Nick Cave
Isto não foi um show de música. Isto foi uma liturgia. Cada canção era uma peça de teatro sobre duas personagens, o Bem e o Mal, e com dois atores: nós e ele.
Os tempos andam estranhos. A alegria do deserto, por um lado, o de casa, o do coração. Do outro, o trópico em transe e em sangue que lentamente se vai esboroando. A mentira, cobra que escorrega por um chão sujo e coberto de mentiras. Avança, avança, e de onde aparece esta gente que quer que a cobra morda o mundo? A azia é grande, mas não vale a pena trocar o suco por cianeto. E, entretanto, outra multidão avança, com a cabeça erguida sem medo e o som do futuro nos passos. É como se todos fôssemos Dâmocles.
Um travelling é uma questão de moral.*
Vejam em Kapò o plano em que [Emanuelle] Riva se suicida, atirando-se sobre o arame farpado electrificado: o homem que decide fazer, nesse momento, um travelling para reenquadrar o cadáver em contra-picado, tendo o cuidado de colocar a mão erguida num ângulo preciso do enquadramento final, esse homem só tem direito ao mais profundo dos desprezos.*
[O travelling] quer ser belo, [mas] não é - ou, mais claramente, ele é belo, mas não é correto.*
Serei eu o único a nunca o ter esquecido, apesar de nunca o ter visto? É que eu nunca vi Kapò mas, ao mesmo tempo vi-o. Vi-o porque alguém - através das palavras - mo mostrou.