Sonho

Tenho reparado que às vezes os meus sonhos vêm em série, com episódios mais ou menos contínuos.

Hoje consegui lembrar um desses sonhos depois de acordar. A série passa-se num festival de cinema. Como é normal nestas coisas, o protagonista sou eu. 

Uma das contrapartidas para eu estar no festival era gravar vídeos com os convidados. Enquanto gravava uma conversa muito interessante com uma idosa e veneranda cineasta, a câmara enguiçou. Deixei que a cineasta terminasse a resposta, agradeci e fui ver se estava tudo bem. Percebi então que todas as gravações que fizera durante o festival tinham sido apagadas do cartão de memória, e ainda tinha a terrível impressão de que não copiara nenhum material para o computador. Perdera tudo.

Sentei-me estarrecido na primeira fila. O filme era uma animação; os desenhos eram em 2D e estilo realista, mas com um efeito gráfico que deixava a imagem ligeiramente desfocada, como o mundo visto por um astigmático sem óculos. No filme, um grupo de personagens aparentemente sem conexão entre si enchia a tela. Elas falavam todas ao mesmo tempo, como uma calçada na cidade momentaneamente ocupada por monologuistas. Seria impossível distinguir as frases individuais no meio do burburinho, mas cada personagem tinha uma legenda na altura do peito com a sua fala. Achei uma solução engenhosa.

O incómodo das gravações perdidas não me deixava tranquilo. Por um segundo, esqueci-me completamente que estava num lugar fechado e acendi um cigarro. Só percebi o erro depois de dois tragos. Apaguei o cigarro no encosto de braço e coloquei a bituca na mochila. Tentei concentrar-me no filme, mas a história não fazia sentido e eu não estava com cabeça para o encontrar. Então, o pessoal do festival começou a abrir as grandes janelas que ocupavam toda a parede lateral da sala. Estranho. Nunca vi isto acontecer num cinema.... Ah! É por causa do fumo do meu cigarro. A noite lá fora não incomodava a projeção, mas não consegui mais prestar atenção ao filme, só à espera que alguém viesse para me expulsar do festival. 

Se estivesse acordado, tinha-me ido embora.

(foto: Radio City Music Hall, New York, 1978, de Hiroshi Sugimoto)