NADIE SABE QUE ESTOY AQUI (2020)

Tem um toque de realismo mágico e trabalha bem os seus símbolos: a água que rodeia a fazenda anuncia a inacessibilidade do protagonista, a obesidade deste representa o peso moral que carrega, o seu silêncio revela a dor de quem teve a sua voz roubada. Não é um filme pesado, antes tem aquele agridoce de sorriso triste bem latino-americano.

GHOST STORIES (2017)

As histórias de fantasmas têm uma estrutura muito semelhante à da comédia, com sequências cujo objetivo é acumular tensão até ao punch final, em que a assombração é revelada. É um processo eminentemente cinematográfico, que trabalha o som e a edição para ser eficaz. Durante a 1ª hora, o filme faz isto muito bem, além de conseguir manter a atenção com uma estrutura narrativa original, que mistura a antologia de histórias com um enredo guarda-chuva. Esperava-se um ato final em que tudo se enlaçasse, mas, em vez disso, o filme dá-nos uma desilusão. Desmonta tudo o que construiu antes e, pior, parece convencido de que faz muito bem. Zanguei-me.

EUROVISION SONG CONTEST: THE STORY OF FIRE SAGA (2020)

É claro que, sendo europeu, a minha memória afetiva da Eurovisão é tão grande e irrazoável quanto a que um brasileiro tem de carne louca. A Eurovisão é um lugar estranho: todos sabemos que aquilo é piroso e o espetáculo mais artificial que pode haver, mas, em algum momento, todos entramos numa discussão sobre qual deve ser a canção escolhida. Há algo de muito comunitário nesse ritual, e o filme soube captar isso muito bem, talvez porque o Will Ferrell, ao que parece, tem esposa sueca e acompanha o festival há anos. As aparições de verdadeiros vencedores da Eurovisão (incluindo o Salvador Sobral) devem ser lidas por aí. O filme é uma homenagem simpática a este universo, com purpurina, luzes, cores e a exaltação das emoções desbragadas. Mais do que rir, faz-nos sorrir — mas sorrimos muito..

THE INVITATION (2015)

Pessoas com 25-45 anos juntam-se para um jantar. Por alguma razão, o ambiente é estranho e desconfortável. Verdades incómodas são reveladas, e a catarse final corresponde fundamentalmente à queda das máscaras com que a classe média se constrói. Poderia ser a sinopse de muitos títulos de mumblecore, e é a sinopse deste filme. Sou ambivalente em relação a esse movimento. Por um lado, atraem-me filmes feitos com orçamento baixo, concentrados na mesma locação, com poucos atores. Por outro, acho que o mumblecore não prima por olhar para pessoas interessantes. Este filme pareceu-me tão vazio quanto as suas personagens, sem a sabedoria de adicionar um pormenor que lhe desse sal, como o si-fi de Coherence (2013).

THE FLORIDA PROJECT (2017)

É como se um guião do Ken Loach fosse filmado por um cineasta independente americano. Com exceção do grandioso Willem Dafoe, quase todos os atores são amadores ou de início de carreira. Grande parte dos figurantes são verdadeiros moradores dos motéis em que se filmou, que passavam espontaneamente durante as cenas. O orçamento era baixo, e a produção teve que incluir helicópteros no guião porque não tinha dinheiro para impedir que eles voassem. Todos gritaram de felicidade quando viram um arco-íris no céu, o que lhes permitiu poupar 50 mil dólares em CGI. Tal como Escape From Tomorrow (2013), mostra um outro lado da Disney. Porém, aqui não se trata do pesadelo que está subjacente à fantasia, mas da pobreza e da vida rude que espreitam sobre as muralhas do Walt Disney World. Melodrama neorrealista com atores infantis extraordinários. Ótimo filme.