CINEMEMÓRIAS #1: Rain Man

Vila Praia de Âncora, 1989

— Não sei se vamos conseguir.
Eu e a minha mãe estávamos na varandinha da casa que alugamos naquele verão. O cineteatro dos bombeiros era alguns números mais à frente, e a fila para a bilheteria saía pela porta. Nunca vira isso nas poucas vezes que fora ao cinema.
— Vamos tentar. Queria muito ver o Rain Man, mas só tenho 8 anos. Não me vão deixar entrar sozinho.
Eu ainda não sabia do que a minha mãe falava: da pequena tragédia de uma sala vender todos os bilhetes e não conseguirmos entrar. Como assim, não conseguirmos entrar? No máximo, sentamo-nos no chão, não? 
A minha mãe sorriu.
— Vamos lá. 
Descemos a rua e enfrentamos a fila durante o que me pareceu horas (devem ter sido 30 minutos). Era lenta, mas andava.  
— Talvez nos safemos, disse a minha mãe.
O vidro da bilheteira estava cada vez mais próximo. Não havia mais sessões: era aquela ou esperar o filme passar na televisão. Para uma criança de 8 anos em Monção, ir ao clube de vídeo não era muito prático. Nem lembro se a minha pequena terra o tinha na época; se sim, também nada garantia que o filme estivesse lá.
A nossa vez finalmente chegou, e tudo parecia bem. "Ganhamos", pensei. Mas, antes que a minha mãe conseguisse pedir os bilhetes, o funcionário pendurou um letreiro no vidro: LOTAÇÃO ESGOTADA. 
Não era justo. Tanta gente lá dentro que certamente não queria ver o filme tanto quanto eu: por que eles podiam entrar e eu não? Naquela noite, eu criança aprendi algo sobre como o mundo funciona.
Anos depois, o filme passou na televisão e, desde então, vi-o muitas vezes.
Na última, já adulto, veio-me um pensamento: "será que eu vejo tantos filmes porque estou sempre tentando entrar no Rain Man?".
O certo é que nunca mais esqueci aquele maldito letreiro.