Os ecologistas

Pessoas que conheço conseguiram emplacar uma série portuguesa de sucesso internacional na Netflix — e ficam já aqui os meus abraços de parabéns para todos.

Então, porque leio tantas opiniões do estilo «ah, mas a série devia ser assim e assado»? E porque o "assim e assado" parece coincidir com as características daqueles filmes portugueses que se dão por satisfeitos com 2 mil bilhetes vendidos ou daquelas séries que batalham para conquistar umas poucas centenas de milhar de espectadores?

Estou certo que quem critica não deixou passar nenhuma destas obras. Foram ver todas ao cinema e estiveram atentos sempre que um novo episódio estreou na televisão. Dito isso, eu não tenho nada contra nichos. Estou em vários, e vejo muitas dessas coisas que são pouco vistas. O que não entendo é porque neste caso a conversa é centrada na imposição de um padrão sobre a obra, a ver se encaixa, como um acetato num retroprojetor das antigas. Tenho a sensação que, nos últimos dias, li dezenas de variações da frase "a série fez sucesso, mas não é X".

O X pode ser a teoria de autor francesa, as formulações de Adorno sobre a cultura de massas ou o modelo narrativo hollywoodiano. Pode até ser outra série que se apreciou no passado e se tornou sombra da caverna de Platão particular que cada um carrega.

Outras coisas engrossam a mistura. Algumas são feias, como a inveja de quem não percebe que, em audiovisual, um sucesso é o que é preciso para puxar outros. Outras são pouco faladas, como a provável habituação do espectador a uma dose de "estrangeiro" — rostos, vozes, lugares, pensamento narrativo — na ficção.

Em vez do "vi e não gostei" (sempre legítimo, expectável, sem novidade), acho mais interessante perguntar porque finalmente uma série portuguesa se deu bem. «Ah, porque foi feita para o grande público». E qual série não é? Em Portugal ou fora dele, quantos filmes "feitos para o grande público" não afundaram na bilheteira e quantos filmes "de arte" não se deram bem? A divisão entre arte e público está tão gasta quanto o monóculo do Fritz Lang.

É preciso firmar a noção de que há diferentes modos de ver e que, em si mesmos, eles não são necessariamente maus ou bons. O mesmo raciocínio vale para o exemplo da poesia: não é porque chegamos a Mallarmé que não conseguiremos mais apreciar António Aleixo. A verdadeira conquista da literacia, mais do que o entendimento do complexo, é essa sensibilidade versátil. Não vale a pena dizer "Pacifiction é bom, mas não é MCU", tal como não faria sentido o contrário. Aliás, eu já não sei muito bem se "bom" e "mau" são conceitos que façam muito sentido nestas coisas. Identificar o modo de ver adequado para determinada obra e se ela é interessante nele parece mais acertado.

É verdade que o êxito e o fracasso dependem de muita coisa. Caprichos de programação ou distribuição, notícias de mexericos coladas à estreia, catástrofes que desviam a atenção do público. Abstraindo destes, formulo a seguinte hipótese: uma obra audiovisual tem sucesso quando é eficaz a provocar o gozo.

O gozo pode vir da história interessante ou do elenco carismático, do conhecimento de uma realidade nova ou duma catarse poderosa, do prazer estético provocado pela imagem ou da cadência dos diálogos. É um intangível, uma equação e um mistério que se resolve artisticamente (mesmo em obras feitas para o "grande público") e que depende do acerto de múltiplos olhares.

Vai do olhar de quem faz o casting ao de quem maquia os atores. Do de quem desenha a produção ao do motorista que um dia andou um bocado mais depressa só para a diária não atrasar. Do de quem inventou uma forma de escrever um mundo ao de quem decide como montar um enquadramento.

As coisas vão-se encaixando e, às vezes, encaixam com o público. Rabo de Peixe encaixou com o público da Netflix. Uma história de crime interessante, inspirada em fatos reais curiosos, com um elenco bonito e empático, num cenário belo e cruel que combina com o tema aspiracional.

Teve sorte de não ter rivalizado na mesma semana com uma grande estreia na plataforma? Talvez, mas, como se diz por aí, sorte é o encontro da preparação com a oportunidade. É uma obra que conseguiu provocar o gozo dos seus espectadores. Bravo!

Uma vez, vi uma palestra do António-Pedro Vasconcelos em que ele contou uma história muito curiosa (repetiu-a numa entrevista ao Jorge Leitão Ramos): quando estava em pré-produção para o Aqui d'El Rei!, obra de grande orçamento para a época, o Paulo Rocha disse que era preciso impedi-lo porque esse filme destruiria «o equilíbrio ecológico do cinema português». Às vezes, quando leio o que se escreve sobre quem fez algo bem e com proveito, penso se o mundo não andará é cheio de ecologistas.