THE HOWLING e AN AMERICAN WEREWOLF IN LONDON (1981)

Não sei se foi coisa da lua, mas os grandes Joe Dante e John Landis realizaram estes dois filmes de lobisomem no mesmo ano. Ambos têm muitas homenagens cinéfilas e usam o género criticamente ("The Howling" está ao nível de "Network" na sua sátira da televisão e o protagonista de "An American Werewolf" é um americano imbecil que recusa aceitar a responsabilidade pelo estrago que faz no estrangeiro) e mostram um avanço nos efeitos de transformação que Landis levaria a um célebre ápice no "morphing" do vídeo de "Black or White". São filmes de um tempo em que os efeitos ainda pareciam de carne e osso, e destaco a divertida cena do acidente em Piccadilly Circus de "An American Werewolf", que sempre me pareceu um prelúdio para a monumental destruição que Landis encenaria durante a sequência de perseguição em "The Blues Brothers".

SCHITT'S CREEK (2015-)

Estive a gravar em estúdio durante as últimas semanas e o trabalho pesado puxa-me a vontade de ver algo leve, descomplicado e sem compromisso. Decidi experimentar a grande vencedora dos últimos Golden Globes de Comédia, e acertei em cheio. Vê-se com um sorriso, tem um elenco ótimo (Catherine O’Hara e Eugene Levy são enormes, enormes) e principalmente as primeiras duas temporadas são uma mistura encantadora de graça com uma elegia à vida simples.

GAVIN & STACEY (2007-)

James Corden tornou-se famoso por ter sido co-autor (com Ruth Jones) desta série, uma das sitcoms mais vistas de sempre na Grã-Bretanha e que passou em Portugal na RTP2, no lendário espaço "Britcom". Quem hoje vê o ator no papel de apresentador de talk-show que, de vez em quando, convida estrelas para cantar num carro percebe que ele tem uma leve tendência para o histrionismo. Por isso, foi com alguma surpresa que percebi como "Gavin & Stacey" é uma série profundamente humana e sensível. Arrisco dizer que o é por não ser moralista e por fazer justiça às suas personagens: todas têm falhas de caráter, mas nenhuma é tonta. A comédia está toda nas situações cotidianas que aparecem (problemas de relacionamentos, filhos, gravidezes inesperadas, gravidezes impossíveis, etc.) e na forma como estas pessoas lidam com elas. É uma série sensível que não é sentimentalista, coisa rara, ainda mais em comédia.

THE INVISIBLE MAN (2020)

Representou uma mudança de direção no universo cinemático dos monstros da Universal (menos efeitos especiais, mais história e personagem) e é uma absoluta vitória. Revisita a história do Homem Invisível fortalecendo a perspectiva da personagem feminina, revelando aquela como um conto sobre relacionamento abusivo e perseguição, em sintonia com os tempos e conseguindo grandes momentos de suspense.

ENGLAND IS MINE (2017)

Esta biografia ficcional e não-autorizada de Morrissey sofre com os defeitos do próprio: é muito difícil empatizar com uma personagem tão chata e com tamanhas ilusões de grandeza.. 

DARK WATERS (2019)

Na Amazon Prime. Acho que nunca vira um filme do Todd Haynes tão abertamente de denúncia. Fiquei boquiaberto por descobrir, não só como o uso e fabrico do Teflon são nocivos para a saúde, mas também a monumentalidade da ação jurídica que foi necessária para que as suas vítimas fossem compensadas. Depois desta, as minhas frigideiras estão com os dias contados.

ROOM 2806: THE ACCUSATION (2020)

Sinceramente, eu pensava que Dominique Strauss-Kahn estava preso e, se não fosse esta série da Netflix, ainda o pensaria hoje. Ao contrário de outros documentários de "true crime", ela não tenta desenterrar novos fatos e prefere fazer algo que, arrisco, talvez seja até mais interessante: ela revela o ex-dirigente do FMI como a prova cabal de que as brechas do sistema servem para os poderosos se abrigarem. As vítimas de Strauss-Kahn são muitas, mas as do sistema somos todos nós.

SMALL AXE (2020)

Acho que esta obra do Steve McQueen é das coisas mais incríveis que vi na televisão nos últimos tempos. Primeiro, por causa do seu formato inusitado: não é bem uma série, mas uma "série de filmes", o que tem levado à indefinição sobre qual a temporada de prémios a que ela deve concorrer. Ao que parece, o próprio McQueen esteve indeciso e, em algum momento durante os dez anos em que ele andou a desenvolver o projeto, ela assumiu a forma de uma série mais convencional. Porém, quando ele percebeu que tinha material muito rico nas mãos, decidiu que o melhor seria fazer cinco filmes, cada um contando uma história da comunidade afro-caribenha de Londres durante os anos 60 e 70. Alguns filmes contam histórias inspiradas em pessoas reais; outros inventam personagens ficcionais para retratar fatos ou ambientes. Eles também variam em estilo, mostrando as diversas facetas autorais de McQueen: "Mangrove" e "Alex Wheatle" lembram "Hunger" no seu retrato da pessoa contra um Estado opressivo, "Red, White and Blue" e "Education" focam na importância da consciência individual na luta contra a injustiça. Para mim, o mais extraordinário é "Lovers Rock", em que McQueen parece voltar às suas raízes de "video artist" para nos apresentar um baile num "sound system". Enredo fino, extremamente visual e, simultaneamente, totalmente realista, com momentos que me deixaram de queixo caído e completamente preso na tela. Com um elenco extraordinário, quase todo negro, e histórias que tocam em feridas profundas do colonialismo, não consigo entender porque a Amazon Prime ainda não estreou esta série no Brasil.

STUART: A LIFE BACKWARDS (2007)

Um telefilme com uns jovens Tom Hardy e Benedict Cumberbatch que, no fundo, serve como veículo para eles se mostrarem e anunciarem os estilos de representação que ainda hoje os caracterizam: o sutil, "posh" e pontualmente arrogante Cumberbatch em contraste com o excesso de Hardy que o leva tanto à genialidade quanto à caricatura.

HARD EIGHT (1996)

Que grande personagem é o Sydney de Philip Baker Hall, e como a rapaziada independente americana dos anos 90 sabia subverter as expectativas e surpreender com grandes filmes. Esperei tempo demais para revê-lo. Juro que a próxima não demorará tanto.

I, TONYA (2017)

Foi realizado por Craig Gillespie, o mesmo de "Lars and the Real Girl", e confirma o apreço do cineasta por figuras da América escondida atrás das luzes e da purpurina. Nos cursos de guião, ensina-se muito que é necessário respeitar as personagens, os seus caminhos. Este filme é o exemplo claro de que isso não significa deixar-se enganar por elas: ele é povoado por pessoas desprezíveis e não esconde a ironia (até o humor) com que olha para elas. A honestidade só lhe fica bem.

REQUIEM FOR A DREAM (2000)

20 anos depois, apeteceu-me revisitar esta descida aos infernos. Envelheceu muito bem, com a sua montagem sensorial, o uso narrativo do som e da música do Kronos Quartet e o pensamento sobre as imagens enquanto espelhos, que levaria a coisas como "Black Mirror", por exemplo. Uma fraqueza: a ocasional concessão em demasia à estética MTV, explorando a materialidade da imagem (interferências, saturação, etc.) de forma um pouco inconsequente. Mesmo assim, não dá para desviar o olhar em nenhum momento.

BELUSHI (2020)

Excelente documentário sobre esse meteoro de comédia que foi John Belushi. Além da pesquisa notável, que qualquer "comedy buff" apreciará, chama a atenção o formato de "oral history". Sem mostrar os entrevistados e recorrendo ao material de arquivo para ilustrar as suas falas, concentra-se completamente no esforço biográfico, e as contradições nos testemunhos parecem revelar mais do que apareceria se se tivesse escolhido uma visão predominante.

BLOW THE MAN DOWN (2019)

Uma daquelas histórias de faca e alguidar que constroem a mitologia das cidades piscatórias, com a originalidade de dar a mulheres o protagonismo de motores da ação. Um belo filme na Amazon, com alguns ares do "neorrealismo mágico" que parece andar em voga.

MANK (2020)

Muitas pessoas não gostam de Citizen Kane porque lhes disseram que deviam gostar e acabaram por ficar de pé atrás. Ver ou gostar de Citizen Kane não é pré-requisito para gostar de Mank, mas pelo menos conhecê-lo ajuda. O novo filme de David Fincher é como a segunda fala de uma conversa. É uma resposta ao filme de Welles e ao cinema clássico americano que às vezes é homenagem (a mistura de áudio, com todos os canais centralizados, e a edição tensa marcada por diálogos rápidos emulam os filmes da época) e outras crítica, mas, na maior parte do tempo, prefere mostrar que o passado ainda nos acompanha no presente, num pernicioso eterno retorno. Além disso, é uma espécie de homenagem de Fincher ao pai Jack, que lhe escreveu o filme e morreu antes que o filho conseguisse fazê-lo. É um feito cinematográfico extraordinário e arriscaria dizer que é um dos melhores filmes da década.

TENET (2020)

Sempre gostei bastante de Christopher Nolan, mesmo sabendo que muita gente o considera irritante e pretensioso. Justo. Cada um gosta do que gosta. Porém, diria duas coisas sobre Tenet. Primeiro, que metade das coisas que se barafustaram sobre ele não teriam sido barafustadas se Nolan não tivesse feito Inception há dez anos. Segundo, que Nolan cumpre aquilo que se espera dele no seu melhor: criar um jogo de engodos com o seu espectador. Sim, Tenet é um filme de espionagem mascarado de ficção científica. E daí?

SWALLOW (2019)

Começa na linha "épater la bourgeoisie", segue na onda do "body horror" e termina concluindo-se metáfora forte sobre o trauma e a maternidade. Um belo pequeno filme, e acho que ainda veremos Haley Bennett, a atriz protagonista, a interpretar muita coisa boa.

TIME (2020)

Na Amazon. A plasticidade deste documentário é tão grande, aquele olhar a preto e branco tão maravilhoso, que não poucas vezes dei por mim a pensar que o tema - o encarceramento da população negra enquanto instrumento de repressão e os seus duros reflexos sociais e pessoais - não deveria ser tratado desta forma. De qualquer forma, filme forte e recomendável.

CASSANDRA'S DREAM (2007)

Dois filmes depois de Match Point, um antes de Vicky Cristina Barcelona, Woody Allen fez esta espécie de Crime e Castigo. Não é um dos filmes maiores de Allen, mas eu tenho a pequena teoria de que, mesmo quando não surpreende, ele sempre nos dá algo interessante para ver. No caso, é o desenrolar absolutamente clássico da tragédia, lembrando-nos que, acima de tudo, Allen é um grande e sabidíssimo guionista.

ZAPPA (2020)

Descobri o Frank Zappa quando era adolescente, graças ao VHS que o meu pai tinha do "Does Humor Belong in Music?". Vi aquele concerto dezenas de vezes e, quando fui para a universidade, às vezes aproveitava algum dinheiro que sobrava no fim do mês para comprar um álbum dele. Isto era a época do pré-Napster: bons tempos. Tenho períodos preferidos (nunca gostei muito da fase do Synclavier), mas sempre foi dos músicos que mais admirei. Com este filme, Zappa finalmente ganhou um documentário com a estatura que ele merece, principalmente por focar num aspecto importantíssimo e pouco falado da sua obra: a busca constante e revolucionária por independência criativa e financeira.