Uma mulher que vende o exclusivo do seu implante mamário a uma revista NÃO ESTÁ "a envelhecer bem"

Há pouco, no Chiado, vinha do jantar de aniversário da Susana e cruzei-me com um actor nocturno enquanto ia para o metro. O monólogo dele consistia em "A minha mãe dizia para eu mijar no penico. Eu perguntava 'qual penico?' e ela dizia 'o que tens debaixo da cama'." Quero acreditar que esta história tem algum significado profundo, como "debaixo de cada cama há o penico que a mãe deixou", mas, antes de aí chegar, quero lembrar aquele homem que, há dez anos, ainda eu andava de expresso no sobe-e-desce de Coimbra-Monção, vi na estação do Porto a mijar para um canto (com a casa de banho a 3 metros), a andar desorientado, a entrar no primeiro autocarro que viu e a cair no primeiro lugar que encontrou. Adormeceu profundamente, a respiração a fazer-lhe subir e descer a generosa farripa de cabelo que lhe caía sobre a testa. Então o autocarro arrancou e eu pensei, algo aflito, "aquele homem não vai ter bilhete! Vão acordá-lo, ele ainda vai estar bêbedo, não vai ter bilhete, vão expulsá-lo e ele vai morrer enregelado e bêbedo!". Não soube de mais nada, mas o que lhe aconteceu nunca vai ser tão interessante como o que lhe podia ter acontecido. E isto é tudo o que se pode dizer sobre a Maya.

A rima

Foi há umas semanas. Eu, a Ana, a Francisca e o António voltávamos para os carros depois do pequeno-almoço de Domingo em Campo de Ourique. Eles iam voltar para Coimbra, nós íamos voltar para a Estefânea. A Marilyne e a Diana ficaram-se pela Estrela, mas não é disso que quero falar. Eu quero falar de: ao voltarmos para os carros, vimos um homem estático à frente do Pingo Doce, olhando para um cão que estava amarrado a um poste pela trela. Este, gozado e sem lhe conseguir chegar com o focinho para arrancar uma boa dentada, rosnava-lhe naquele tom irritantemente almodovariano (i.e., desesperadamente à beira de um ataque de nervos) que só alguns cães conseguem fazer. O homem estava todo vestido de preto e depois disseram-nos que era "sacerdote". Pois bem, há dias, quando subia dos Anjos para a Estefânea, vi um homem ladrar. Não estou a mentir: um ser humano, na rua, ladrava a plenos pulmões como se fosse a sua primeira língua. Não tinha o rigor de vestuário do outro e não sei se havia um cão estático à frente dele. É possível que o homem estivesse amarrado a um poste por uma trela, até que essa fosse a sua forma particular de rezar. É possível. Neste mundo não se sabe nada e a noite, as vezes, é escura demais.

Ontem, hoje e amanhã

As horas estão a acabar a ouvir Gotta Serve Somebody do Dylan e a descobrir que o Lennon escreveu Serve Yourself em resposta. Sobre a mesa, tenho três livros de teatro, um copo e uma tigela, cada uma com a sua colher, muito papel e o dvd do filme do Paulo Vicente, que ele fez o favor de mo enviar. Ao meu lado, pendurado por dois pionaises no fundo do quadro de cortiça, está o poster do Taking Woodstock. Não sei muito bem porque o tenho, para além de ter sido grátis. Na outra parede, já fora do escritório, está a fotografia autografada do Bogosian. Disseram-me há semanas que eu lembrava ele, é mentira, eu gostei. Depois do McKee, achei que a minha vida precisava de um hambúrguer. Fui ao McDonald's de Roma, que por acaso fica ao lado do Londres, apanhei molha, mas comi o hambúrguer. O mobiliário está mudado, ninguém ao meu lado pediu o McRoyal Deluxe e ainda tenho de cortar as unhas contra o tempo. Amanhã vai chegar e quero unhas cortadas para não o magoar sem querer. Gotta serve somebody: serve yourself.

Conversa de Anas

Estou tão cansado que pondero cometer o acto vergonhoso de me deitar à meia-noite, mas antes quero partilhar o diálogo que clandestinamente cresceu na minha folha de papel durante a oficina de escrita de canções do mestre Gimba:
Aná-Fora e Ana Diplose encontram-se.

ANÁ-FORA
Ana quem?
Ana sou eu!

ANA DIPLOSE
Eu é que sou a Ana,
Ana, e mais ninguém.
Eu disse que estava cansado. Saudações.

O hipopótamo e a avestruz

Foi há dias, na hora do almoço, que a Popota apareceu a cantar Buraka. Na conversa que se seguiu, defendendo o grupo contra algo que já não interessa, disse que o kuduro, o funk carioca e o dancehall jamaicano não são assim tão diferentes, o que faz pensar que, muito provavelmente, quando se está "em vias de desenvolvimento" o desenvolvimento se faz pelo cu do povo, que, portanto, o tem de abanar sob risco de atrofia. Seja como for, a verdade é que, se este ano a Popota descobriu as ancas, a Leopoldina descobriu as mamas, o que não deixa de ser deprimente: a hipopótama pôs-se a dançar, mas a avestruz pôs silicone. Triste, muito triste.