REMASTERED (2018-2019)

Estou encantadíssimo com estes documentários da Netflix. Detalhe: eles não são exatamente uma "série", então, se os quiserem ver, terão que pesquisar os títulos que contém "remastered", porque eles não vão aparecer numa página própria. Há dias, depois de ter visto os do Bob Marley, do Robert Johnson e do Johnny Cash, disse que a grande genialidade deles é a forma como, aprofundando eventos específicos das vidas dos artistas, conseguem garantir a originalidade da sua perspectiva sobre vidas que já foram perscrutadas mil vezes. Porém, após ter visto "The Miami Showband Massacre" e "Who Killed Jam Master Jay?", mudei de ideias. A grande conquista de "ReMastered" é a forma como, através da música, fala sobre os choques entre as grandes forças sociais, políticas e económicas do século XX e início do XXI. O meu episódio preferido é "The Lion's Share", que conta como o criador sul-africano da melodia de "The Lion Sleeps Tonight" foi simplesmente roubado dos seus direitos autorais por um conluio entre grandes empresas. É uma visita perturbadora e fascinante às marcas profundas que o "apartheid" deixou no país. Não poderia recomendar mais.

ROAD TRIP (2000)

Quando o século virou, as comédias sexuais com adolescentes estavam na moda. Sempre ouvira falar de "Road Trip" como um título chatinho do rol, mas, no outro dia, estava cansado demais para ver algo complicado, então, fui lá espreitá-lo, e fiquei agradavelmente surpreendido: metanarrativo sem exageros, autossatírico na medida certa e, no fim, nada mais do que uma história divertida e bem contada. Não é um banquete, mas, como diria o Royale With Cheese, há dias em que o que queremos mesmo é um hambúrguer. Ah, e outra coisa: que saudades de roupas com cortes largos, meu deus.

EL HOYO (2019)

Evitei ver quando ele estava em alta, porque o que menos me apetecia no início da quarentena era um filme sobre pessoas presas. Talvez por isso, gostei, mas sem exageros de entusiasmo. A alegoria é sólida, as referências literárias são interessantes, a mensagem social é honrosa. Já não é pouco.

THE TERROR s02 (2019)

Gostei muito da primeira temporada de "The Terror" e fiquei surpreendido quando, fuçando o Prime Video, descobri que ela teve uma segunda temporada no ano passado e que tinha adotado o formato de antologia, mudando todo o elenco e a história. Vi-a em três noites, porque a tensão da pergunta "o que vai acontecer" não parava de martelar a cabeça. Os criadores dão visibilidade a uma injustiça imperdoável contra a comunidade japonesa nos EUA durante a 2ª Guerra Mundial e, brilhantemente, desenvolvem a temática da suspensão entre dois mundos sem que se pertença plenamente a nenhum deles. Excelente temporada.

HEATHERS (1989)

Winona Ryder tinha 17 anos, Christian Slater 19. É uma comédia de adolescentes perigosamente inadequada (ou seja, muito adequada) para adolescentes. Um roteiro em ponto de bala, com frases antológicas (um exemplo: «I rarely listen to Neanderthals like Kurt Kelly, but he said that he and Ram had a nice little sword fight in your mouth last night»). Nada de sensibilidade existencial à "The Breakfast Club". Nada de putaria com moralismo cor-de-rosa à "American Pie". Isto é humor "screwball" no nível de acidez extrema que não fica a dever nada a "Arsenic and Old Lace". Uma grande comédia, que merece todo o seu atual estatuto de culto.
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MANHUNTER (1986)

O primeiro filme com Hannibal Lecter mostra bem as fixações de Michael Mann: há muito homem, muita gente sozinha e muita coisa que acontece à noite. Tive um sentimento curioso enquanto via: um estranhamento pelos anos 80, da decoração ao bigode de Dennis Farina. A primeira década em que vivi parece hoje um lugar estranho e inatural.

PORTRAIT DE LA JEUNE FILLE EN FEU (2019)

Em Março, quando Polanski ganhou o César de melhor Diretor, a atriz Adèle Haenel foi a primeira a abandonar a sala, sendo seguida pelo resto da equipe. Fê-lo pela homenagem a um homem acusado de abuso sexual de menor, mas poderia perfeitamente tê-lo feito por o prêmio não ter ido para a sua diretora, Céline Sciamma. "Portrait" é um filme belíssimo, em que cada plano é uma conquista. Mais do que "Barry Lyndon", lembra-me de "Mr. Turner", de Mike Leigh, pelo trabalho dos silêncios e pelo constante diálogo com a pintura. Uma grande história de amor e um filme absolutamente maravilhoso.

THE CRAFT (1996)

Se ainda não perceberam, eu estou a aproveitar estes dias para ver filmes que nunca vira. Entre eles, estão alguns que deveria ter consumido na adolescência. Em "The Craft", mulheres são protagonistas, vilãs e as principais coadjuvantes, o que parece muito refrescante para um género que fora tão acostumado a ser articulador da masculinidade. O filme perde força e complexidade na segunda metade, mas é divertido de assistir nem que seja pela nostalgia de um tempo em que os filmes para adolescentes tinham Portishead, Elastica e covers de Smiths. E, sim, Neve Campbell foi a namorada imaginária de muito boa gente nascida nos 80s.

THE NAME OF THE ROSE (2019)

Há dias, queixei-me aqui de ninguém me ter falado sobre esta série do ano passado, adaptação do livro do Umberto Eco. Após ter visto alguns episódios, quero dizer que, na verdade, agradeço não o terem feito. Enquanto reconstituição histórica medieval, ainda a achei mais interessante do que, por exemplo, "Knightfall", mas tem uma falha grande: ao investir nos subenredos, perde espaço para criar uma atmosfera malsã de loucura e mistério que prenda como a do filme de Jean-Jacques Annaud. Algo me diz que, se ela tivesse 3 ou 4 episódios a menos, talvez as coisas fossem diferentes. Uma peninha.

REMASTERED: WHO SHOT THE SHERIFF? (2018)

Imaginem que o Queiroz visita a vossa casa e descarrega a pistola, acertando na vossa esposa e no vosso manager e deixando-vos uma bala alojada no braço. Imaginem ainda que, tempos depois, vocês fazem um concerto em que convidam o Haddad e o Bolsonaro a subir ao palco e os fazem dar as mãos. Foi mais ou menos o que Bob Marley fez certa ocasião na Jamaica. Gosto muito desta série "ReMastered" do Netflix e do modo como ela refresca a arte perdida do documentário televisivo de 1h. A forma como ela foca num detalhe ou momento da vida do biografado (ou da morte, no exemplo de Victor Jara) é muito inteligente e confere-lhe a possibilidade de dizer algo novo e original sobre pessoas cujo percurso é conhecido por todos.