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Massa e Milei

Vejo o último debate das presidenciais argentinas, que serão daqui a uma semana. Massa é frio, experiente, do aparelho. Milei é um pistoleiro disparando para todos os lados. A estabilidade de Massa implica que pouco mude se ele ganhar. A novidade de Milei implica que, se ele ganhar, venha a ser mais manipulado do que manipulador. Achei tudo muito fraco.

Fui ao ato da CUT e vi o Lula

Já era tarde. O discurso do Lula chegava ao fim quando pisei no fundo da praça Charles Miller, no mesmo lugar onde às vezes me sentara para comer o pastel da Maria na feira do Pacaembu. Quando foi a última vez que o comi? Nem me lembro mais. Certamente antes da pandemia, esse antes e depois elástico que todos entendemos.

Algumas pessoas, também membras do clube de retardatários, apressavam-se para a praça para conseguirem ouvir as últimas frases de Lula. Os jornais disseram que falou sobre reforma trabalhista, sobre os polícias, sobre Bolsonaro. É o que se esperava. Não foi um discurso como os das primeiras greves do ABC que afrontaram a ditadura, nem como o que fez em São Bernardo do Campo antes de ir para a prisão em Brasília e se transformar, de político preso, em preso político. Mas um discurso do Lula continua a ser o discurso duma das maiores personalidades do século XXI, e as pessoas correm para ouvi-lo. Porém, desta vez os retardatários não tiveram sorte: Lula despediu-se e saiu do palco.


Os Francisco, el Hombre iam começar a tocar dali a pouco. Fui tirando umas fotografias enquanto subia a praça. Sorrisos, camisetas vermelhas, bandeiras sindicais. A minha mãe foi sindicalista a minha vida inteira: eu sei quem são estas pessoas, e gosto delas. Também gosto dos Francisco, el Hombre. Pensei em esperar um pouco e ver o show. Sempre daria para abanar o quadril habituado demais à posição sentada.




Reparei então que, do lado direito, algumas dezenas de pessoas esperavam encostadas numa grade. Havia uma abertura entre os tapumes que protegiam os bastidores, logo abaixo da escada de acesso ao palco. Lula estava no topo da escada e acenou para a multidão, que lhe respondeu com entusiasmo. Não consegui tirar a câmara a tempo, mas as pessoas continuaram por ali. Gritavam "Lula, guerreiro do povo brasileiro" com os punhos cerrados e esperavam para vê-lo de perto.



Seria uma daquelas alucinações coletivas a que às vezes as multidões se entregam? Sabe-se que é fácil o engano de alguns tornar-se a ilusão de muitos. Porém, ninguém arredava pé, mesmo enquanto os Francisco, el Hombre tocavam as primeiras músicas. Um homem de cabelo grisalho aproximou-se e perguntou-me se o Lula iria sair por ali. Respondi que, pelo menos, todo mundo esperava que sim. Ele falou «não, ele já saiu! Foi por trás. Tem segurança, aqui é muita gente, não vai sair, não». Encolhi os ombros, sem saber o que dizer perante tanta certeza, mas questionei as palavras do grisalho quando, uns minutos depois, percebi que até ele se juntara à multidão. 

Enquanto nada acontecia, tirei umas fotos em volta. Ambulantes vendendo comida, pessoas dançando, jovens paquerando. Cadê o ódio, cadê a polarização? Lamento, aqui não havia nada disso. As pessoas da praça são todos nós. Têm a marca de quem perdeu algo não faz muito tempo; agora só querem dançar um pouco e seguir em frente.




De repente, noto um burburinho na grade. Lula finalmente se preparava para encontrar a multidão. Coloquei a lente automática na câmara e corri para lá. Ele ficou na minha frente, abraçando as pessoas e segurando as suas mãos. Uma mulher chorava enquanto o abraçava. Toda a gente ergueu o celular com uma mão e estendeu a outra, procurando o toque deste homem. Confesso que também estendi a minha. Enquanto o Suplicy observava e o Stuckert fotografava, Lula passou por toda a extensão da grade, conversou o que conseguiu e depois foi-se embora. 



É indiferente se se concorda politicamente com ele ou não. A presença de Lula parece inspirar as pessoas a quererem ser melhores do que são. A sua resiliência e a sua história levam o povo a reunir-se à sua volta, e o Brasil, esgotado depois de anos de divisões internas, precisa de pessoas que o façam reencontrar-se consigo mesmo.

Arrumei a câmara e vi um pouco do show do Francisco, el Hombre. Continuam tão incríveis quanto eram na primeira vez que os vi, bem antes de serem conhecidos. Depois, subi a escada de pedra que me levaria ao caminho de casa através de paradas de ônibus com bandeiras do PT e bares carregados com a fauna de Higienópolis. A escada estava identificada como a "saída de emergência".

União Latina?

Acho grandiosa esta visão de Lula da América Latina como um bloco autônomo de poder, para a qual o Brasil poderá estar como a Alemanha está para a UE. O contraste com a subserviência de Bolsonaro aos EUA não pode ser maior. 
É por isso também que a cobrança ao PT sobre a Venezuela sempre me pareceu sensacionalista. Não hostilizar a Venezuela hoje pode significar o Brasil liderando uma das maiores uniões econômicas amanhã — e, se a entrada nessa união implicar o cumprimento de critérios como os de Copenhaga, esta pode ser a saída para a redemocratização do país fora do quadro estadunidense e para a América do Sul acabar definitivamente com a condição de quintal do hemisfério norte.

A guerra simples

Só esta noite, a Rússia comunicou que um dos negociadores de paz ucranianos foi executado por traição (o governo de Kiev nega) e que a Ucrânia planeia arrebentar um reator nuclear em Kharkov para depois culpar os russos. Verdade, jogo duplo, jogo triplo?

Vibramos com a bravura dos soldados ucranianos assassinados após dizerem "vá-se foder" ao navio russo que exigia a sua rendição. Dias depois, vimos as imagens deles a chegarem, rendidos, a Sebastopol. Putin diz que não faz uma guerra e, ao mesmo tempo, destrói cidades inteiras, áreas residenciais, hospitais pediátricos.

O que é verdade, mentira, simples confusão ou desinformação deliberada?

Um clichê que corre por aí de novo: na guerra, a primeira vítima é a verdade. 

Este combate é na Ucrânia, nas mesas da diplomacia e nas redes sociais. Há dias, gente ucraniana que procurava o amor percebeu que a invasão vinha aí quando começou a receber likes de soldados russos no Tinder. Hoje, o TikTok entra na onda de sanções e limitou o acesso da Rússia ao seu app. Zelensky, um ator, compreende o poder das imagens e usa-o a seu favor. Putin, outro ator, envia mensagens gravadas para o mundo como se fossem em direto e esmaga os seus próprios jornalistas.

Outro clichê que se ouve por aí: quem controla o passado controla o futuro; quem controla o presente controla o passado. 

O batalhão Azov, que a Rússia diz estar por trás do suposto plano de explodir um reator nuclear, é nacionalista, reconhecidamente neonazi. Foi integrado na Guarda Nacional ucraniana em 2014 e combate os separatistas em Donbass desde então. Ouvimos que guardas fronteiriços discriminam os emigrantes negros que tentam fugir. Enquanto isso, as Patrulhas do Povo, um grupo de extrema-direita anti-imigrantes, manifesta-se em Belgrado a favor de Putin, que há anos prende e assassina adversários, músicos e jornalistas.

Quem controla o presente?

As culpas parecem baratas quando se começa a escavar a História. Não é por acaso que o Estado Islâmico era obcecado com o acordo Sykes–Picot de 1916. Podemos apontar a responsabilidade pessoal imediata de quem deu a ordem que começou esta guerra. Talvez devamos. Mas também devemos saber que o primeiro dedo apontado vai levantar outro, e outro, e outro, e assim os dedos se levantarão até se perderem na escuridão do tempo e já não sobrar ninguém para quem apontar. 

No futuro, as armas que a OTAN deu para a Ucrânia se defender ficarão com o batalhão Azov? As sanções vão levar à ascensão da oposição democrática na Rússia ou o regime vai fechar-se ainda mais? A guerra vai levar a uma nova ascensão dos nacionalismos em toda a Europa, destruindo lentamente a União Europeia, ou, pelo contrário, vai levar a que ela se fortaleça?

Quem controlará o passado? Quem controlará o futuro?

O certo é que vemos os mortos e os refugiados e pensamos em nós, porque esta gente é parecida conosco. Hoje é segunda-feira: vamos trabalhar, cuidar da nossa vida. Pensamos se, daqui a uma curta semana, também teremos que encher uma mochila e caminhar até à fronteira.

Leio por aí muitas ironias com quem diz "é complexo". As ironias tanto erram quanto acertam. Não é que a situação seja simples por causa das causas históricas ou pelos enredos da política internacional. É simples porque, como diz o provérbio português, quando o mar bate na rocha, quem se lixa é o mexilhão. 

E, claro, nós somos o mexilhão.

O gigante e o anão

Bolsonaro realmente confundiu um anão com uma criança em Sergipe?

Talvez sim, talvez não. Porém, o vídeo que viralizou hoje mostra um lado de Bolsonaro que me parece muito pouco considerado na análise política e que, ao mesmo tempo, é importantíssimo para a sua popularidade. Considerar seriamente Bolsonaro implica reconhecer que, sim, ele é engraçado.

Ele é o presidente que levanta anões, que é bicado por emas enquanto doente de Covid-19 e depois lhes oferece cloroquina, que, lendo um autógrafo de Sergio Moro, exclama "Lula livre?!" para debochar do ministro.

Este é um pilar fundamental da construção da sua imagem pública: fazer dele um "tio de churrasco", uma figura jocosa, mas com quem qualquer brasileiro tem familiaridade. Como impor a culpa pela destruição da Amazônia ou pelas mortes do Covid-19 a alguém que nos faz rir?

Talvez isto faça parte de um fenómeno maior: o pessoal critica Bolsonaro por ser baixo clero e menospreza o seu populismo, mas não entende que populismo implica a construção do apelo popular. Bolsonaro não tem uma ideia de país, não tem nem um pingo de estadista no sangue e o seu grande objetivo é, como sempre parece ter sido, ocupar um cargo público para usufruir os benefícios inerentes. Mas não se confunda o governante inane com o candidato ativo. Como em 2016, ele já está em campanha, reavivando uma onda. 

Entretanto, o Brasil definha e recusa ver que a culpa do definhamento é da mesma pessoa que o faz rir. É assim que, todos os dias, um país com tudo para ser gigante se reduz à pequenez do seu presidente.

Aviso de navegação aos amigos portugueses

Como já tenho dito aqui, Portugal está muito parecido com o Brasil de há uns 3, 4 anos. Então, deixo um aviso: a batalha que se trava nas redes sociais não é de argumentação lógica. A nova direita autoritária não procura a lógica, mas visibilidade e tornar-se viral. O tom sensacionalista das suas mensagens é planeado precisamente com esse fim: suscitar o "click bait" e seduzir quem já não se revê na razão democrática. Então, não interajam, não reproduzam, não partilhem. Quanto mais conseguirem evitar mencionar o nome dos líderes dos movimentos, melhor (não é apenas por humor que no Brasil se começou a escrever "biroliro" ou "bozonaro"), e, principalmente, não partilhem diretamente posts, perfis ou hashtags deles. Se for impossível, optem por tirar um "print screen". Quando partilharem notícias, façam-no de órgãos jornalísticos credíveis. Escrevam e debatam sobre os tópicos que aparecem, sim, mas não entrem em discussões com quem já se perdeu para o ódio: bloqueiem a pessoa ou, pelo menos, deixem de segui-la. Se ela partilhar uma "fake news", mostrem-lhe que a notícia é falsa. Se ela insistir, denunciem o post. Denunciar posts e perfis por partilha de falsidades e discurso de ódio é a vossa arma. Se perceberem que se trata de alguém que não está ainda perdido para a loucura e que se debate com dúvidas, sejam respeitosos, esclareçam-nas e não diminuam as suas inquietações. Com quem não sabe de qual lado se pôr, deve-se ser claro e educado. Em todos os momentos, até nos de gozo, sejam responsáveis.

A Nova Política no Brasil e em Portugal

Hoje olhei a TV Alesp. No Dia do Professor, os deputados estaduais ocupavam-se a homenagear a classe. Douglas Garcia, o famoso gay transfóbico do PSL, tomou o palanque e começou calmo, dizendo que ontem tinha estado num debate na USP que decorrera tranquilamente exceto por uma briga no final, em que algumas pessoas supostamente terão atacado um sujeito que se declarava favorável à Escola sem Partido. O deputado então mostrou uma foto do atacado, despido e ferido, e exclamou "é isto que é preciso sofrer só por ser conservador?!". É curioso como a mesma pessoa que há alguns meses queria expulsar transsexuais à porrada de banheiros femininos ("vou tirar primeiro no tapa e depois chamar a polícia") subitamente se vitimiza tanto quando a sua retórica de violência se vira contra o seu lado ideológico. Porém, à medida que os dias passam, fica cada vez mais claro que essa é a característica principal desta Nova Política: implementar uma agenda odiosa não lhe parece tão importante quanto ganhar apoios e visibilidade investindo num registo de tabloide, mesa de botequim ou grupo revoltado de rede social. Tudo começa no presidente, claro está, ultimamente mais interessado em sequestrar os fundos partidários e eleitorais do seu partido e em colocar os parentes em cargos públicos do que em resolver o vazamento de petróleo nas praias do Nordeste ou apresentar um projeto de reforma tributária ao Congresso. Na verdade, deixar a governação para o Congresso não deixa de ser uma conquista para o presidente e a sua facção. Governar não parece interessar-lhes tanto quanto quanto chegar à governação e aparelhar o sistema governativo, o que talvez seja bom, pois não parece que a sua capacidade de pensamento consiga ir além da satisfação da sua base. A grande corrupção dos desvios de fundos para os partidos deu lugar à pequena corrupção do nepotismo e proselitismo encoberta pela névoa de afirmações e decisões bombásticas e incompetentes. Portugal já está a experimentar isto, pois não parece pura coincidência que, após dar lugar a um deputado de extrema direita no Parlamento, tenha surgido uma petição pública online pelo impedimento da tomada de posse de uma deputada negra eleita com grande repercussão. Não duvido: como acontece no Brasil, este tipo de manobras sensacionalistas vai infetar o diálogo público nos próximos 4 anos no meu país natal e empobrecer a política e todos nós. Daqui a algumas décadas, olharemos para trás e chamaremos a estes anos os da Grande Estupidificação Geral.

God fuck the queen! Um resumo da confusão em terras de Sua Majestade

Ao pedir ontem a suspensão dos trabalhos legislativos entre 9-12 de Setembro e 12 de Outubro, Boris Johnson fez  um "all-in" que encurrala o Parlamento entre aprovar ou não aprovar o acordo de Brexit que ele apresentar depois da prorrogação, pois não deixa tempo útil para discutir acordos alternativos.

Se o Parlamento aprovar o acordo, os opositores do Brexit saem encolhidos, mas poderão atribuir a Johnson a responsabilidade por qualquer confusão que disso resulte e, nos próximos anos do governo, não deixarão incólume o desacato.

Se o Parlamento não aprovar o acordo, o Reino Unido vai para o "no deal", e Johnson guarda o trunfo de poder culpabilizar os opositores pelo caos que se instalará.

O Parlamento terá uma semana de trabalho em Setembro (de 3 a 10) antes de fechar para a prorrogação e voltar no dia 13 de outubro.

Essa primeira semana de Setembro será crucial.

Nela, o Parlamento poderá aprovar uma lei que proíba o Governo de sair da UE sem acordo. É um prazo muito apertado (a lei teria que ser aprovada pelas duas casas do Parlamento), mas, a acontecer, obrigaria Johnson a pedir à UE mais um adiamento do Brexit e tentar negociar um novo acordo.

O Parlamento ainda pode aprovar uma moção de censura (ou "voto de desconfiança") ao governo. Haveria pouquíssimo tempo para formar um governo de unidade nacional, que então pediria à UE um adiamento da data do Brexit. Quer funcionasse quer não, esta solução instalaria o caos político, e Johnson, que pode ou não ficar no poder (ou voltar a ele, caso vença a eleição subsequente), sempre poderia dizer que ele é da conta dos seus opositores.

O Parlamento apenas conseguirá sair da ratoeira armada pelo primeiro-ministro se se unir contra ele, o que não é impossível, se considerarmos como parlamentares de ambos os partidos se sentiram ultrajados com o movimento de Johnson.

Porém, acredito que Johnson aposta na incapacidade deles para se unirem, porque é preciso entender que os acordos de Brexit têm sido reprovados — simplificando bastante — por duas razões distintas:

  • De um lado, os parlamentares totalmente contrários ao Brexit tentam ganhar tempo, rejeitando os acordos para forçar uma outra solução (por exemplo, a substituição do atual governo por outro que, pelo menos, convoque um novo plebiscito);
  • Do outro lado, temos parlamentares que são favoráveis ao Brexit, mas não concordam com um acordo que inclua uma condição de que a UE não abdica: um "backstop" na Irlanda do Norte. O "backstop" consiste num regime transitório que manteria a vigência de algumas regras do Mercado Comum nesse país, evitando a necessidade de uma aduana entre as duas Irlandas e o ressurgimento das tensões separatistas dos tempos do IRA. Porém, isso implicaria que a Grã-Bretanha, para mover os seus produtos para a Irlanda do Norte, teria que garantir que eles se adequariam às normas europeias. Ou seja, durante esse período de "backstop", o Reino Unido teria que se conformar às regras da UE, mas já sem ter nela representantes que discutissem e aprovassem essas mesmas regras. Imagino que Johnson considera que, perante a impossibilidade de um novo acordo, pelo menos alguns destes deputados poderia ser persuadidos a aprovar um acordo com "backstop". 

O Brexit é uma ideia horrorosa que contraria os valores europeus em que a minha geração foi criada.

A jogada de Johnson diminui o poder parlamentar e ninguém com juízo poderá considerá-la tranquilamente democrática.

Porém, do ponto de vista da pura realpolitik e comparado com os métodos de desinformação truculenta de Trump e Bolsonaro, é um golpe de mestre que por enquanto o tornou dono da agenda política.

Ainda assim, será bom não esquecermos aqui todas as implicações da palavra "golpe".

Se Boris sobreviver a esta batalha, tem garantida uma guerra muito longa pela frente.

Talvez não devamos comemorar a prisão de Temer

Ontem, 20 de Março, foi notícia que Bolsonaro perdeu 15% nos índices de popularidade.
Nos últimos dias, soube-se também que Moro e Rodrigo Maia estão irritadinhos um com o outro.
O ministro da Justiça mandou mensagens de Whatsapp a Maia durante a madrugada, cobrando a aprovação do pacote anticrime.
Maia, que aparentemente não gosta de ser acordado de madrugada, disse que Moro estava "confundindo as bolas" e que ele era um "funcionário do Bolsonaro”.

Hoje, 21 de Março, é aniversário de Jair Bolsonaro.

Na Lava Jato carioca, o juiz Marcelo Bretas (amigo de Moro, amigo de Witzel, alinhado com o governo) mandou prender o ex-presidente Temer.
A popularidade do presidente e do governo provavelmente deixará de cair.

Prendeu-se também Moreira Franco, antigo ministro de Temer.
Moreira Franco é sogro de Rodrigo Maia.
Há quem fale em vingança.
O pacote anticrime provavelmente não demorará tanto a ir a Plenário.

A estranheza do presidente

Acho esta história do José de Abreu presidente divertida, ao mesmo tempo que algo nela me deixa desconfortável. Na Folha de hoje, Bruno Boghossian exprime bem essa sensação de "andamos a brincar com coisas sérias". Por outro lado, são as coisas mais deliciosas com que se brincar.

Morrer de pé ou viver ajoelhado?

Como imigrante no Brasil, há vários meses que reflito sobre o modo como esta eleição deveria influenciar a minha permanência aqui.
Depois dos resultados do primeiro turno, a resposta ficou clara.
A partir de amanhã, darei início ao processo de pedido de igualdade de direitos e deveres, que me permitirá votar e participar plenamente na vida política deste país.
Isso significa perder o direito de votar em Portugal, o que muito me custa.
Porém, considero que escolher o modo como vai ser gasto o dinheiro dos meus impostos e manter a cabeça erguida contra simpatizantes de tirania é mais importante ainda.
Imagino que alguns de vocês pensaram que estava anunciando a minha partida.
Também vejo muitos brasileiros, gracejando em desespero, que perguntam qual o melhor país para se exilar.
Mas Jair Bolsonaro, o círculo que o rodeia e os esbirros que o apoiam não me dão medo.
Imagino que a maioria dos seus eleitores votaram nele mais por acharem que ele seria o melhor candidato contra o PT do que por concordarem com as ideias do ex-deputado e que inúmeros nem saibam muito bem no que estavam votando.
Eu não perco a esperança nesse povo desesperançado. Porquê?
Nasci no sexto ano da democracia portuguesa.
Não tive que combater numa guerra.
Nunca fui denunciado ou vigiado pelas minhas opiniões.
As coisas que escrevo nunca tiveram que passar por censura, prévia ou posterior.
Ao longo dos meus 37 anos, 8 dos quais morando no Brasil, vi governos com que concordei ou não dando-se bem ou mal.
Mas eu nunca vi tamanha glorificação de políticos que se aproveitam das liberdades democráticas para apelar ao saudosismo por tempos obscuros, ao elogio de torturadores e ao insulto mais sujo.
Acima de tudo, nunca vi tamanha concentração de incompetência, falta de preparo para lidar com os problemas de um país e slogans vazios de conteúdo ascender à primeira linha do debate político.
Eu não tenho nenhum problema em ver políticos de quem não gosto subir aos lugares de poder (os amigos brasileiros poderão pesquisar "Cavaco Silva" para entenderem).
Mas há não gostar e não concordar, e depois há considerar que alguém não preenche as condições mínimas para ser um representante político numa sociedade democrática, quer pelas posições que defende, quer pela incapacidade de construir uma visão com pés e cabeça para o país que pretende governar.
Fazer frente a isto é um dever ético fundamental do cidadão, esteja ele no poder, na oposição, num cargo eleito ou, simplesmente, participando da vida pública do seu país.
Emiliano Zapata disse "prefiro morrer de pé a viver ajoelhado". É um lema pelo qual gosto de pautar a minha vida. Levantar a cabeça faz-nos chegar à luz. Baixá-la leva-nos às trevas.
E ninguém me vai fazer descer até as trevas.

Porque eu, português no Brasil, disse #elenão

Apesar de ainda não votar no Brasil, é aqui que eu pago os meus impostos. Por isso, preocupo-me com a forma como eles serão gastos e que tipo de governos eles estarão apoiando.

Sempre considerei Jair Bolsonaro um mal necessário: a personagem bocuda que fala frases de efeito machistas, racistas e fascistas e, assim, consegue o voto da extrema-direita, fazendo-a jogar pelas regras da democracia.

E não entendo haver quem acredite que ele é mais do que isso, mesmo depois de ele se ter candidatado à Presidência construindo a imagem de ser o homem de que o Brasil precisa.


Um parlamentar que aprova dois projetos de lei em 27 anos de congresso não demonstra ter a articulação necessária com o Legislativo para ser um presidente competente.

O candidato já disse que nunca foi corrupto porque era do "baixo claro". Ou seja, um político pouco importante, sem influência, que não valia a pena comprar. Mesmo assim, ao longo da sua carreira política, ele conseguiu trazer três dos seus filhos para a política e multiplicar o patrimônio familiar de forma incrivelmente suspeita. Contratou a sua atual mulher e, em um ano de serviço, quase triplicou o salário dela. Paga uma funcionária doméstica com dinheiro público. Tem um irmão que é funcionário-fantasma de uma assembleia legislativa e que é doador da sua campanha.

O candidato diz não saber nada de economia e deixar esses assuntos para o seu assessor e futuro ministro da Fazenda, Paulo Guedes. Mas Paulo Guedes é um liberal, e o seu chefe é um populista. A confusão entre os dois nas últimas semanas sobre a pauta absurda anunciada por Guedes não prenuncia um grande desenvolvimento para o país.

O seu programa de governo é uma mistura desconchavada de lunatismo e de autoritarismo, de obsessão com o exército e a polícia, de intervenção governamental na vida privada. Além disso, o candidato desconsidera as suas frases ofensivas do passado e do presente como piadas, exageros mal entendidos. As suas frases futuras serão legendadas para saber o que deve ser levado a sério?

Sem nem entrar no mérito das propostas que gosta de lançar com fala grossa e alta, Bolsonaro comprovadamente não tem a competência para as cumprir, a postura de quem deve ocupar o mais alto cargo de uma nação nem a idoneidade de quem, como ele diz, quer combater a corrupção no Brasil.

É por isso que eu não quero que ele gaste o dinheiro dos meus impostos.

E é por isso que eu disse #elenão.

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O que eu não entendo

Moro no Brasil há oito anos, mas ainda não voto aqui. Cansaço de burocracias, por um lado. Medo de perder esse vínculo com o meu país natal, por outro.

Isso não significa que não acompanho a política brasileira. Acompanho, e com muita atenção. Mas, ainda hoje, há muitas coisas que não entendo.

Não entendo, por exemplo, a atribuição da culpa pela corrupção brasileira a um ou outro, como se não estivesse claro que há uma mamata instalada desde a Ditadura e que o "presidencialismo de coalizão" democrático foi baseado numa rede suprapartidária de favores, ajudas mútuas e acordos obscuros com o meio empresarial.

Não entendo que não se perceba que o impeachment que expulsou Dilma foi articulado por grandes corruptos, já julgados e condenados, e que certamente eles não o fizeram porque ela facilitava a sua ladroagem.

Não entendo quem não se ligou ainda que a contestação ao PT só veio depois do grande ciclo das commodities, quando muita gente viu minguar o dinheiro que até então lhe vinha facilmente para o bolso.

Não entendo como se fala tão pouco que Dilma foi a primeira a demitir pessoas como Antonio Palocci , Wagner Rossi ou Carlos Lupi após aparecerem as primeiras suspeitas de corrupção sobre elas.

Não entendo quem acusa o PT de "querer transformar o Brasil numa Venezuela" e esquece que os dois pés que legitimaram a Lava Jato - a lei da Delação Premiada e o fortalecimento da Polícia Federal - foram feitos do próprio PT, que também sancionou a Lei da Ficha Limpa.

Não entendo quem ostenta descaso e ódio por quem é mais fraco, mais pobre, diferente, quem celebra essa ostentação e quem faz dela bandeira política.

Talvez haja coisas que não sejam mesmo para entender. A memória das pessoas é curta. E eu sou naturalmente otimista. Quando, há 3 anos, escrevi um artigo de opinião no Diário de Notícias sobre a situação do Brasil, ainda nem tinha começado o impeachment, e eu acreditei muito na possibilidade de ele não acontecer. Aconteceu, e a estabilidade que tanto se esperava só foi sendo adiada e adiada, ao ponto de as instituições e a paz social parecerem às vezes prestes a entrarem em derrocada.

Quando estava no poder, o PT nunca me pareceu um partido tão de esquerda assim, mas mais um bloco abrangente que partia do centro-esquerda, com uma grande preocupação social. O crescimento econômico durante os seus governos foi uma benção e uma maldição. Com mais dinheiro entrando, e sem quebrar a tradição da roubalheira, mais dinheiro era pedido, distribuído e entregue. Não quebrar essa tradição foi culpa do PT, sim, e também de todos os políticos que passaram pelo poder nos últimos 30 anos. Devemos julgar um réu pelos crimes que cometeu - não pelos dos outros.

A Croácia é nazista?

Há uma coisa que me inquietou durante a Copa, que foi a insistência em dizer que os jogadores e a presidente croata eram fascistas e nazistas. Eu já estive na Croácia. Achei um lugar muito bonito e com pessoas muito simpáticas. Vi muitos sorvetes e nenhuma suástica. Depois de ver o seguinte vídeo, pesquisei o que queria ter pesquisado semanas atrás.

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PRÉVIAS
O lixo do passado caiu forte nalguns lugares.

Uma vez vi um documentário chamado What Our Fathers Did: A Nazi Legacy, sobre dois filhos de criminosos de guerra nazistas.

Há uma sequência que foi particularmente reveladora: um deles vai a uma festa de aldeia na Ucrânia onde o pessoal fazia uma reconstituição das Wafen SS. Tipo Meu Querido Mês de Agosto, mas com suásticas.

Sempre tinha pensado os nazistas como invasores. Foi a primeira vez que percebi que há gente que os associa a libertação e independência, principalmente quando comparados com os comunistas que vieram depois.

Imagino que isso, misturado com os nacionalismos exaltados com a guerra da Jugoslávia, deu uma bela duma salsada.

(aliás, se tiverem estômago, vejam A Serbian Film e curtam a metáfora sobre a insustentabilidade da vida após uma guerra civil)

Uma maravilha, a confusão que o lindo do século XX deixou pelos Balcãs e Leste Europeu, né?

SOBRE O VÍDEO E AS ACUSAÇÕES

O HDZ, partido da presidente, não é exatamente de extrema direita. É um partido de democracia cristã, tipo CDS-PP em Portugal ou - surpresa! - o Democracia Cristã no Brasil. Isso não é grande coisa, mas também não é lá essas coisas (coisas nazistas, bem entendido).

A Croácia é um regime parlamentarista, então, a presidente não terá tido grande responsabilidade no péssimo tratamento dos refugiados. Nem sei se ela ratifica as leis do governo. É verdade que este também é HDZ e que governa em aliança com partidos mais nacionalistas e radicais.

Porém, a Croácia não é de todo um país entregue à direita: a coligação do SPD (o maior partido da oposição, continuação da antiga Liga dos Comunistas e que estava no poder antes) perdeu por uns meros 3 pontos.

Curiosamente, o senhor do SPD, de esquerda, só perdeu porque foram vazados uns áudios dele numa reunião com veteranos de guerra a dizer que a Bósnia não é um país de verdade e que os sérvios são lamentáveis.

(repito: salsada, salsada)

Sobre a bandeira, eu até fui pesquisar quando isso começou a aparecer, mas, parafraseando o Trumpa, acho que é fake news.

A bandeira da Croácia nazista tinha sobreposto o "U" da Ustase.

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Essa da foto parece-me mais a que eles adotaram em 1990, imediatamente após a queda do comunismo e logo antes da independência, e era a bandeira da oposição ao comunismo no exílio. A bandeira atual é uma atualização dessa. É verdade que o brasão é semelhante, mas também é verdade que esse brasão já era croata vários séculos antes de Hitler ser bebê.

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A minha conclusão é que a Croácia é claramente um país com uma série de contradições agudas após guerras e totalitarismos vários, que deram em nacionalismos exacerbados e políticos que se aproveitam deles.

Nazista e fascista, não me parece.

O que realmente estava em causa na decisão sobre o habeas corpus de Lula

A sanha da luta política e cultural em que vivemos não permitiu que muitas pessoas percebessem que, na verdade, a discussão de ontem foi sobre uma divergência jurídica bem complicada e que diz respeito a todos nós. Afinal, ninguém está imune a um dia ser preso.

Voltei então aos meus tempos de Faculdade de Direito e fui pesquisar sobre o assunto.

Primeiro, um detalhe importante. Houve quem dissesse que a prisão após condenação em 2ª instância é regra fora do Brasil. Não é, e este artigo explica bem. Citando:
(No Brasil) há quatro instâncias possíveis de julgamento. Primeiro, nas varas criminais e, depois, nos tribunais estaduais ou regionais federais, em que são analisados os fatos concretos e provas. Já o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o STF julgam se a lei foi corretamente aplicada nas instâncias inferiores, podendo absolver condenados se houver ilegalidades no processo. (...)

Na Holanda, França ou Portugal, só há, em geral, três instâncias. Ou seja, há uma menor possibilidade de recursos.

Já nos EUA, apesar de haver muitas prisões após a decisão de 1ª instância, elas acontecem ou porque os réus abrem mão de recursos em troca de penas mais favoráveis ou porque lhes é negada a possibilidade de recorrer, um sistema nada isento de falhas. Ainda do artigo:
O juiz federal e professor da Universidade de Columbia Jed Rakoff, por exemplo, diz em artigo sobre o tema que o sistema americano tem penas altas e dá poder desproporcional à acusação em relação aos defensores. Com isso, pessoas inocentes acabam aceitando se declarar culpadas por temer julgamentos longos que podem acabar em graves condenações.

Então, recapitulemos.

Por um lado, o Brasil tem uma instância de recurso a mais do que outros países, o que  pode significar a impunidade de réus poderosos e ricos. Como bem disse Luís Roberto Barroso ontem:
“Se tornou muitíssimo mais fácil prender um menino com 100 gramas de maconha do que prender um agente público ou um agente privado que desviou 10, 20, 50 milhões. Esta é a realidade do sistema penal brasileiro: ele é feito para prender menino pobre e não consegue prender essas pessoas que desviam por corrupção e outros delitos milhões de dinheiros, que matam as pessoas”

Por outro, a Constituição brasileira institui, no seu art. 5º inciso LVII, que:
Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Por "trânsito em julgado", entendam "não haver mais possibilidade de recurso porque se esgotaram os prazos ou as instituições para recorrer".

Aqui é que a coisa fica interessante.

Considerando o art. 5º, se alguém for preso antes do trânsito em julgado, isso equivale a aplicar uma pena a alguém que não é constitucionalmente considerado culpado.

Porém, surge a dúvida: a Constituição proíbe considerar culpado antes do trânsito em julgado, mas não proíbe expressamente a aplicação de uma pena a alguém nessa condição. O El País resumiu ontem bem a divergência de opiniões:
Os que não concordam com a prisão após o julgamento em segunda instância argumentam que o inciso afirma que ela só pode acontecer quando não existam mais recursos, já que só assim alguém é considerado "culpado", segundo a Constituição; por isso, a prisão antes disso seria ferir a presunção de inocência do indivíduo.

Os que defendem a prisão após a segunda instância afirmam que considerar "culpado" é diferente de prender e que a expressão constitucional serve apenas para colocar o nome do réu no rol dos culpados.

Eu diria que o problema se resolveria mais facilmente mexendo no processo penal e eliminando uma instância de recurso, mas isso daria muito trabalho e acabaria com alguns empregos no meio judicial. Então, a solução mais lógica não interessa a ninguém.

As motivações dos dois lados são muito razoáveis.

Os defensores da pena após 2ª instância pensam na eficácia dos tribunais e em impedir que poderosos consigam evitar as penas ad nauseam.
(Não consideremos este ou aquele ministro do STF que muda de opinião consoante ela possa afetar ou não os seus amigos da política, não vale a pena). 


Os defensores da pena só após o trânsito em julgado consideram que as garantias constitucionais valem para todos e que as consequências que delas se podem razoavelmente intuir são para cumprir.

Então, quem tem razão?

Eu diria que o arremedo jurídico que ontem prevaleceu é um pouco perigoso.

Não me agrada nada essa conversa de "cumprir prisão não significa que depois não venha a ser declarado não-culpado".

É que, considerando ser quase certo que os tribunais brasileiros tomarão esta decisão do STF praticamente com a força de uma ação declaratória de constitucionalidade, ela valerá, não só para Lula, mas para qualquer um de nós.

E agora respondam: se vocês fossem condenados por um crime, achariam justo poderem ser presos sem esgotarem todos os recursos judiciais a que têm direito?

Também achei que não.

Alckmin

Alckmin diz no Twitter:

Curiosamente, eu não discordo de Alckmin.

Eu adoraria que o dinheiro de meus impostos fosse poupado em excrescências e usado para ter educação, saúde e segurança públicas incríveis.

Mas o que sei é que, quando esse papinho neo-liberal começa, está implícita também a ajuda aos amigos empresários, os mesmos que vão financiar a campanha e esperam leis amigas.

Isso fica ainda mais claro no trecho de vídeo que não é transcrito, em que Alckmin gonga a "partidarização das agências reguladoras".

Alguém duvida que "partidarização", no caso, significa apenas "partidarização por outro partido que não o nosso" e que, uma vez chegando lá, as cabeças dos outros cairão para serem substituídas por cabeças ligadas ao PSDB ou distribuídas pelos amigos do Congresso?

É muito fácil falar de mãos invisíveis quando há uma mão pública bem visível te carregando.

8 coisas sobre Marielle

1. A munição usada para matar Marielle veio de um lote vendido à PF de Brasília em 2006.

2. Soubemos que a Polícia Militar tem essas balas desde que foram usado pelos PMs que cometeram a chacina de Osasco em 2015.

3. Essas balas ficaram só com as forças da PM? Foram desviadas para milicianos?

4. É imprescindível sabermos se os mandantes da morte de Marielle são de estruturas regulares policiais, políticas ou do crime organizado.

5. Seja quem for esse mandante, parece claro que Marielle morreu por defender os indefesos e os direitos humanos devidos a todos.

6. Não pode ser pura coincidência seu assassinato com balas de um lote que já foi usado por policiais militares numa chacina poucos dias após denunciar brutalidades da Polícia Militar em Acari.

7. O Estado falhou em dar a uma representante política dos cidadãos mais pobres a proteção que ela merecia.

8. Marielle foi assassinada com balas que um dia foram compradas com o dinheiro de seus impostos.

Sobre Marielle


Não há eufemismo possível: Marielle Franco foi executada.

Fora nomeada relatora da comissão de acompanhamento da intervenção federal semanas antes e criticara a brutalidade do 41º batalhão da PM em Acari dias antes.

Então, a PM como órgão, o 41º batalhão ou, quem sabe, as milícias que tomam conta de certas zonas do RJ aparecem como primeiras suspeitas. Não me surpreenderia.

Há também quem sugira que ela teria sido alvo do crime organizado, em reação à sua posição na comissão da intervenção, o que seria cruelmente irónico, já que ela era contrária à mesma.

Confesso que acho um pouco estranho o caso.

Marielle, do que se sabe, nunca sofrera ameaças e, como vereadora, não me parece que estivesse numa posição suficientemente alta para fazer alguém se sentir ameaçado.

Mesmo que isso tivesse acontecido, o que vemos é usarem os parentes, dizerem algo como "se você não parar, matamos sua filha".



Será que o assassinato fora encomendado para outro político? Não sei.

Será que a loucura crescente do Rio levou a isto? Não sei.

O que sei é que, se hoje é possível matar políticos desta forma no RJ, fica provado que a intervenção federal do exército realmente não serve para mais nada a não ser importunar moradores e salvar a face de Temer depois do fracasso da votação da Previdência.



Chegamos no cume da montanha de discórdia e sanha que começou com o impeachment da Dilma e cresceu com a Lava Jato e só posso esperar que Marielle seja a mártir que vai fazer todos pararem e refletirem.

Mas não estou otimista.

Presidente fraca contra os brutos

A história é feita pelos vencedores e, neste momento, os vencedores estão à direita do PT. Não importa que o percurso do indiciado Eduardo Cunha seja dos mais sinistros na política brasileira, não importam os exageros alucinados de Bolsonaro ou Feliciano na defesa de visões trogloditas. O país só tem olhos para o fim do que há agora. As manifestações do 13/3 são anti-corrupção ou anti-Dilma? Ninguém sabe já muito bem. Não importa mais. As pessoas estão mais interessadas em sair do impasse em que se encontram. E, digam o que disserem os defensores do PT, Dilma tem muita culpa desse impasse.

No segundo mandato, Dilma mostrou que não está à altura de lidar com a crise econômica, muito menos com a deserção política dos aliados. É surpreendente, para uma mulher que sempre pareceu tão forte, mas revelador: Dilma sabe resistir, mas não sabe mexer-se. Foi ineficaz no jogo político e deixou que um congresso adverso e oportunista a encostasse ao canto. Ela passou esse segundo mandato paralisada politicamente, e a renúncia não seria surpreendente.

Ironicamente aguentando Dilma no cargo, parece-me, está o mesmo pedido de impeachment que a tem ocupado e desgastado. Exagerado e com uma base muito discutível, ele sempre foi mais um instrumento de pressão contra ela do que um processo urgente para repor a justiça, mas hoje ele é uma razão forte para ela não abdicar do posto. Dilma disse que pedirem a renúncia dela é admitir que o impeachment não tem base, e o contrário também é verdade: ela resiste a renunciar, porque fazê-lo agora seria admitir que o impeachment tem base.

No Brasil e no mundo, hoje e sempre, líderes e partidos vêm e vão e, enquanto isso, os povos sofrem mais ou menos. Nada de novo, portanto. O preocupante é o que pode ascender ao poder depois que este status quo passar.

Lula foi forçado a depor usando uma lei que só deveria ser usada se ele se tivesse recusado a fazê-lo antes, e, sabemos agora, assim aconteceu com a maioria dos alvos da Lava Jato, assim revelando como mera desculpa a justificativa de Sergio Moro de que se tentava evitar o tumulto social que daria a marcação de um depoimento agendado do ex-presidente. O Ministério Público pediu a prisão preventiva de Lula sem que houvesse base jurídica suficiente e, em bloco, juristas e políticos ligados à oposição e ao Governo reprovaram. Talvez alguns só tivessem percebido então o tamanho do monstro que ajudaram a criar. Dois dias depois, a Polícia Militar entrou numa reunião de um sindicato que fazia um ato de solidariedade a Lula.

Não se trata de pôr em causa os méritos da investigação, das provas e dos argumentos jurídicos contra Lula. Trata-se de pensar no que foi revelado. A articulação próxima do judicial com a política, o atropelo dos direitos processuais básicos de acusados e ações intimidatórias da polícia (sempre com a desculpa de manter a estabilidade social, de evitar tumultos - em suma, de paternalmente defender a sociedade dela mesma) são mecanismos típicos das ditaduras. Fala-se muito em “golpe”, e talvez na sombra ele esteja a acontecer mesmo. Se Dilma é uma péssima jogadora do jogo político democrático, os seus adversários parecem não ter nenhum problema com atropelar as suas regras.

As manifestações do 13/3 superaram, segundo o Datafolha, as das Diretas Já. Nelas, Aécio Neves e Geraldo Alckmin, políticos de direita controversos, mas relativamente moderados, foram vaiados em São Paulo. Já o quase extremista Bolsonaro foi aclamado como “mito” em Brasília. O ódio específico contra o PT - não contra os corruptos, não contra os políticos, mas contra o PT- vem do quê? Não entendo, e também não entendo este afã por figuras de força bruta que não trazem nada de novo ou construtivo além do ódio. Se o objetivo de tudo isto é abrir um novo caminho no Brasil, com correções de falhas antigas, ele está irremediavelmente condenado a falhar.

O aborto

Depois da excelente entrevista de Drauzio Varella sobre o aborto:

Eu não gosto quando alguém aborta. Se isso acontecesse na minha vida privada, eu preferiria trazer a criança ao mundo.

Mas a nossa opinião sobre o aborto não tem a ver com o que queremos para a nossa vida. Tem a ver com o que queremos para a vida dos outros.

Proibir o aborto não para o aborto. Os dados que o artigo da BBC indica ("uma brasileira morre a cada dois dias por conta de procedimentos mal feitos e um milhão de abortos clandestinos seriam feitos no país todos os anos") comprovam isso.

Ou seja, a proibição só entrega a mulher que aborta à clandestinidade e a arriscar a saúde e a vida nas mãos de pessoas que não pode processar se o fizerem mal (porque se arrisca a ser ela própria presa e condenada).

E proibir o aborto não tem nada a ver com a questão "uma mulher deve poder abortar?". Tem a ver com a questão "uma mulher que aborta deve ser presa?". Gostaria que o Brasil entendesse isso, como Portugal entendeu há alguns anos.

Se você acha que não conhece ninguém que tivesse abortado, pergunte a uma amiga, à sua mulher, à sua namorada, e talvez se surpreenda ao descobrir que alguém bem próximo de você o fez. Muito provavelmente, você vai descobrir que a situação que levou essa pessoa a se submeter a uma intervenção clandestina não foi fácil, que ela não o fez feliz e contente, que, na verdade, o fez com muito custo e sacrifício.

E depois pense: essa pessoa merece ser presa? Se você acha que não, não deve ser presa ou punida porque já foi punição suficiente submeter-se a essa provação, então, seja qual for sua opinião sobre o aborto na sua vida privada, você é favorável a uma despenalização. E é isso que está em causa.