Pensamentos e observações enquanto ouvia um disco completo de Los Hermanos pela primeira vez. Para a escuta, tinha as músicas e as letras e nada mais. Portanto, se aqui houver incorreções por falta de informação, considerem que não pretendo fazer uma crítica, mas tão só registar uma experiência. Mais explicações aqui.COISAS PRÉVIAS
"Bloco do Eu Sozinho" é um título interessante e bem revelador daquilo que imagino que a banda queira dizer: à alegria e multidão associadas aos blocos de Carnaval contrapõem a introspeção, o sentimento, o pensamento. O diabinho dentro de mim espeta a forca e pede-me para lhes chamar maricas e chorões, mas não me vou deixar render já aos pensamentos maliciosos.
(começo a tocar o disco)
Todo Carnaval Tem Seu Fim
Considerando o título do disco, faz todo o sentido que se comece com esta canção. Um trompete interessante, que lembra algo dos Beatles. Por momentos parece algo perdido, mas suponho que conquista o seu espaço no final.
Há uma coisa que sempre notei nalguma música brasileira: usa muitas palavras, fazendo fácil falar muito sem dizer nada. Versos como "Todo dia o dia não quer raiar o sol do dia" ou "Toda rosa é rosa porque assim ela é chamada" não me fazem mudar de opinião. E alguém me explica porque é que, para esta gente, brincar de ser feliz significa pintar o nariz? Estranho.
O que é isto que oiço no final? Parece o concerto de Aranjuez. Um momento para respirar. Vamos ver o que segue.
A Flor
Uma típica canção de dor de corno pop rock. Los Hermanos parecem ser ao mesmo tempo melancólicos no sentimento e de uma fúria contida no som, mas acho que isso empobrece mais do que enriquece. Marcelo Camelo é como um narciso que prefere curtir a doçura da própria dor e se perde dentro dela. Assim a coisa nem fica realmente triste nem realmente furiosa.
Retrato para Iaiá
Um começo meio ska e lá vem o rapaz dizer como se enganou com a tal mulher e o catano. O refrão chega, o rapaz grita e as guitarras ficam mais lentas e poderosas. A secção de metais é muito interessante. Olha isto aqui a meio, parece um oboé flutuante. E a bateria, tem uns breaks interessantes, bem independente e solta.
Assim Será
Os metais dão um início do caraças. É o melhor que ouvi até agora. Ficaria a ouvir esta secção horas e horas, dispensava o resto... não, espera, que lá vem o rapaz outra vez dizer que está triste. Ele vai-se embora porque sabe que a mulher de quem ele gosta vai ser mais feliz sem ele. Será que é porque ela já não o aguenta ouvir dizer coisas como "seu fel fenecerá em nome de nós dois"? Como eu a entendo. Uma guitarra que lembra bons momentos de Ornatos Violeta, uma percussão samba e um final em que o baixo e a guitarra se enrolam numa dancinha latin jazz bem agradável até uma batida seca na tarola prenunciar...
Casa Pré-Fabricada
...o início duro de Casa Pré-Fabricada. Viva Weezer. Pelo menos o rapazola já diz "tristeza nunca mais", apesar de o seu "pranto" valer "esse canto em solidão". Ora sim. Um break acelerado da bateria é logo cortado para entrarmos noutro verso, e repete-se o refrão. Esta gente tem vergonha de se soltar? Vamos lá, rapazes, mostrem lá do que são capazes.
Cadê Teu Suín?
Que bela secção de metais, pá. Parece que Beirut ouviu isto para fazer lá o álbum mexicano dele. A última sílaba de cada verso é cortada para colar com a do seguinte, num exercício formal muito interessante. A flauta saltita lá atrás durante o refrão, o arranjo é fabuloso. Apesar de o título só me fazer pensar nos porcos que o meu avô tinha, é até agora a canção que me conquistou e que claramente ouviria de novo. O cantor começa a divertir-se no final, enrolando-se com os sopros. Bom, muito bom.
Sentimental
Não poderia ter outro nome: um início lento, em que os instrumentos se vão encontrando uns aos outros e a si mesmos. Quase pós-rock, mas logo faz a sua concessão ao rock fm, com as guitarras a rasgar no refrão. Pessoal, o Manu Chao já tinha gasto o estoque de vozes tipo rádio no meio de canções e de um jeito bem mais inventivo. Como é? Assim fica aquém, ok?
Bem, o rapaz já deixou bem claro que não vai ser neste álbum que ele se vai alegrar. Aliás, rir para ele é só fingimento e ocultação da tristeza. Está no seu direito e já bons artistas se fizeram assim, antes e depois de Los Hermanos (Bon Iver vem logo à cabeça). Mas se queres ser triste sê mesmo, porra, chora e faz-nos chorar as pedras da calçada em vez de andares para aí nesse ganha-força-perde-força, nessas explosõezinhas bestas de raiva ocasional. Chora ou enfurece-te, meu, escolhe.
Este final, em que os instrumentos ganham saliência de novo, sombrio e problemático, é interessante.
Cher Antoine
Bonito e engraçado, este mix de chanson française. E olha a guitarra elétrica disco! Ahahahah. Pedaços soltos por cima de uma toada uniforme . Sentido de humor, que era algo que ainda não se tinha ouvido muito. O gajo diz "e confundir", e vem uma explosão quase Queen! E pura loucura disco no final, com slapzões no baixo e tudo! Sim, senhor, curti.
Deixa Estar
Ambiente interessante. Parece que estamos no circo, bem no meio do picadeiro. Então porque é que o homem continua a falar do amor e de estarmos juntos na distância e na discrepância do destino? Porra, que chato. Se estamos no circo, fala de elefantes. Ou, pelo menos, de amor a elefantes. A banda é definitivamente bem calibrada, mas o Marcelo Camelo é monótono em temas e imagens líricas e registo vocal. Alguém o devia avisar que os colegas dele conseguem tocar várias canções, para ele não ficar a cantar a mesma do início ao fim.
Mais Uma Canção
Tuba? Uma tuba?! Estou fascinado. Nada a dizer, uma bela e simples canção pop, sem que o Camelo se perca dentro dele mesmo e caia lá nas viagens líricas dele. E tem até um pífaro, tipo Fool on the Hill, mas ainda mais näif, a transportar para um coro de homens bêbedos que cantam à desgarrada. Só apetece agarrar um amigo e cantar também. É isto o que a música deve fazer.
(pausa para um cigarrinho, já volto, ok?)
Fingi na Hora Rir
Uuuuuuh, entramos no domínio do noturno e da guitarra a fazer barulho. Mas espera aí um coche, que o Camelo tem que dizer outra vez que a alegria para ele é só fingida, porque houve uma mulher que o fodeu e em quem ele não consegue deixar de pensar. Parece a história de um amigo meu, mas isso são outros assuntos.
Olha como ele suspende, se ouve um acorde solto de piano, ele diz mais alguma coisa e as guitarras arrebentam. Banda definitivamente muuuuito bem afinada, melhor do que o motor de um Rolls Royce. Final em crescendo, raiva, fúria. Talvez seja por também já não aturarem o vocalista.
Veja Bem, Meu Bem
Bom. Um tango eletrificado, mas se eles começarem a rasgar no refrão, eu juro que arranco os fones da cabe… não, não rasgaram. Ainda bem. Só uma guitarra mais forte a meio, que combina com a confissão "a solidão deixa o coração neste leva-e-traz". Belo momento lírico, que condensa tudo o que o homem esteve a dizer até agora e com um toque de ironia que só lhe fica bem. Um grande remate, "Se eu te troquei não foi por maldade… amor, veja bem, arranjei alguém chamado saudade", a banda rasga - agora, sim -, mas para um solo de trompete e não para um gritinho pseudo-dolorido do cantor. Novo refrão, nova tranquilizada, novo solo de trompete, o resto dos metais a juntar-se. Belíssima canção.
Tão Sozinho
Eh lá! Viva o punk! Bora, pessoal. Mas, calma aí, vão devagar. Pensam que o Camelo é o Rodolfo Abrantes? O homem ainda se vai cagar todo, pá! Olha ele aqui a tentar gritar. Ahahahahah. Muito engraçado. Até há um gajo a rir-se no final. Deve ter pensado o mesmo que eu. Ou então o Camelo mordeu a língua e ficou louco por provar sangue pela primeira vez.
Adeus Você
Tipo, é a última canção e chama-se Adeus, topam? Golpe de gênio! Concentra tudo o que o disco mostrou: banda ótima, vocal monótono, letras sobressentimentalizadas, metais do outro mundo. Aliás, pá, quem fez os arranjos disto? Quero esta secção de metais todos os dias a entrar no meu quarto de manhã para me acordar! Que coisa fabulosa. E um cheirinho, um cheirinho só de violinos meio dissonantes no fim, só para mostrar que ouviram os Beatles todos e curtem esta mistura entre música erudita e popular. Nada mau.
CONCLUSÕES
Los Hermanos são uma banda pop-rock. E, admito, são uma boa banda pop-rock. Não boazinha - boa mesmo. "Bloco do Eu Sozinho" é uma espécie de triste celebração da solidão depois de uma relação fracassada. Relação-alegria-Carnaval vs. solidão-tristeza-fim parecem ser as linhas de tensão que estruturam a coisa. É eclético, variado, com músicos alinhadíssimos e a procurarem soluções imaginativas. Pelo menos neste disco, têm uma secção de metais incrível e arranjos francamente geniais, que a momentos me lembraram muito a
Mesa, de Sérgio Godinho. Porém, isso não chega para me distrair do fato de que a banda parece sempre tocar mais do que aquilo que canta. A unidade das letras, o conceito, se quisermos considerar assim, é conseguido, mas não sem muita repetição, floreado e batidas na mesma tecla. Uma tecla que se chama "sentimento" e "narcisismo". Isto não é uma crítica ao tom em si mesmo, mas à falta de variação com que ele foi apresentado. Ouvi Bloco do Eu Sozinho com gosto
apesar do vocal, e não também por ele, como deveria ter sido. Depois deste disco, iria ver um show de Los Hermanos? Iria. Esta banda, estes metais, estes arranjos merecem uma visita.
Ainda não estou apaixonado, é verdade, mas já aceitaria ir jantar lá a casa e ver o que rola.