POLYESTER (1981)

John Waters, o "Papa do trash" é um provocador nato. Sempre que vejo um filme dele, lembro-me de um conselho que uma colega de trabalho me deu uma vez: "se a gente não se divertir a fazer isto, ninguém se diverte a ver". Parece que Waters e os seus atores estão em permanente diversão quando montam estas cenas escandalosas, absurdas e cabotinas que parecem fazer com o espectador um pacto silencioso: "relaxem e divirtam-se, que foi o que a gente fez". Porém, também parece que, por trás disso tudo, está um cineasta que adora e conhece intimamente a sua arte. "Polyester" cita William Temple e Douglas Sirk e lembra-nos que a época em que estreou foi a mesma em que, do outro lado do Atlântico, um senhor chamado Pedro Almodóvar começava a fazer longas. .

Eu e as imagens

Sempre vi muitos filmes, sempre vi muitas séries. Quando era adolescente, gravava o "5 Noites, 5 Filmes" para ver no dia seguinte, depois dos trabalhos de casa. Tinha em casa uma estante cheia de VHS's, do chão até ao teto. No mesmo dia, descobria Alain Resnais e revia o Terminator 2. 

Acho que tudo começou quando a minha mãe me levou para ver "Rain Man" no cinema. Estávamos de férias e eu devia ter uns 9, 10 anos. A fila no salão dos bombeiros voluntários de Vila Praia de Âncora era gigantesca e, quando finalmente chegou a nossa vez, o rapaz do outro lado do vidro colocou um letreiro que dizia "lotação esgotada". Não gostei da sensação de querer ver alguma coisa e não conseguir. Às vezes, brinco a sério que estou sempre a tentar entrar no "Rain Man".

Tenho-me armado numa espécie de Roger Ebert da quarentena porque, durante o isolamento, é fácil cair em poços negros dentro e fora de nós. Políticos maus (em mais do que um sentido), gente burra, racismo em Portugal e no Brasil, as contas para pagar, muitos afazeres de trabalho, muitos afazeres do mestrado. Escrever sobre os filmes e séries que vejo à noite ajuda-me a desanuviar a cabeça e permite-me fazer uma espécie de inventário do visto e do pensado (como o meu amigo que colecionava os canhotos de todos os bilhetes de cinema). Gosto muito quando vocês leem, comentam, concordam ou discordam. O mais importante mesmo é curtir junto. Obrigado!

MARADONA BY KUSTURICA (2008)

No ano passado, a HBO deu-nos o excelente "Diego Maradona", que escarafuncha a história do jogador focando principalmente no seu período em Nápoles, mas, 11 anos antes, Emir Kusturica tinha dirigido este documentário mais interessado na personalidade combativa. O filme parece ser um sobrevivente: o realizador sérvio foi afetado pelas crises narcóticas e pelos humores de Maradona, que o fizeram faltar a algumas entrevistas, e ele teve que enchê-lo com animações, visitas a nightclubs temáticos e à Igreja Maradoniana, imagens de arquivo, o Manu Chao e até consigo próprio. É a inclusão do documentarista, à Michael Moore, que salva o documentário: Kusturica é interessante e reflexivo, encontra paralelismos entre a sua obra e aquilo que vê e o seu monólogo dá a coesão que o filme arriscava não ter. O realizador cita muito Borges, mas, revendo a esta distância, lembrou-me mais Ortega y Gasset e o  “yo soy yo y mi circunstancia, y si no la salvo a ella no me salvo yo”. Ao contrário do filme da HBO, o que vemos aqui é o Maradona das suas circunstâncias, preso entre a lenda que é e os fantasmas que carrega, paradoxalmente tentando salvar o mundo à sua volta ao mesmo tempo que dele se esconde. Para terminar, deixo uma pergunta: estou a escrever isto ouvindo a música dos filmes de Kusturica, sim ou não?

THE AMITYVILLE HORROR (1979)

Uma joia da coroa da AIP do Samuel Z. Arkoff, inclui tudo o que parece tema do terror americano dos anos 70: casa assombrada, cristianismo, satanismo e possessão satânica, "slasher", família e crianças, a intervenção sobrenatural que leva à loucura, e por aí segue. Não me parece ter sobrevivido muito bem, principalmente por uma estética meio quadradona que o faz mais parecer um telefilme.

R (2010)

Tobias Lindolhm é um cineasta dinamarquês que já escreveu várias coisas que vocês provavelmente viram ("Borgen", "A Caça", "A Comunidade") e dirigiu outras que vocês ainda vão ver ("Krigen", "Kapringen"). "R" é o seu primeiro filme e o começo da sua colaboração com Pilou Asbæk, que hoje deve estar no pelotão de atores dinamarqueses mais reconhecíveis  logo atrás de Mads Mikkelsen. Não é difícil ver "R" e dizer algo como «um filme de prisão num lugar em que cada preso tem para si um quartinho melhor do que aqueles em que muita gente mora? Uau, deve ser muito difícil». Ironias à parte, o filme é uma análise bem pesada das hierarquias complexas que se criam dentro de uma prisão e termina com uma moral bem clara: por muito que nos imponhamos divisões e diferenças, no fundo somos todos réplicas uns dos outros.