O segundo filme realizado por Denzel Washington ainda não teve a grandeza de "Fences" (2016) e caiu em alguns clichês, mas já o confirma como cineasta elegante e totalmente concentrado nos seus atores, que aproveita a história sobre uma equipe negra de debates universitários para encenar monólogos fortes e emocionantes. Bom para aqueles dias em que nos apetece ver nada mais do que uma história inspiradora com final feliz.
Se Hitler voltasse dos mortos hoje, o que ele seria? Uma piada? Um fracasso? Ou nenhum dos anteriores? Este filme, que mistura ficção e "mockumentary" à "Borat" já tem 5 anos, mas parece cada vez mais atual. Começa como sátira da cultura televisiva e do ambiente político da Europa e acaba como prenúncio dos fantasmas macabros que, ao que parece, nos voltam a atormentar na viragem para a terceira década do século XXI. Não consigo dizer se ele é mais engraçado ou tenebroso.
Em 2018, a produtora A24 lançou estes dois filmes sobre adolescentes escritos e realizados por comediantes ("Mid90s" é do Jonah Hill e "Eighth Grade" do Bo Burnham). Nenhum deles é uma comédia e eles são bem diferentes entre si.
"Mid90s" é assumidamente inspirado em "Kids" (Harmony Korine até faz um "cameo"), filmado em 16mm e conta a história de um menino que descobre o skate para se refugiar da sua família disfuncional.
Já "Eighth Grade" segue uma menina perdida num mundo de redes sociais e youtubers, popularidade, ansiedade e exigência.
"Mid90s" é enternecedor, melancólico e representa na perfeição toda a "angst" adolescente dos anos 90. "Eighth Grade" é engraçado, angustiante e prodigioso por nunca desviar a sua atenção da protagonista e da sua aprendizagem dos rituais da idade adulta.
Ambos são ótimos.
Talvez sim, talvez não. Porém, o vídeo que viralizou hoje mostra um lado de Bolsonaro que me parece muito pouco considerado na análise política e que, ao mesmo tempo, é importantíssimo para a sua popularidade. Considerar seriamente Bolsonaro implica reconhecer que, sim, ele é engraçado.
Este é um pilar fundamental da construção da sua imagem pública: fazer dele um "tio de churrasco", uma figura jocosa, mas com quem qualquer brasileiro tem familiaridade. Como impor a culpa pela destruição da Amazônia ou pelas mortes do Covid-19 a alguém que nos faz rir?
Talvez isto faça parte de um fenómeno maior: o pessoal critica Bolsonaro por ser baixo clero e menospreza o seu populismo, mas não entende que populismo implica a construção do apelo popular. Bolsonaro não tem uma ideia de país, não tem nem um pingo de estadista no sangue e o seu grande objetivo é, como sempre parece ter sido, ocupar um cargo público para usufruir os benefícios inerentes. Mas não se confunda o governante inane com o candidato ativo. Como em 2016, ele já está em campanha, reavivando uma onda.
Entretanto, o Brasil definha e recusa ver que a culpa do definhamento é da mesma pessoa que o faz rir. É assim que, todos os dias, um país com tudo para ser gigante se reduz à pequenez do seu presidente.
A personagem principal (o absolutamente magistral Tom Hardy, ator que só falhou nos seus papéis quando foi bom demais) é um homem que, um dia, cometeu um erro e que passa uma viagem de carro de 1h30 a fazer telefonemas para impedir que a sua vida caia em derrocada por completo. Há algumas coisas em filmes que imediatamente me despertam o interesse, e a proximidade ao teatro é uma delas. Adoro coincidências com o tempo diegético, poucas personagens e muitos monólogos, como em "Timecode" (2000), "Den skyldige" (2018) ou "Buried" (2010), e não escondo que aqui também me fascinou muito o processo; durante 6 noites, Tom Hardy interpretava o texto duas vezes na estrada enquanto os atores secundários (Olivia Colman, Andrew Scott, Tom Holland) lhe ligavam em tempo real. Ou seja, o filme foi filmado 12 vezes, o que talvez explique porque, sem sair da autoestrada, ele seja tão bonito. Muito, muito bom.
Apesar da mensagem pacifista e do apelo à responsabilidade humana para não repetir as atrocidades do passado, a forma como mostra o cientista inglês a responsabilizar-se por liderar uma civilização "primitiva" no futuro, alumiando-a com a tocha do progresso, é bem um reflexo direto do colonialismo com inspiração positivista dos séculos passados. Além disso, fica-me a dúvida: se a máquina do tempo atravessa o tempo sem se movimentar, não seria de considerar que as pessoas à volta do cientista (que ele vê moverem-se muito depressa, como num "time-lapse") o veem, mas muito lentamente, como se fosse uma estátua?
Um ano depois de "9½ Weeks", não seria de esperar um filme com Mickey Rourke que não tivesse uma cena de sexo. "Angel Heart" tem, e é memorável, mas o que impressiona é lembrar como Rourke era um ator delicado, com gestos e expressões quase pueris que dão à sua personagem uma vulnerabilidade marcante. De resto, confesso que o neo-noir não é o meu género preferido, principalmente quando a novidade que poderia trazer — no caso, o subtexto do satanismo — não parece concretizada por completo.
Os dois filmes de John Waters que foram adaptados para musicais abordam a cultura teen dos anos 50-60 bem ao jeitinho dele, com muito absurdo, alegria e iconoclastia, mas há uma diferença importante: enquanto "Cry-baby" vai abraçando a loucura devagarinho até uma grande apoteose final, "Hairspray" evita essa vertigem, talvez por tratar o tema bem sério da terrível segregação que se instalou em Baltimore, logo ali tão perto de Washington. .
Enquanto John Adams estava no Congresso Continental a tentar aprovar a Declaração de Independência, a sua esposa Abigail decidiu que ela e os filhos iriam vacinar-se contra a varíola. Naquele tempo, isso significava que o médico fazia um corte no braço da pessoa e, com um osso, inseria na ferida pus retirado das pústulas de um doente. Esperava-se que a pessoa vacinada tivesse, durante uns dias, uma variação ligeira da doença, que às vezes não era tão ligeira e podia levar à morte. Boa lição para estes nossos tempos de gente mimada.
(e também: sim, eu li Howard Zinn e entendo bem toda a hipocrisia nesta aventura de homens brancos protestantes; ao mesmo tempo, que rebeldia delirante e que projeto incrível que foram os EUA)