A meio, o fim

Quanto tempo demora até que tudo fique igual, ouço perguntar dentro da minha mente (o que não quer dizer, atenção, que a pergunta seja minha). De outro modo, poder-se-ia dizer que é precisamente por estes meados de Janeiro que se descobre que resoluções de ano novo valem ou caem por completo. Eu, por mim, fiz uma. Tem-se aguentado, com algum sacrifício. Se assim não fosse, o falhanço seria total. É o problema de se ser pelo fatalismo no mundo e achar que não há nada de muito sólido, ou que se desmanche no ar, ou que se chame poder transformador da mente. Quanto tempo demora até que tudo fique igual? Resposta rápida: nenhum.

O regresso

Entre viagens planeadas e viagens feitas, um tipo começa a perguntar qual é o sentido disto tudo, o que ajuda a compreender porque é que a assistência das igrejas é de faixa etária mais avançada. Aí ainda não cheguei, mas tenho de me sentar nalgum lado a esquecer-me da vida, por isso fui ao cinema comer pipocas. O Avatar do Cameron não é tão fascinante como o Avatar do Carnivale. O eyeware, ainda assim, é mais à maneira. Ainda me lembro de uma transmissão muito anunciada d'O Monstro da Lagoa Negra na televisão, aí para 1986. Até a TV Guia andara na distribuição de óculos de armações de cartolina com lentes de acetato vermelho e azul e depois não deu em nada, já não sei porquê. Ora, os do Avatar não só funcionam como são de armação de plástico de massa com lentes escurecidas. Durante aquelas horinhas, podemos fantasiar a gosto que somos o Woody Allen ou o Pinochet e optar por soprar no clarinete ou mandar entrar a caravana da morte. O problema é que o filme acaba, a Michelle Rodriguez não se dá bem e um tipo pergunta-se qual é o sentido daquilo tudo, o que implica outra viagem e, claro, um sítio diferente para se sentar.

Um clássico

Na casa natal, vi passar na televisão um Concerto de Ano Novo da Filarmónica de Viena. Chamou-me a atenção a valsa "Vinho, Mulheres e Canções", que não consigo de pensar como eufemismo de Strauss para se referir a huren und grüne wein na Viena novecentista. O meu avô é sempre o grande responsável por se deixar ficar no canal com música clássica e também descobri porquê: foi amigo do maestro Miguel de Oliveira, líder da banda musical durante vinte anos. Compôs De Cádiz a Tanger e teve um primo do meu avô na trompa. Este primo, curiosamente, chamava-se Fausto.

2010

Fui às compras para o fim-de-ano e não consegui deixar de pensar, ao ver os congelados com ar triste dentro da arca, nos lombos rubros do camarão-tigre que comi por uma ninharia no Clube Naval de Maputo há uns anos. Sou sincero, nesse momento pensei "nunca comi coisa igual". Também nunca tinha sentido na pele a coisa estranha que senti quando disse que não achava o Acordo Ortográfico maningue nice e um escritor moçambicano me respondeu que os portugueses gostam de se sentir donos da língua. Acordo Ortográfico que, por acaso, é tema de capa no Público de hoje e lá se diz que Moçambique não está a achar a cena maningue nice também, tanto que ainda não o ratificou. Quem o curte tótil é o Brasil, e o meu ano que vem vai passar muito por esse país. Por isso, bom 2010.

Jorge Vaz Nande

Nasci no Minho, moro pelo Minhocão.
Ganho a vida escrevendo.
Gosto de histórias, de palavras e de imagens.
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