2010

Fui às compras para o fim-de-ano e não consegui deixar de pensar, ao ver os congelados com ar triste dentro da arca, nos lombos rubros do camarão-tigre que comi por uma ninharia no Clube Naval de Maputo há uns anos. Sou sincero, nesse momento pensei "nunca comi coisa igual". Também nunca tinha sentido na pele a coisa estranha que senti quando disse que não achava o Acordo Ortográfico maningue nice e um escritor moçambicano me respondeu que os portugueses gostam de se sentir donos da língua. Acordo Ortográfico que, por acaso, é tema de capa no Público de hoje e lá se diz que Moçambique não está a achar a cena maningue nice também, tanto que ainda não o ratificou. Quem o curte tótil é o Brasil, e o meu ano que vem vai passar muito por esse país. Por isso, bom 2010.

Jorge Vaz Nande

Nasci no Minho, moro pelo Minhocão.
Ganho a vida escrevendo.
Gosto de histórias, de palavras e de imagens.
@ nas redes (quase) todas: jvnande.

mensagem

Sempre que o fazes pões-te em causa. Não há como não acontecer. Se corre bem, vais conseguir fazê-lo para sempre. Serás adorado por isso, vão pedir-te que repitas uma e outra vez. Se correr mal, não vais saber repentinamente onde estás ou quem és. Vais pensar que vais sempre falhar e que não estás no caminho certo. Vais achar que precisas de reformular a vida toda, que algures pelo caminho baralhaste as prioridades e agora, quê?, agora não tens mais a fazer do que seguir em frente, aproveitar o balanço da onda e esperar que não pare de repente, que te continue a levar por terras que não conheces sem que tenhas de dar aos pés. E, de repente, um dia, pam!, caíste e vais ter de descobrir o melhor lugar para dar o primeiro passo, para te voltares a erguer, para olhares o céu, contar as estrelas e aprender tudo outra vez. É mesmo assim, alguém te vai dizer. E é mesmo.

Simiolitude

Precisamente no dia em que A Origem das Espécies fez 150 anos, no eléctrico vi ser lido um paper de título Genes e Ambiente: Um Modelo Evolutivo da Linguagem. E o mais extraordinário é que quem lia era um macaco.

Diz-me onde entroncas

Mais do que pelos legumes gigantes e avistamentos de ovnis, o Entroncamento fascina pelo nome. Não tem qualidade orográfica como Monsanto, religiosa como São Bento da Porta Aberta, política como Vila Real. Não tem nada a ver coma História dos Comportamentos, como Odivelas (onde o rei ia às putas - "ir de vê-las") ou Freixo de Espada à Cinta (terra do famoso esgrimista José Freixo). O Entroncamento tem nome por cruzar ferrovias. Podia chamar-se Ramal, Carril ou Pouso de Pica-Bilhetes. Só me lembro de um caso semelhante, um lugar pouco antes da estação de Ermesinde que se chama Travagem - e juro que não estou a inventar. Era giro que houvesse mais destas coisas por aí. Sítios com grande circulação automóvel podiam chamar-se Engarrafamento. Por esse país fora, espalhar-se-iam as vilas chamadas Rotunda. Poderíamos ter uma Lomba mesmo antes de um Semáforo. E porque não passarmos dos transportes para os afectos? Se em Alfama há um Largo das Pichas Murchas, o que impede que haja uma Praça do Desgosto? Uma Avenida do Matrimónio? Um Beco da Má Queca? Talvez isso ajudasse as gentes do Entroncamento a sacudir a sensação de que a terra deles é só o que nasceu à volta da linha de comboio. Afinal, à volta de qualquer coisa se fez tudo. Este texto também é só o que apareceu à volta duma conhecida crónica de um conhecido escritor. Daí o seu nome.