Os anos do fermento

Durante as quarentenas da pandemia, fui daqueles que tentaram aprender a fazer pão, mas não consegui fazer crescer nenhum fermento. Não sabia do que estava atrás, não entendia os tempos e ritmos da coisa e 99,9% dos pães saíram-me solados.

Mas as tentativas frustradas aguçaram-me o jeito para mexer na farinha. Aprendi a fazer massa para pizzas, calzones, tortillas, empanadas. Fiz-me amigo do fermento seco, muito mais rápido e menos caprichoso do que o natural. Há uns meses, comecei a fazer uma receita de pão turco e percebi como a massa era versátil. Adaptei-a para farinha integral e, desde então, quase não comemos pão aqui em casa que não seja feito por mim.

Porém, os levains falhados sempre me tinham ficado na memória. Uma daquelas chatices no fundo da mente, a rirem-se e a dizerem "ahah, não conseguiste". Então, este mês, com os dias mais quentes, voltei à carga.

Na primeira tentativa, armei-me em esperto. Encontrei uma receita famosa de levain que pedia suco de abacaxi, mas não me apeteceu ir comprar um e substituí-o por mel. Resultado: não funcionou. Uma semana depois, o fermento não mostrava atividade nenhuma.

Continuava a não ter vontade de ir atrás de um abacaxi, então procurei uma nova receita. Encontrei a da Marina Leão, que começa a cultura com maçã fermentada e usa relativamente pouca farinha ao longo do processo.

Experimentei. Depois de deixar a maçã cortada em água durante uma semana, juntei o líquido à farinha e comecei a espera. Nos primeiros dias, as bactérias frescas que sobraram da fruta mexeram-se bem, mas a memória dos falhanços anteriores levou-me a introduzir uma variação no processo: em vez de depender de um único fermento, aproveitei o que seria o descarte de um dia para criar uma segunda cultura. As duas ficavam cobertas com um pano e fechadas na panela de ferro durante a noite. No dia seguinte, descartava a cultura que tivesse subido menos, dividia a mais poderosa em duas e assim por diante. Em suma, fiz a seleção natural trabalhar por mim.

Mesmo assim, uma semana depois, pareceu-me que o fermento subia bem menos do que deveria. Dobrar de tamanho, então, nem vê-lo. Ontem de manhã, as culturas estavam tristemente como as tinha deixado na noite anterior.

"Mais um fracasso. Tudo bem, ano que vem experimento de novo. Vou deixar isto aqui e logo à noite deito fora".

Não sei se foi porque as bactérias ainda estavam a batalhar pela supremacia ou porque o frio inesperado deste Carnaval as atrapalhou, mas, quando abri de novo a panela de ferro à noite, os dois fermentos tinham subido até sujar o pano que os cobria. Não conseguia acreditar.

Seria só um estertor desesperado antes da morte? Para ter certeza, de novo dividi o fermento que parecia mais robusto, alimentei-o e fechei-o na panela. Hoje de manhã, estava alto, borbulhante, em formato de teia. Enfim, um levain.

Não sei ainda se vou conseguir sacar um pão bom disto. Prevejo muitos erros e acertos até conseguir acertar a receita. De qualquer forma, a lição que fica é clara: tudo se aprende e todos somos capazes de fazer qualquer coisa. Pode demorar alguns anos, mas tempo há sempre; a paciência é que não pode faltar.