Fui ao ato da CUT e vi o Lula

Já era tarde. O discurso do Lula chegava ao fim quando pisei no fundo da praça Charles Miller, no mesmo lugar onde às vezes me sentara para comer o pastel da Maria na feira do Pacaembu. Quando foi a última vez que o comi? Nem me lembro mais. Certamente antes da pandemia, esse antes e depois elástico que todos entendemos.

Algumas pessoas, também membras do clube de retardatários, apressavam-se para a praça para conseguirem ouvir as últimas frases de Lula. Os jornais disseram que falou sobre reforma trabalhista, sobre os polícias, sobre Bolsonaro. É o que se esperava. Não foi um discurso como os das primeiras greves do ABC que afrontaram a ditadura, nem como o que fez em São Bernardo do Campo antes de ir para a prisão em Brasília e se transformar, de político preso, em preso político. Mas um discurso do Lula continua a ser o discurso duma das maiores personalidades do século XXI, e as pessoas correm para ouvi-lo. Porém, desta vez os retardatários não tiveram sorte: Lula despediu-se e saiu do palco.


Os Francisco, el Hombre iam começar a tocar dali a pouco. Fui tirando umas fotografias enquanto subia a praça. Sorrisos, camisetas vermelhas, bandeiras sindicais. A minha mãe foi sindicalista a minha vida inteira: eu sei quem são estas pessoas, e gosto delas. Também gosto dos Francisco, el Hombre. Pensei em esperar um pouco e ver o show. Sempre daria para abanar o quadril habituado demais à posição sentada.




Reparei então que, do lado direito, algumas dezenas de pessoas esperavam encostadas numa grade. Havia uma abertura entre os tapumes que protegiam os bastidores, logo abaixo da escada de acesso ao palco. Lula estava no topo da escada e acenou para a multidão, que lhe respondeu com entusiasmo. Não consegui tirar a câmara a tempo, mas as pessoas continuaram por ali. Gritavam "Lula, guerreiro do povo brasileiro" com os punhos cerrados e esperavam para vê-lo de perto.



Seria uma daquelas alucinações coletivas a que às vezes as multidões se entregam? Sabe-se que é fácil o engano de alguns tornar-se a ilusão de muitos. Porém, ninguém arredava pé, mesmo enquanto os Francisco, el Hombre tocavam as primeiras músicas. Um homem de cabelo grisalho aproximou-se e perguntou-me se o Lula iria sair por ali. Respondi que, pelo menos, todo mundo esperava que sim. Ele falou «não, ele já saiu! Foi por trás. Tem segurança, aqui é muita gente, não vai sair, não». Encolhi os ombros, sem saber o que dizer perante tanta certeza, mas questionei as palavras do grisalho quando, uns minutos depois, percebi que até ele se juntara à multidão. 

Enquanto nada acontecia, tirei umas fotos em volta. Ambulantes vendendo comida, pessoas dançando, jovens paquerando. Cadê o ódio, cadê a polarização? Lamento, aqui não havia nada disso. As pessoas da praça são todos nós. Têm a marca de quem perdeu algo não faz muito tempo; agora só querem dançar um pouco e seguir em frente.




De repente, noto um burburinho na grade. Lula finalmente se preparava para encontrar a multidão. Coloquei a lente automática na câmara e corri para lá. Ele ficou na minha frente, abraçando as pessoas e segurando as suas mãos. Uma mulher chorava enquanto o abraçava. Toda a gente ergueu o celular com uma mão e estendeu a outra, procurando o toque deste homem. Confesso que também estendi a minha. Enquanto o Suplicy observava e o Stuckert fotografava, Lula passou por toda a extensão da grade, conversou o que conseguiu e depois foi-se embora. 



É indiferente se se concorda politicamente com ele ou não. A presença de Lula parece inspirar as pessoas a quererem ser melhores do que são. A sua resiliência e a sua história levam o povo a reunir-se à sua volta, e o Brasil, esgotado depois de anos de divisões internas, precisa de pessoas que o façam reencontrar-se consigo mesmo.

Arrumei a câmara e vi um pouco do show do Francisco, el Hombre. Continuam tão incríveis quanto eram na primeira vez que os vi, bem antes de serem conhecidos. Depois, subi a escada de pedra que me levaria ao caminho de casa através de paradas de ônibus com bandeiras do PT e bares carregados com a fauna de Higienópolis. A escada estava identificada como a "saída de emergência".