A chuva

A chuva de São Paulo lembra-me do documentário do Possidónio Cachapa sobre o Urbano Tavares Rodrigues. O documentado diz a dada altura que a mulher compreende a necessidade de solidão dele enquanto escritor. Experimentei a solidão um destes dias, quando não tinha nada para fazer, nada para dizer a ninguém, nenhum lugar aonde ir. Um rumor remexeu-se do fundo e cavou caminho até acima. E eu pude escrever como quando era adolescente e não pensava, com os olhos fechados, só os abrindo de vez em quando para ver se as linhas não se estavam a atropelar. Estava a chover também. Não havia carros, não havia pessoas a passar na rua. O meu quarto pequeno, existir num lugar e tempo sem propósito, sem nada a entender, nenhum livro para ler, nenhum filme para ver, nenhum grito urgente a que assistir: tudo resultou em linhas negras, impensadas, puras, num caderno. Existir simples, básico, sem aplicativos, e deixar o resto falar.