THE PUTIN INTERVIEWS (2017)

Só quando vi que apareceram legendadas no canal do Nocaute no Youtube é que percebi que ainda não as tinha visto. Três anos depois, o mundo já parece um pouquinho diferente, mas Putin continua no poder, e parece que lá ficará por muito mais tempo. Enquanto entrevistador, Oliver Stone não entra em confronto, mas também não faz grandes deferências, principalmente no último episódio, gravado em pleno burburinho de "interferência russa é que elegeu Trump". Já vi por aí quem usasse este documentário para basear tanto a celebração gloriosa quanto a condenação irredimível de Putin e/ou de Stone. Porém, acho que a lição que fica no final é outra, mais profunda, não particularmente original: a política faz-se de narrativas, e Putin recusa que só valham as dos outros. É um alerta válido para qualquer pessoa que se pense enquanto cidadão participante de sociedades políticas. Um documento importantíssimo para entender um dos mais obscuros e importantes líderes mundiais do século XXI.

THE GREAT DEBATERS (2007)

O segundo filme realizado por Denzel Washington ainda não teve a grandeza de "Fences" (2016) e caiu em alguns clichês, mas já o confirma como cineasta elegante e totalmente concentrado nos seus atores, que aproveita a história sobre uma equipe negra de debates universitários para encenar monólogos fortes e emocionantes. Bom para aqueles dias em que nos apetece ver nada mais do que uma história inspiradora com final feliz.

ER IST WIEDER DA (2015)

Se Hitler voltasse dos mortos hoje, o que ele seria? Uma piada? Um fracasso? Ou nenhum dos anteriores? Este filme, que mistura ficção e "mockumentary" à "Borat" já tem 5 anos, mas parece cada vez mais atual. Começa como sátira da cultura televisiva e do ambiente político da Europa e acaba como prenúncio dos fantasmas macabros que, ao que parece, nos voltam a atormentar na viragem para a terceira década do século XXI. Não consigo dizer se ele é mais engraçado ou tenebroso.

MID90S e EIGHTH GRADE (2018)

Em 2018, a produtora A24 lançou estes dois filmes sobre adolescentes escritos e realizados por comediantes ("Mid90s" é do Jonah Hill e "Eighth Grade" do Bo Burnham). Nenhum deles é uma comédia e eles são bem diferentes entre si. 

"Mid90s" é assumidamente inspirado em "Kids" (Harmony Korine até faz um "cameo"), filmado em 16mm e conta a história de um menino que descobre o skate para se refugiar da sua família disfuncional. 

Já "Eighth Grade" segue uma menina perdida num mundo de redes sociais e youtubers, popularidade, ansiedade e exigência. 

"Mid90s" é enternecedor, melancólico e representa na perfeição toda a "angst" adolescente dos anos 90. "Eighth Grade" é engraçado, angustiante e prodigioso por nunca desviar a sua atenção da protagonista e da sua aprendizagem dos rituais da idade adulta. 

Ambos são ótimos.

O gigante e o anão

Bolsonaro realmente confundiu um anão com uma criança em Sergipe?

Talvez sim, talvez não. Porém, o vídeo que viralizou hoje mostra um lado de Bolsonaro que me parece muito pouco considerado na análise política e que, ao mesmo tempo, é importantíssimo para a sua popularidade. Considerar seriamente Bolsonaro implica reconhecer que, sim, ele é engraçado.

Ele é o presidente que levanta anões, que é bicado por emas enquanto doente de Covid-19 e depois lhes oferece cloroquina, que, lendo um autógrafo de Sergio Moro, exclama "Lula livre?!" para debochar do ministro.

Este é um pilar fundamental da construção da sua imagem pública: fazer dele um "tio de churrasco", uma figura jocosa, mas com quem qualquer brasileiro tem familiaridade. Como impor a culpa pela destruição da Amazônia ou pelas mortes do Covid-19 a alguém que nos faz rir?

Talvez isto faça parte de um fenómeno maior: o pessoal critica Bolsonaro por ser baixo clero e menospreza o seu populismo, mas não entende que populismo implica a construção do apelo popular. Bolsonaro não tem uma ideia de país, não tem nem um pingo de estadista no sangue e o seu grande objetivo é, como sempre parece ter sido, ocupar um cargo público para usufruir os benefícios inerentes. Mas não se confunda o governante inane com o candidato ativo. Como em 2016, ele já está em campanha, reavivando uma onda. 

Entretanto, o Brasil definha e recusa ver que a culpa do definhamento é da mesma pessoa que o faz rir. É assim que, todos os dias, um país com tudo para ser gigante se reduz à pequenez do seu presidente.

LOCKE (2013)

A personagem principal (o absolutamente magistral Tom Hardy, ator que só falhou nos seus papéis quando foi bom demais) é um homem que, um dia, cometeu um erro e que passa uma viagem de carro de 1h30 a fazer telefonemas para impedir que a sua vida caia em derrocada por completo. Há algumas coisas em filmes que imediatamente me despertam o interesse, e a proximidade ao teatro é uma delas. Adoro coincidências com o tempo diegético, poucas personagens e muitos monólogos, como em "Timecode" (2000), "Den skyldige" (2018) ou "Buried" (2010), e não escondo que aqui também me fascinou muito o processo; durante 6 noites, Tom Hardy interpretava o texto duas vezes na estrada enquanto os atores secundários (Olivia Colman, Andrew Scott, Tom Holland) lhe ligavam em tempo real. Ou seja, o filme foi filmado 12 vezes, o que talvez explique porque, sem sair da autoestrada, ele seja tão bonito. Muito, muito bom.

THE TIME MACHINE (1960)

Apesar da mensagem pacifista e do apelo à responsabilidade humana para não repetir as atrocidades do passado, a forma como mostra o cientista inglês a responsabilizar-se por liderar uma civilização "primitiva" no futuro, alumiando-a com a tocha do progresso, é bem um reflexo direto do colonialismo com inspiração positivista dos séculos passados. Além disso, fica-me a dúvida: se a máquina do tempo atravessa o tempo sem se movimentar, não seria de considerar que as pessoas à volta do cientista (que ele vê moverem-se muito depressa, como num "time-lapse") o veem, mas muito lentamente, como se fosse uma estátua?

ANGEL HEART (1987)

Um ano depois de "9½ Weeks", não seria de esperar um filme com Mickey Rourke que não tivesse uma cena de sexo. "Angel Heart" tem, e é memorável, mas o que impressiona é lembrar como Rourke era um ator delicado, com gestos e expressões quase pueris que dão à sua personagem uma vulnerabilidade marcante. De resto, confesso que o neo-noir não é o meu género preferido, principalmente quando a novidade que poderia trazer — no caso, o subtexto do satanismo — não parece concretizada por completo.

HAIRSPRAY (1988) e CRY-BABY (1990)

Os dois filmes de John Waters que foram adaptados para musicais abordam a cultura teen dos anos 50-60 bem ao jeitinho dele, com muito absurdo, alegria e iconoclastia, mas há uma diferença importante: enquanto "Cry-baby" vai abraçando a loucura devagarinho até uma grande apoteose final, "Hairspray" evita essa vertigem, talvez por tratar o tema bem sério da terrível segregação que se instalou em Baltimore, logo ali tão perto de Washington. .

JOHN ADAMS (2008)

Enquanto John Adams estava no Congresso Continental a tentar aprovar a Declaração de Independência, a sua esposa Abigail decidiu que ela e os filhos iriam vacinar-se contra a varíola. Naquele tempo, isso significava que o médico fazia um corte no braço da pessoa e, com um osso, inseria na ferida pus retirado das pústulas de um doente. Esperava-se que a pessoa vacinada tivesse, durante uns dias, uma variação ligeira da doença, que às vezes não era tão ligeira e podia levar à morte. Boa lição para estes nossos tempos de gente mimada.
(e também: sim, eu li Howard Zinn e entendo bem toda a hipocrisia nesta aventura de homens brancos protestantes; ao mesmo tempo, que rebeldia delirante e que projeto incrível que foram os EUA)