SUBMARINE (2010)

Conhecia Richard Ayoade como ator e comediante e não sabia que ele também realizador. Aqui, eu diria que ele até é mais do que isso: é o criador refinado de duas das melhores e mais complexas personagens adolescentes do cinema recente.

BLACK EARTH RISING (2018)

Eu já tinha visto o primeiro episódio desta série antes e ela não me agarrou, talvez porque me faltava um anzol que me prendesse mais seguro. Nesta segunda tentativa, esse anzol, claro, foi Michaela Coel, e ainda bem que assim aconteceu, porque bastou só um pouquinho de atenção a mais para confirmar que o autor Hugo Blick é hoje o grande criador de narrativas que mostram a interdependência entre o pessoal e o geopolítico no mundo globalizado.

I MAY DESTROY YOU (2020)

Saber que Michaela Coel sofreu o abuso aqui abordado enquanto escrevia a 2ª segunda temporada de "Chewing Gum" deixa um travo amargo. "I May Destroy You" impressiona, não só pela honestidade bruta com que aborda o tema, mas também pela forma (assumida) como, de história sobre consentimento, se transforma em história sobre o próprio ato de contar uma história, em tudo o que este tem a ver com a memória e a reconfiguração do tempo segundo a perspetiva humana. O seu episódio final é uma obra-prima.

EAT MY SHIT (2015) e PIELES (2017)

A curta-metragem "Eat My Shit" é uma mistura ultrajante de "body horror" com comédia ácida, "Pieles" é como se Douglas Sirk tivesse concebido um projeto de homenagem ao "Freaks" de Tod Browning que Almodóvar concluiu no século XXI, e eu espero muito filmes novos do realizador Eduardo Casanova.

FEMALE TROUBLE (1974)

Divine já era tão importante para a obra de John Waters e uma figura tão culturalmente marcante que o realizador fez-lhe a história de origem que ela merecia: absurda, e divertidíssima.

THE PINK PANTHER (1963)

Quando era miúdo, odiava os filmes da série "The Pink Panther", porque não conseguia acreditar que só tinham o desenho da pantera no início e depois se transformavam numa comédia policial que não interessava ninguém. Hoje, já penso diferente. Vê-se a Claudia Cardinale numa coprodução internacional gigante lançada no mesmo ano de "8½", vê-se o Peter Sellers a esbanjar brilhantismo e vê-se o Blake Edwards a dinamitar a estrutura teatral do policial clássico ("um hotel, cada pessoa no seu quarto, será que se vai descobrir quem é o criminoso?") com um ato final absolutamente delirante.

FORBRYDELSER (2004)

A estagnação do Dogma 95 não foi tão formal quanto foi temática. Os filmes do séc. XXI do movimento perdem a malícia agitadora de "Idioterne" e "Festen" (1998) e a "malaise" profunda de "Julien Donkey Boy" (1999). Parafraseando o manifesto do movimento, o cinema antiburguês tornou-se burguês ao preferir o melodrama amoroso ("Elsker dig for evigt", 2002) ou o neorrealismo ligeiro deste "Forbrydelser".

VARIAÇÕES (2019)

No ano passado, vi algumas polémicas na minha timeline do Facebook sobre este filme. Não entendo porquê. É um "biopic" musical bem escrito, bem realizado, bem interpretado. Ficaria bem na cinematografia de qualquer país. Porque não na de Portugal?

SALEM'S LOT (1979)

As histórias de Stephen King têm uma coisa bem "pé no chão", com o terror a aparecer num cenário realista e povoado pelas vontades e desejos das suas personagens. Nos livros, funciona muito bem, mas, como Kubrick bem sabia, é uma armadilha para as adaptações para audiovisual. Se se força a mão para um lado ou para o outro, acaba-se com uma obra incoerente e que não convence. Tobe Hooper não deixou que isso acontecesse nesta minissérie de culto e ainda teve a astúcia de citar Murnau e Hitchock, mas sempre sobra uma sensação de que, em audiovisual, o King bom é o King traído.

BORAT (2006)

Não me perguntem porquê, mas a primeira vez que vi "Borat" foi em Lisboa, numa projeção para comediantes e VIPs numa pequena sala da Castello Lopes. Eu não era comediante nem VIP, mas consegui um convite para ver essa pequena maravilha que insultou pessoas da América à Ásia Central. Nunca o tinha revisto além de umas cenas isoladas, mas hoje apeteceu-me uma comédia boa para soltar umas gargalhadas, e não estou a gostar muito das que me têm aparecido. Se tiverem sugestões, aceito!

TROLL 2 (1990) e BEST WORST MOVIE (2009)

No texto anterior, falei do Cinema enquanto encontro, e é precisamente isso que nos aparece aqui. "Troll 2" tem uma nota historicamente baixa no IMDB e isso resgatou-o da lata de lixo da História, onde estava junto com as tranqueiras que enchiam os catálogos de locadoras de vídeo, levando-o ao estatuto de culto. Como disse um crítico, o filme é mais estranho do que ruim. Nele não vemos um grupo unido de gente desajustada e divertida, como nos filmes de John Waters, nem somos constantemente assaltados pelo pensamento "como é possível que este somatório de sem-sentido exista e que eu o esteja a ver?", como em "The Room" (2003). "Troll 2" é um filme com atores muito desconfortáveis que interpretam cenas bizarras e dizem falas bem artificiais, mas ele tem uma história. É esse somatório de convenção com estranheza e ultraje que o levou a criar um público cativo, que o visita enquanto evento e que torna o documentário muito interessante enquanto documento de cinefilia. Acho que o essencial é: um filme verdadeiramente mau é o que não tem coerência estética, e "Troll 2" não sofre disso.

DIVINE TRASH (1998) e I AM DIVINE (2013)

O primeiro documentário conta como foi o início da carreira de John  Waters, com foco especial em "Pink Flamingos" (1972) e inclui imagens de "making of" inéditas até então. O segundo fala sobre a vida e carreira de Divine, incluindo o detalhe tristíssimo de ter morrido na véspera do trabalho que o levaria definitivamente para o mundo do entretenimento "mainstream". Estão disponíveis no Youtube, são uma delícia e mostram como a obra de John Waters funciona por convocar, não só o deboche (da moral, dos costumes, do Cinema, de si própria), mas também o encontro tanto de quem faz como de quem assiste.

CHEWING GUM (2015)

A primeira série de Michaela Coel não tem o "pathos" de "I May Destroy You" (2020), mas é das sitcoms mais engraçadas que vi nos últimos tempos. É inspirada na sua juventude num bairro de habitação social em Londres, e a ideia de comunidade — aqueles que nos rodeiam, quer queiramos quer não, para o melhor e para o pior — domina a história desta miúda evangélica que só quer amor e perder a virgindade. Divertidíssima.

VILLAGE OF THE DAMNED (1960)

Não sei se será por causa deste ano estranho, mas estou com pouquíssima paciência para coisas longas. Se, em 77 minutos, consigo ver um clássico da ficção científica com ecos metafóricos do nazismo e da Guerra Fria, tanto melhor!

THE PUTIN INTERVIEWS (2017)

Só quando vi que apareceram legendadas no canal do Nocaute no Youtube é que percebi que ainda não as tinha visto. Três anos depois, o mundo já parece um pouquinho diferente, mas Putin continua no poder, e parece que lá ficará por muito mais tempo. Enquanto entrevistador, Oliver Stone não entra em confronto, mas também não faz grandes deferências, principalmente no último episódio, gravado em pleno burburinho de "interferência russa é que elegeu Trump". Já vi por aí quem usasse este documentário para basear tanto a celebração gloriosa quanto a condenação irredimível de Putin e/ou de Stone. Porém, acho que a lição que fica no final é outra, mais profunda, não particularmente original: a política faz-se de narrativas, e Putin recusa que só valham as dos outros. É um alerta válido para qualquer pessoa que se pense enquanto cidadão participante de sociedades políticas. Um documento importantíssimo para entender um dos mais obscuros e importantes líderes mundiais do século XXI.

THE GREAT DEBATERS (2007)

O segundo filme realizado por Denzel Washington ainda não teve a grandeza de "Fences" (2016) e caiu em alguns clichês, mas já o confirma como cineasta elegante e totalmente concentrado nos seus atores, que aproveita a história sobre uma equipe negra de debates universitários para encenar monólogos fortes e emocionantes. Bom para aqueles dias em que nos apetece ver nada mais do que uma história inspiradora com final feliz.

ER IST WIEDER DA (2015)

Se Hitler voltasse dos mortos hoje, o que ele seria? Uma piada? Um fracasso? Ou nenhum dos anteriores? Este filme, que mistura ficção e "mockumentary" à "Borat" já tem 5 anos, mas parece cada vez mais atual. Começa como sátira da cultura televisiva e do ambiente político da Europa e acaba como prenúncio dos fantasmas macabros que, ao que parece, nos voltam a atormentar na viragem para a terceira década do século XXI. Não consigo dizer se ele é mais engraçado ou tenebroso.

MID90S e EIGHTH GRADE (2018)

Em 2018, a produtora A24 lançou estes dois filmes sobre adolescentes escritos e realizados por comediantes ("Mid90s" é do Jonah Hill e "Eighth Grade" do Bo Burnham). Nenhum deles é uma comédia e eles são bem diferentes entre si. 

"Mid90s" é assumidamente inspirado em "Kids" (Harmony Korine até faz um "cameo"), filmado em 16mm e conta a história de um menino que descobre o skate para se refugiar da sua família disfuncional. 

Já "Eighth Grade" segue uma menina perdida num mundo de redes sociais e youtubers, popularidade, ansiedade e exigência. 

"Mid90s" é enternecedor, melancólico e representa na perfeição toda a "angst" adolescente dos anos 90. "Eighth Grade" é engraçado, angustiante e prodigioso por nunca desviar a sua atenção da protagonista e da sua aprendizagem dos rituais da idade adulta. 

Ambos são ótimos.

O gigante e o anão

Bolsonaro realmente confundiu um anão com uma criança em Sergipe?

Talvez sim, talvez não. Porém, o vídeo que viralizou hoje mostra um lado de Bolsonaro que me parece muito pouco considerado na análise política e que, ao mesmo tempo, é importantíssimo para a sua popularidade. Considerar seriamente Bolsonaro implica reconhecer que, sim, ele é engraçado.

Ele é o presidente que levanta anões, que é bicado por emas enquanto doente de Covid-19 e depois lhes oferece cloroquina, que, lendo um autógrafo de Sergio Moro, exclama "Lula livre?!" para debochar do ministro.

Este é um pilar fundamental da construção da sua imagem pública: fazer dele um "tio de churrasco", uma figura jocosa, mas com quem qualquer brasileiro tem familiaridade. Como impor a culpa pela destruição da Amazônia ou pelas mortes do Covid-19 a alguém que nos faz rir?

Talvez isto faça parte de um fenómeno maior: o pessoal critica Bolsonaro por ser baixo clero e menospreza o seu populismo, mas não entende que populismo implica a construção do apelo popular. Bolsonaro não tem uma ideia de país, não tem nem um pingo de estadista no sangue e o seu grande objetivo é, como sempre parece ter sido, ocupar um cargo público para usufruir os benefícios inerentes. Mas não se confunda o governante inane com o candidato ativo. Como em 2016, ele já está em campanha, reavivando uma onda. 

Entretanto, o Brasil definha e recusa ver que a culpa do definhamento é da mesma pessoa que o faz rir. É assim que, todos os dias, um país com tudo para ser gigante se reduz à pequenez do seu presidente.

LOCKE (2013)

A personagem principal (o absolutamente magistral Tom Hardy, ator que só falhou nos seus papéis quando foi bom demais) é um homem que, um dia, cometeu um erro e que passa uma viagem de carro de 1h30 a fazer telefonemas para impedir que a sua vida caia em derrocada por completo. Há algumas coisas em filmes que imediatamente me despertam o interesse, e a proximidade ao teatro é uma delas. Adoro coincidências com o tempo diegético, poucas personagens e muitos monólogos, como em "Timecode" (2000), "Den skyldige" (2018) ou "Buried" (2010), e não escondo que aqui também me fascinou muito o processo; durante 6 noites, Tom Hardy interpretava o texto duas vezes na estrada enquanto os atores secundários (Olivia Colman, Andrew Scott, Tom Holland) lhe ligavam em tempo real. Ou seja, o filme foi filmado 12 vezes, o que talvez explique porque, sem sair da autoestrada, ele seja tão bonito. Muito, muito bom.