ON THE ROCKS (2020)

O novo da Sofia Coppola começa morno, tentando encontrar-se num território geográfico e narrativo próximo do de Woody Allen. Porém, quando Bill Murray entra, o filme transfigura-se. Não é apenas por ele ser um grande ator, mas por principalmente por ser uma criatura do Cinema, uma espécie de património performático ambulante que chega para reclamar o seu território. Mais do que um filme com Bill Murray, este é um filme do Bill Murray.

THE FUGITIVE (1993)

Revi-o um dia destes para desanuviar a cabeça. É a prova cabal de que, para ser comercial, um filme não precisa sacrificar a caracterização das personagens ao espetáculo. Na verdade, "The Fugitive" é tão honesto nas suas intenções que as confessa abertamente quando Harrison Ford diz "I didn't kill my wife" e Tommy Lee Jones responde "I don't care". Certo, a razão narrativa é que ele é um agente íntegro empenhado em cumprir a missão que lhe é atribuída, mas o subtexto é claro: se ele dissesse "ora, meu caro, acredito em você, vamos lá então cuidar desse problema", não teríamos o fascinante jogo de gato e rato que procuramos neste thriller.

NERUDA (2016)

Gosto dos filmes do Pablo Larraín, mas neste parece-me que o realizador ficou no meio, e isso não ajudou. Esta mistura da linha narrativa do fato e da biografia de Neruda com a da imaginação e do simbolismo deixou-me meio perdido, sem saber em qual chão pisava e com a sensação de que teria sido melhor ir para um lugar ou para outro. Filme bonito, mas falhou o alvo.

THE QUEEN'S GAMBIT (2020)

Sempre se poderia criticar esta série dizendo-a previsível, mas isso seria uma patetice. A sua grande genialidade é a forma como, a partir da personagem, une dois géneros — a história de desporto, à falta de melhor termo (como "Rocky" ou "Karate Kid"), e a "coming of age". O caminho da vitória para Beth enquanto jogadora de xadrez encontra-se com o que a leva a tornar-se uma mulher adulta e independente, às vezes da forma mais crua possível. Mais do que ver, é uma série que se devora.

I KNOW THIS MUCH IS TRUE (2020)

Se algum dia estiverem a procurar um melodrama recente, e não se importarem com ele contrariar as tradições do género, tendo como protagonista um homem de classe média-baixa, vejam esta série da HBO. O primeiro episódio é tão triste, tão triste, que cheguei a levar as mãos à cabeça. Acabamos por recuperar do baque inicial e o Mark Ruffalo está incrível a interpretar dois irmãos gémeos, mas, meu deus, nem um raiozinho de sol de vez em quando...

BORAT SUBSEQUENT MOVIEFILM (2020)

O novo Borat tem um final amarradíssimo, arma uma cilada monumental para o Rudy Giuliani e tenta ir além da caricatura dos seus "alvos" (por exemplo, os sujeitos que recebem Borat na sua casa são, ao mesmo tempo, teóricos da conspiração e defensores dos direitos das mulheres), mas a direção mais limpa não tem aquela tensão suja e caótica da do Larry Charles no primeiro filme. Além disso, quando o primeiro Borat saiu, estávamos no segundo mandato do George W. Bush e os absurdos nacionalistas e racistas dos EUA pareciam nunca terem sido explorados em humor daquela forma tão crua. O impacto então foi muito forte, mas, na era Trump, não só o radicalismo tomou o poder como é pauta diária e constante de todo o humor que se faz no mundo, incluindo a série "Who Is America?" do próprio Sacha Baron Cohen. O que antes era "cringe" agora é banal.

QUINCY (2018)

É um documentário realizado pela Rashida Jones, filha do músico, e dá tudo o que se poderia esperar dele: um acesso fenomenal, com cenas que outra pessoa não teria conseguido filmar, e também o tom hagiográfico de quem prefere mostrar o Quincy heróico ao Quincy controverso. Altamente recomendável para fãs do artista, de jazz e de música negra no geral.

THE HAUNTING OF BLY MANOR (2020)

Sobre terror, tenho um lema: se não me assustar, que me fascine; se não me fascinar, que me assuste; se não me fascinar nem me assustar, que me entretenha. Esta série cumpriu a última opção, ainda que, a dado momento, tenha parecido que começou a complicar sem necessidade aquilo que parecia simples.

LAZZARO FELICE (2018)

Será o filme mais bonito na Netflix? A momentos, lembrou-me o "Dom za vesanje" ("Vida Cigana" em BR, "O Tempo dos Ciganos" em PT) do Kusturika, mas, acima de tudo, fez-me pensar como o final da década de 2010 foi pródigo em filmes sobre os excluídos do capitalismo e como vários destes ("Bacurau", "Martin Eden") configuraram uma espécie de género próprio. Proponho até um nome: "neorrealismo mágico".

LARS AND THE REAL GIRL (2007)

Mais de dez anos depois, revi e confirmei aquilo que o torna um filme extraordinário. Não é só por mostrar que o Ryan Gosling é um ótimo ator, capaz de papéis memoráveis mesmo quando não faz um galã. É também por ser talvez o único filme que assumidamente dessexualiza a fetichização, mostrando-a como uma ferramenta que religa a pessoa ao mundo e permite que ela intervenha sobre ele e o reordene.

OPERAZIONE PAURA (1966)

Os filmes do Mario Bava são sempre fascinantes pela forma como, por trás da capa de escândalo e de "pulp", revelam um cineasta extremamente detalhista e técnico, com um domínio absoluto sobre as imagens que constrói e a capacidade de engrandecer uma cena com a sua câmara. A história misteriosa e o ambiente de terror gótico de "Operazione Paura" atraem, mas, no fundo, Bava segura-nos porque os filmes dele são, literalmente, para serem vistos.

THE TRIAL OF THE CHICAGO 7 (2020)

Gosto muito do Aaron Sorkin e, mesmo que não gostasse, um filme de tribunal escrito e realizado pelo homem que escreveu a frase "you can't handle the truth" é sempre de saudar. Nos seus "biopics", ele nunca foi um maníaco pela fidelidade às datas, por isso não vale a pena entrar na onda da verificação histórica. De resto, Sorkin entrega aquilo a que nos habituou: um bando de ótimos atores a interpretar personagens carismáticas com excelentes diálogos no contexto duma história política muito bem contada. Porém, tenho que dizer que o final me pareceu precipitado e sentimentalista, bem aquém do resto do filme.

DR. NO (1962)

O primeiro filme do James Bond é, ao mesmo tempo, adoravelmente "kitsch", mais próximo da aventura do que da ação e um festival de atrocidades neocoloniais que só poderia provir de um lugar que ainda tinha uma memória fresquíssima da queda do seu império. Bond, na verdade, revela tudo o que há de atroz na ideia de "gentlemen" britânico: branco, tão fluente nas sutilezas de salão quanto nas peripécias atléticas e uma espécie de farol imperialista que leva a tranquilidade da civilização às partes menos esclarecidas e tranquilas da Commonwealth. Se acham que estou a exagerar, revisitem e deleitem-se com este festival de "cringe".

DE PALMA (2015)

Nunca foi o meu preferido dos "movie brats", mas é inegável que o De Palma filma muito bem. Vocês sabiam que o primeiro filme do De Niro foi realizado por ele? Eu não!

LET THE RIGHT ONE IN (2008)

A primeira vez que ouvi falar sobre este filme foi numa palestra do Robert McKee na FNAC do Chiado, que precedeu o primeiro seminário que ele deu em Portugal. Ele elogiou o filme, dizendo que tinha sido dos últimos que vira que, no final, o fizera soltar um "uau". Seria injusto revelar todos os seus segredos aqui para quem não viu, mas é um filme que continuo a apreciar, principalmente pela forma como administra o subtexto ao longo de toda a sua duração. Adiantaria o seguinte: o resumo que se fez na época — "Twilight feito por Bergman" — é muito redutor: precisaria incluir o Sternberg de "O Anjo Azul" também.

SCORE (2016)

Gosto sempre de ver documentários sobre a área em que trabalho para descobrir coisas novas sobre artistas de que gosto — mesmo que essas coisas sejam apenas coisas como "Hans Zimmer era o tecladista dos The Buggles".

Assinei a Carta Aberta pelo cinema e audiovisual portugueses

Apesar de trabalhar no Brasil há dez anos, continuo a considerar-me, agora e sempre, um guionista português. Por isso, acompanhei a discussão sobre "a morte ou a salvação do cinema português" que ocupou as redes sociais nos últimos tempos. Já se falou muito sobre o tema e vou tentar não me estender.
Este artigo do Diário de Notícias é bem claro ao delinear o problema — que, para começar, não parece assim tão problemático, já que o ICA terá mais 5 milhões de euros anuais para apoios (30% do seu orçamento atual). 
A questão que sobra, como muito bem resumiu o João Nunes, é se o dinheiro adicional recolhido de plataformas sem publicidade, como a Netflix e a HBO, "deve ser redistribuído pelo ICA ou elas devem poder optar entre dar ao ICA ou investir diretamente em produtores independentes portugueses?". Sublinho o "podem optar"; nem isso é automático.
Lembrou-me a lei das quotas brasileira, que impôs um número mínimo de horas de programação independente nacional no "prime time" dos canais de cabo. Na época em que ela foi implementada, fui entrevistado por um jornalista português. Ele disse-me que a ideia também estava a circular em Portugal e «há quem ache que isso significará uma invasão por programas de qualidade menor». Repito o que respondi então: nenhum canal tem interesse em comprar programas de qualidade menor apenas para cumprir quota. Se uma produtora independente entregar um programa com resultado insatisfatório, o canal vai simplesmente contratar outro programa de outra produtora no ano seguinte. As produtoras sabem disto e, por isso, ninguém vai desleixar o resultado final por causa de uma quota. O efeito da lei foi incrível e o audiovisual brasileiro beneficiou-se muito dela até à era de Bolsonaro, mas isso é outra história.
A discussão em Portugal é diferente, eu sei, mas as suas consequências podem ser bem parecidas. Quantos mais clientes, maior o setor do audiovisual. Um projeto pode rodar e interessar quem não interessou antes. Mais produtoras podem surgir, alargando o circuito além de duas (que, na verdade, são uma) cidades portuguesas e contando histórias com géneros e pontos de vista diferentes daqueles que têm prevalecido, o que me parece sempre ser a chave para atrair públicos maiores e mais diversos. Como minhoto, é algo que me agradaria muito.
Repare-se que isto não seria uma grande questão se o ICA cumprisse cabalmente o papel de construir um mercado audiovisual forte, variado e amplo. Como podemos saber se o fez? Aqui entra o texto magistral do Luis Campos, fruto da sua pesquisa para uma prometedora tese de doutoramento. Chamou-me particularmente a atenção este trecho: «entre 2004 e 2019, (...) [num universo de 2090 empresas], mais de metade dos montantes atribuídos (53%) ficaram concentrados na actividade de apenas 10 produtores, sendo que 20% do total do dinheiro atribuído ficou concentrado na actividade de apenas dois produtores». O total de entidades beneficiadas em 15 anos é de 202, menos de 10% do setor. Parece muito pouco, mas é o suficiente para responder a pergunta no início do parágrafo. 
É muito normal que questões deste tipo caiam no tudo ou nada. O ICA é importantíssimo para o audiovisual português e é por isso que a sua atuação é merecedora de discussão. De certa forma, todos querem o mesmo: que o setor cresça pujante e saudável. Eu considero que esta lei é um bom começo.

MARTIN EDEN (2019)

Este é um filme sobre individualismo e, ainda que não seja o mais importante, fico pensativo sobre se é um elogio ou uma advertência. A transformação súbita da personagem no último ato custou-me a engolir: não entendi muito bem como é que um proletário, de repente, parece o Ozymandias do Jeremy Irons. As referências literárias dão pistas, enfim. A forma é o que torna este filme intrigante, com o uso de planos de filmes antigos enquanto elemento e a sua construção enquanto objeto extemporâneo, que adapta um romance de 1909 com uma linguagem visual que às vezes lembra o neorrealismo e outras as montagens cinematográficas dos anos 80. Deixou-me com muita vontade de ver os outros filmes do realizador Pietro Marcello.

WE ARE WHO WE ARE (2020)

Nunca fui o maior fã de Luca Guadagnino, e parece-me que aqui ele sofre o mesmo problema que o seu conterrâneo Paolo Sorrentino sofreu quando desenvolveu "The Young Pope": a dificuldade de passar dos ritmos próprios do Cinema para a linguagem televisiva, que pede um estímulo constante (ainda que não necessariamente narrativo) e ganchos mais fortes. O primeiro episódio é desconcertante e marca pela originalidade, mas depois reina uma sensação estranha, como se supusesse que o grande ponto de interesse fosse um realizador a fazer exercícios de estilo autoral. Isso não é suficiente. Se os próximos episódios me fizerem mudar de ideia, eu aviso.

THE TWILIGHT ZONE (1959)

Tenho andado a ver a série original e a confirmar o seu estatuto de canónica. Os episódios têm meia hora, 8 a 10 cenas se tanto e não mais do que 3 ou 4 personagens principais. Ainda assim, com tão pouco, faz mais do que muito boa gente hoje, o que me deixa a pensar se não devemos considerar o teatro e, mais especificamente, a radionovela como a raiz fundamental a partir da qual deve entendida a ficção televisiva. A primeira temporada de 1959-60 começa lúgubre e trágica, termina cómica e fantasiosa e lança pistas para toda a ficção científica (e talvez não só) que se fez depois. O episódio "The Monsters Are Due on Maple Street" deveria ser ensinado no mundo inteiro em aulas de Educação Cívica.