CINEMEMÓRIAS #2: El Secreto De Sus Ojos

São Paulo, 2010.

Terá sido o primeiro filme argentino que vi no cinema? É bem possível, mas não é por isso que ele está aqui. Aliás, não o achei assim tão memorável (exceção feita ao plano-sequência do estádio, claro; também não sou maluco). Mas lembro bem de quando o vi. Estava sozinho e era uma sessão bem tardia, quase de meia noite, bem do jeito que gosto. Desci a Augusta, comprei o bilhete, tomei um expresso num cafezinho bem agradável com quadros do Fellini e, quando já estava quase na hora, subi uma escada apertada até uma sala bem escura e pequenina. 

O filme não foi memorável, mas a sessão sim. Aquele lugar, àquela hora, estava cheio do mistério que o cinema às vezes tem. Há muita diversão à noite, muitos convites e possibilidades. Quem vai ao cinema à meia-noite renuncia. O público não se fala, mas sabe-se cúmplice e igual. Toda a gente ali era bicho de filme, uma mariposa hipnotizada por uma luz que brilha no escuro. É nesses momentos que o cinema nos dá a sua transcendência. Uma missa laica que se parece com os nossos sonhos.

El Secreto De Sus Ojos foi o primeiro filme que vi no Anexo do Itaú da Augusta, que acabou de fechar para dar lugar a um empreendimento imobiliário, provavelmente mais um prédio igual a todos os que têm pipocado por esta cidade, com muitas áreas comuns e muitos apartamentos de 35 a 45m². 

Depois dos 40 anos, já não tenho grandes pretensões em virar um magnata, mas, se virasse, sei o que faria: compraria empreendimentos imobiliários e transformá-los-ia em cinemas.

CINEMEMÓRIAS #1: Rain Man

Vila Praia de Âncora, 1989

— Não sei se vamos conseguir.
Eu e a minha mãe estávamos na varandinha da casa que alugamos naquele verão. O cineteatro dos bombeiros era alguns números mais à frente, e a fila para a bilheteria saía pela porta. Nunca vira isso nas poucas vezes que fora ao cinema.
— Vamos tentar. Queria muito ver o Rain Man, mas só tenho 8 anos. Não me vão deixar entrar sozinho.
Eu ainda não sabia do que a minha mãe falava: da pequena tragédia de uma sala vender todos os bilhetes e não conseguirmos entrar. Como assim, não conseguirmos entrar? No máximo, sentamo-nos no chão, não? 
A minha mãe sorriu.
— Vamos lá. 
Descemos a rua e enfrentamos a fila durante o que me pareceu horas (devem ter sido 30 minutos). Era lenta, mas andava.  
— Talvez nos safemos, disse a minha mãe.
O vidro da bilheteira estava cada vez mais próximo. Não havia mais sessões: era aquela ou esperar o filme passar na televisão. Para uma criança de 8 anos em Monção, ir ao clube de vídeo não era muito prático. Nem lembro se a minha pequena terra o tinha na época; se sim, também nada garantia que o filme estivesse lá.
A nossa vez finalmente chegou, e tudo parecia bem. "Ganhamos", pensei. Mas, antes que a minha mãe conseguisse pedir os bilhetes, o funcionário pendurou um letreiro no vidro: LOTAÇÃO ESGOTADA. 
Não era justo. Tanta gente lá dentro que certamente não queria ver o filme tanto quanto eu: por que eles podiam entrar e eu não? Naquela noite, eu criança aprendi algo sobre como o mundo funciona.
Anos depois, o filme passou na televisão e, desde então, vi-o muitas vezes.
Na última, já adulto, veio-me um pensamento: "será que eu vejo tantos filmes porque estou sempre tentando entrar no Rain Man?".
O certo é que nunca mais esqueci aquele maldito letreiro.

A minha lista dos melhores de 2022

Este ano, decidi fazer isto de forma um pouco diferente: o critério que escolhi foi «quais filmes e séries deste ano não me saem da cabeça e por quê?». Aviso que sou liberal em relação às datas: se eu vi este ano e estrearam em algum lugar este ano (mesmo que não em estreia mundial), entram.

15. COMPETENCIA OFICIAL e THE OFFER
O primeiro é uma comédia ácida sobre o processo de construção de um filme por dois atores egocêntricos e uma diretora caprichosa. O segundo é uma série que conta a história da produção de "The Godfather". 
À sua maneira, ambos mostram na perfeição as alegrias, tristezas e loucuras do trabalho no audiovisual.

14. SWAN SONG e BRIAN AND CHARLES
Duas comédias melancólicas sobre solidão. "Swan Song" é a celebração merecida do grandioso Udo Kier no papel de um cabeleireiro e ex "drag queen" idoso. A cena em que, de um banco de jardim, ele contempla um casal de homens passeando com os seus filhos e diz «eu não saberia mais como ser gay» é inesquecível. 
"Brian and Charles" é um "mockumentary" sobre um homem na Inglaterra rural que constrói um robô para o ajudar nas tarefas de casa e acaba por mudar a sua vida além do que esperava. Muito gervaisiano e muito bonito.

13. WHITE LOTUS, TEMPORADA 2
Coloco-a aqui principalmente por causa de Jennifer Coolidge. Ela já tinha relançado a carreira com a primeira temporada, mas os episódios deste ano mostraram o seu brilhantismo, até porque, pareceu-me, a sua personagem Tanya não estava tão bem escrita quanto em 2021. Coolidge poderia ter interpretado Tanya como simplesmente mais uma mulher rica e fútil, mas ela consegue transformar a futilidade e a apatia na ponta visível de um gigantesco iceberg emocional, uma dor que passeia pelo mundo com vestidos caros e maquiagem pesada num rosto que às vezes parece a máscara clássica da Comédia e, no minuto seguinte, a da Tragédia. Não consegui cansar-me de vê-la.

12. RESURRECTION e BLONDE
Dois filmes que falam de violência contra mulheres de formas pouco óbvias. "Resurrection" retrata uma relação de dominação e submissão de uma forma que nunca vi em cinema, principalmente porque livre do folclore do "bondage" e outras ideias feitas sobre BDSM. 
"Blonde", mais do que um "biopic", é uma leitura da figura de Marilyn Monroe a partir do seu corpo: um corpo do qual a verdadeira Marilyn nunca poderia dispor porque, no imaginário popular e no mundo real, ele existia para ser violado.

11. ORANGES SANGUINES
Uma mistura de "Relatos Selvagens" com "Happiness". Uma comédia tão ácida que só lhe falta espremer as suas personagens para o nosso bel-prazer. 

10. BARDO, FALSA CRÓNICA DE UNAS CUANTAS VERDADES
«Pretensioso» é uma crítica que se ouve muito por aí, por exemplo, quando um filme leva as suas aspirações artísticas muito longe. Eu não gosto dela, porque diz muito pouco. Exatamente a partir de que momento é que algo é pretensioso? De quem é a sensibilidade definitiva que diz se se foi longe demais ou não? "Bardo" poderia facilmente ser chamado de pretensioso. Porém, são muito raros os filmes que, sempre que um plano começa, deixam o espectador em pulgas para ver como vai acabar. Iñarritu rouba inspirações de Fellini aos Radiohead, e ainda bem que o fez: se este filme fosse uma praça, caberiam nele muito mais do que três culturas.

9. SEVERANCE
Uma temporada construída ao pormenor e com a precisão de um relógio até chegar a um episódio final que me fez sentir o coração bater dentro do peito. Ao ensinar sobre suspense na universidade, fale-se de Hitchcock, mas fale-se também de "Severance".

8. THE BANSHEES OF INISHERIN
Sou daqueles que acham que qualquer obra do Martin McDonagh deve ser celebrada. Esta, com pessoas a discutirem por insignificâncias e a recusarem conversar umas com as outras — tudo isso enquanto uma guerra está a acontecer — pareceu-me uma metáfora perfeita para uma época em que as formas de socializar e comunicar foram irremediavelmente afetadas pelos vícios das redes sociais.

7. THE SOUVENIR: PART II
Acho que é preciso ver esta segunda parte para entender bem o jogo de espelhos no díptico da diretora Joanna Hogg. Hogg faz um filme autobiográfico sobre uma diretora que faz um filme autobiográfico: um curta-metragem de fim de curso. Ora, este filme é uma adaptação do curta-metragem de fim de curso de Hogg, "Caprice", que foi protagonizado por Tilda Swinton, sua amiga há décadas. Na vida real, Swinton é mãe da atriz principal de "The Souvenir" e, por acaso, também interpreta a sua mãe ficcional (só que, no caso, esta seria a mãe de Hogg). Ou seja, mais do que um filme que expõe uma cronologia, Hogg trouxe a sua vida para dentro do seu cinema, ligando os dois inextricavelmente. 

6. YOU WON’T BE ALONE
É o melhor filme de terror que vi esse ano e, ao mesmo tempo, é uma pena dizer isso, porque vai afastar muita gente que rejeita o gênero. Esta história de uma moça que se torna bruxa contra a sua vontade fala sobre identidade de gênero, sororidade e crescimento de maneira muito sensível e bela. 

5. TRIANGLE OF SADNESS
Os filmes de Ruben Östlund não são apenas extremamente bem feitos: são também um desafio muito estimulante para o espectador. É divertido que um dos cineastas mais celebrados do cinema europeu atual seja também um dos seus maiores provocadores.

4. RIGET: EXODUS
Lars von Trier termina a sua série 25 anos depois do final suspenso da segunda temporada. Gosto muito dos projetos mais dinamarqueses do von Trier, porque parece-me que, sem a pressão dum público internacional, ele fica solto e mais disposto a arriscar. Se "Riget" sempre teve uma grande dose de autoironia, esta terceira temporada leva-a ao delírio. É absurda, inconstante, brincalhona, assustadora e o claro produto de um gênio que, na maturidade, parece tão inquieto e iconoclasta quanto sempre.

3. EVERYTHING EVERYWHERE ALL AT ONCE
Os Daniels são criadores audiovisuais inesperados e poderosos, capazes de nos fazerem rir enquanto olhamos para duas pedras e chorar com pessoas que têm dedos de salsicha. Com este filme, eles concorrem ao lugar de Fellini do nosso tempo, criando imagens que não só parecem sonhos como parecem querer ensinar-nos a sonhar.

2. SUNDOWN
Quem é este homem silencioso, este estrangeiro camusiano que parece perder-se da vida nas praias de Acapulco? Tim Roth é um portento neste filme que surpreende a cada volta. Levou-me a ver toda a obra de Michel Franco e tenho uma certeza: Haneke mexicano ou não, é dos melhores escritores de filmes da atualidade.

1. THE REHEARSAL
É normal que alguém se pergunte «quero contar esta história: qual o melhor formato e gênero para contá-la?». Normalmente, isso implica pensar em termos de comédia ou drama, filme ou série de televisão. Porém, para Nathan Fielder, "The Rehearsal" pareceu ter implicado algo assim: «para contar uma história sobre o meu encontro com a ideia de paternidade e a relevância das projeções de mim mesmo na amálgama de coisas que me fazem, o melhor é usar a própria materialidade do gênero do reality como instrumento narrativo».

O jogo com o simulacro já não existe, como em "Nathan For You", no sentido da subversão que revela o novo significado da verdade no mundo do ciclo noticioso de 24 horas e das mídias sociais. Aqui as simulações servem como ensaios de vida que acabam construindo uma viagem pessoal marcada pela autoperformatividade. E a subversão de Fielder é feita de outra forma. Primeiro, ele adota uma linguagem audiovisual popular — a do "reality" de confinamento — e resgata-a da ideia de concurso para se revelar a si mesmo enquanto personagem. Depois, ele prova que essa confusão entre realidade e ficção é o melhor caminho para contar a história da germinação da sua verdade pessoal. O "ensaio" é montado para externar uma ficção imaginada por Fielder para si mesmo e que, por isso mesmo, é tão ficção quanto realidade.

Enquanto contador de histórias, Fielder trabalha num nível narrativo diferente do normal e completamente inesperado neste contexto televisivo. É o nível em que reconhecemos o real na ficção (como naqueles momentos de um filme em que um ator não se contém e ri de uma piada) e a ficção no real (como a estrutura ficcional construída sobre o mundo por uma teoria da conspiração). Por isso, discutir se o que vemos em "The Rehearsal" é verdade ou mentira não é tão interessante quanto perceber que Fielder reconfigura os gêneros até nos fazer questionar, não só os seus limites, mas o que realmente ideias como "ficção", "realidade", "verdade" e "mentira" significam no audiovisual. É por isso que o coloco no topo da minha lista de 2022.

A rede dos desastres

Lembro-me de ter lido há anos que a Web é feita de nostalgia e imagens de gatos. Esses seriam os dois significantes principais dela, as duas coisas em que pensaríamos quando pensamos nela. Acho que o autor do texto não mencionava a pornografia, certamente porque não queria correr o risco de não ser levado a sério. Poderia também ter falado das teorias da conspiração, que andam por aqui desde os fóruns dedicados aos X-Files e ao "The Shining". 

Anos depois, as redes sociais da Web 2.0, que cresceram paralelamente à ascensão da direita autoritária pelo mundo, adicionaram à mistura a intolerância e o radicalismo. Não que eles já não andassem por aqui, mas talvez não fossem uma componente imprescindível de uma vivência on-line. Hoje, porém, qualquer pessoa se lembra da primeira vez que ensaiou uma palavra de indignação sobre Bolsonaro, ou Trump, ou Orban, ou André Ventura, e foi alvo de comentários indignados e raivosos de parentes ou conhecidos que, até então, considerava pessoas razoáveis. 

As redes sociais foram movimentadas por desastres. No 11 de Setembro de 2001, o dia em que nenhuma imagem na televisão parecia confiável, os blogueiros foram como radioamadores que descreviam com veracidade o que acontecia no Ground Zero. O Twitter foi o principal instrumento de comunicação, interna e externa, durante a Primavera Árabe. Depois que a evolução dos celulares permitiu que qualquer pessoa andasse com uma câmera viável no bolso, o Instagram e o Youtube tornaram-se canais privilegiados de denúncia de brutalidade policial. Até o Facebook tem uma ferramenta que nos permite dizer às nossas relações se estamos seguros de alguma calamidade que tenha acontecido na nossa área. 

O último desastre que movimentou as redes sociais aconteceu na noite da última quinta-feira, 17 de Novembro. Felizmente, ninguém morreu, mas várias pessoas perderam o trabalho depois de o novo dono do Twitter, Elon Musk, fazer um ultimato aos seus engenheiros após uma primeira onda de demissões: «preparem-se para serem trabalhadores "extremely hardcore" ou saiam». Tanta gente preferiu sair que a rede aparentemente ficou presa por fios. Por todo o mundo, os utilizadores tiveram medo de perderem seguidores e seguidos e foram atrás de alternativas. 

Como um martelo ou um telefone, as redes sociais são um produto tecnológico. O seu sucesso deriva da eficácia com quem conseguem facilitar ou substituir uma função da nossa vida. O Facebook, na sua raiz, procura ser um espaço para encontros de amigos. O Instagram é a versão on-line de "mostrar as fotos de viagem". O LinkedIn serve como currículo profissional e o Twitter é um "ao vivo" permanente, divulgando notícias e temas da atualidade em tempo real. 

O Twitter nunca teve o tamanho do gigante Facebook, mas o número de jornalistas, académicos e fazedores de opinião nele presentes fizeram dele um espaço mais incisivo. Aquilo que aparece no Twitter aparece nos jornais e na televisão. Por isso ele é tão importante para políticos, e por isso ele é um campo de batalha ideológico, onde qualquer opinião é amplificada, discutida e ressignificada frequentemente além da proporção que se intencionava. Se as redes sociais são praças públicas, o Twitter é a nossa ágora.

Até ao momento em que escrevo estas linhas, as trapalhadas de Elon Musk não derrubaram o Twitter. Se um utilizador mais distraído entrasse hoje na rede, acharia que nada tinha mudado. Mas os tuiteiros não são particularmente distraídos — e a hashtag #RIPTwitter continua alta para prová-lo. A noite de quinta-feira foi determinante para impor a dúvida sobre a capacidade do Twitter de continuar a informar, entreter e, no fundo, manter a sua importância no discurso público. O efeito foi mais grave do que o de um chilique do mercado que derruba a Bolsa após as declarações de um político: é como se o próprio contrato social que sustentava a rede tivesse sido quebrado.

Nos dias seguintes, vários artistas, jornalistas e influenciadores brasileiros jogaram pelo seguro e criaram contas no Koo, uma rede indiana que emula a de Musk. Levaram com eles milhares de seguidores. De um dia para o outro, o Brasil tornou-se o segundo país com mais utilizadores no Koo depois da Índia. Trocadilhos com o nome inundaram a Internet. 

Porém, nota-se também uma prudência: como alguns dias não chegam para reconstruir no Koo o número de seguidores que anos de Twitter juntaram, ninguém parece ter efetivamente trocado de rede, postando em simultâneo nas duas (o mesmo conteúdo ou não). A memória do Clubhouse, a rede social de áudio que foi febre em 2021 e abandonada pouco depois, ainda está presente na mente de muita gente.

De qualquer modo, o que esta "Grande Migração" está a mostrar é uma dispersão dos tuiteiros, que deixa a dúvida sobre qual será o próximo espaço privilegiado de discussão pública. Enquanto muitos abriram conta no Koo, vários simplesmente remeteram para as suas contas já existentes em outras redes, como o Facebook ou o Instagram. Outros ainda preferiram abrir conta no Mastodon, uma alternativa open-source menos ruidosa, comprometida contra o discurso de ódio e organizada em servidores moderados por pessoas físicas. 

O Mastodon foi a alternativa que eu escolhi (https://mastodon.social/@nande). Fi-lo ainda antes do 17 de Novembro, por várias razões. Nos meus quinze anos de redes sociais, aprendi como é fácil tornarmo-nos um produto vendido para anunciantes que nos disparam com publicidade a todos os momentos, e eu não estava com muita paciência para ser gado de outro algoritmo. Depois, alguns amigos abriram conta lá, criando um ambiente muito parecido com os meus primeiros tempos de Facebook, com poucas conexões, mas muito relevantes. Por fim, parece uma rede mais cordial e equilibrada, que não precisa da discórdia e do chauvinismo para sobreviver. Quando faço login no Mastodon, sinto uma sanidade que o Twitter teve que abandonar para se tornar grande e movimentado (como fica, de resto, demonstrado pela última jogada de Musk para responder à ameaça de abandono: a ressuscitação da conta de Donald Trump).

Por enquanto, entrar no Mastodon é como estar numa mesa de café com pessoas de temperamentos afins: essa é a função que ele ocupa tecnologicamente. Pelo seu design e pela sua comunidade reduzida, ele não serve (ainda?) para substituir o Twitter enquanto provedor de informação em tempo real. O Koo também não, concentrado que está na Índia e agora no Brasil. 

De qualquer forma, estas convulsões dão a sensação que os tempos de discórdia e tumulto social e político que alimentaram e foram alimentados pelas redes sociais da Web 2.0 podem estar a chegar ao fim. Porém, só saberemos em definitivo quais serão os novos protagonistas on-line quando vier o próximo grande desastre.

Os filmes de Kevin Smith

Depois de alguns meses, terminei hoje os longas do Kevin Smith pré Clerks III. Já conhecia metade, mas agora acabei por assistir tudo na ordem de estreia. Havendo uma palavra que caracteriza cada cineasta, se não na temática que aborda, pelo menos na forma como a sua obra é recepcionada pelo público, a de Kevin Smith é "simpatia". Os seus filmes são filmes de encontro e reencontro: de personagens, de lugares e, principalmente, de amigos. 

Ocasionalmente ele teve azar. Jersey Girl é um filme muito bonito sobre paternidade que só não foi um êxito por causa do fim da primeira encarnação da Bennifer. Zack and Miri Make a Porno, que ele fez para aproveitar a onda dos filmes de Judd Apatow, acabou como uma comédia demasiado "blue-collar" e independente para ter o sucesso que ele queria. 

Muito frequentemente ele também é mal-entendido. Chasing Amy é um "stoner movie" irónico, que discute e desconstrói o machismo da classe média branca dos "stoner movies" da viragem do século e, ao fazê-lo, cria uma das personagens femininas mais incríveis que se viu numa comédia. Dogma, que foi tão atacado por cristãos fundamentalistas, é apenas uma exegese da iconografia religiosa feita por uma mente que cresceu com a cultura popular do século XX. 

De qualquer forma, o mais bonito na obra de Kevin Smith é perceber como, ao longo do tempo, ele tanto constrói a sua vida no cinema quanto o cinema com a sua vida. Em Clerks, ele era um jovem que estourou o limite de vários cartões de crédito para fazer um filme independente com os amigos. Em Jay and Silent Bob Reboot, 25 anos depois, os amigos continuam, mas agora já trazem as esposas e os filhos. Ver estes filmes é como ir a um bar para encontrar gente engraçada com quem podemos falar bobagem, mas que também vai amadurecendo ao longo do tempo. São filmes que nos fazem sentir bem, e isso é tão raro. Bravo, Sr. Smith, e obrigado.