o "shooting script": 2 dias.
Os passos 2 a 8 são repetidos pelos roteiristas até que eles terminem todos os seus textos, o que só me deixa pensando na loucura que deve ser para Price a partir do momento em que ele acumula os últimos "drafts" com a coordenação da equipe. Ainda assim, acho que nenhum roteirista vai olhar para este calendário e não sentir um pingo de inveja.