I, TONYA (2017)

Foi realizado por Craig Gillespie, o mesmo de "Lars and the Real Girl", e confirma o apreço do cineasta por figuras da América escondida atrás das luzes e da purpurina. Nos cursos de guião, ensina-se muito que é necessário respeitar as personagens, os seus caminhos. Este filme é o exemplo claro de que isso não significa deixar-se enganar por elas: ele é povoado por pessoas desprezíveis e não esconde a ironia (até o humor) com que olha para elas. A honestidade só lhe fica bem.

REQUIEM FOR A DREAM (2000)

20 anos depois, apeteceu-me revisitar esta descida aos infernos. Envelheceu muito bem, com a sua montagem sensorial, o uso narrativo do som e da música do Kronos Quartet e o pensamento sobre as imagens enquanto espelhos, que levaria a coisas como "Black Mirror", por exemplo. Uma fraqueza: a ocasional concessão em demasia à estética MTV, explorando a materialidade da imagem (interferências, saturação, etc.) de forma um pouco inconsequente. Mesmo assim, não dá para desviar o olhar em nenhum momento.

BELUSHI (2020)

Excelente documentário sobre esse meteoro de comédia que foi John Belushi. Além da pesquisa notável, que qualquer "comedy buff" apreciará, chama a atenção o formato de "oral history". Sem mostrar os entrevistados e recorrendo ao material de arquivo para ilustrar as suas falas, concentra-se completamente no esforço biográfico, e as contradições nos testemunhos parecem revelar mais do que apareceria se se tivesse escolhido uma visão predominante.

BLOW THE MAN DOWN (2019)

Uma daquelas histórias de faca e alguidar que constroem a mitologia das cidades piscatórias, com a originalidade de dar a mulheres o protagonismo de motores da ação. Um belo filme na Amazon, com alguns ares do "neorrealismo mágico" que parece andar em voga.

MANK (2020)

Muitas pessoas não gostam de Citizen Kane porque lhes disseram que deviam gostar e acabaram por ficar de pé atrás. Ver ou gostar de Citizen Kane não é pré-requisito para gostar de Mank, mas pelo menos conhecê-lo ajuda. O novo filme de David Fincher é como a segunda fala de uma conversa. É uma resposta ao filme de Welles e ao cinema clássico americano que às vezes é homenagem (a mistura de áudio, com todos os canais centralizados, e a edição tensa marcada por diálogos rápidos emulam os filmes da época) e outras crítica, mas, na maior parte do tempo, prefere mostrar que o passado ainda nos acompanha no presente, num pernicioso eterno retorno. Além disso, é uma espécie de homenagem de Fincher ao pai Jack, que lhe escreveu o filme e morreu antes que o filho conseguisse fazê-lo. É um feito cinematográfico extraordinário e arriscaria dizer que é um dos melhores filmes da década.

TENET (2020)

Sempre gostei bastante de Christopher Nolan, mesmo sabendo que muita gente o considera irritante e pretensioso. Justo. Cada um gosta do que gosta. Porém, diria duas coisas sobre Tenet. Primeiro, que metade das coisas que se barafustaram sobre ele não teriam sido barafustadas se Nolan não tivesse feito Inception há dez anos. Segundo, que Nolan cumpre aquilo que se espera dele no seu melhor: criar um jogo de engodos com o seu espectador. Sim, Tenet é um filme de espionagem mascarado de ficção científica. E daí?

SWALLOW (2019)

Começa na linha "épater la bourgeoisie", segue na onda do "body horror" e termina concluindo-se metáfora forte sobre o trauma e a maternidade. Um belo pequeno filme, e acho que ainda veremos Haley Bennett, a atriz protagonista, a interpretar muita coisa boa.

TIME (2020)

Na Amazon. A plasticidade deste documentário é tão grande, aquele olhar a preto e branco tão maravilhoso, que não poucas vezes dei por mim a pensar que o tema - o encarceramento da população negra enquanto instrumento de repressão e os seus duros reflexos sociais e pessoais - não deveria ser tratado desta forma. De qualquer forma, filme forte e recomendável.

CASSANDRA'S DREAM (2007)

Dois filmes depois de Match Point, um antes de Vicky Cristina Barcelona, Woody Allen fez esta espécie de Crime e Castigo. Não é um dos filmes maiores de Allen, mas eu tenho a pequena teoria de que, mesmo quando não surpreende, ele sempre nos dá algo interessante para ver. No caso, é o desenrolar absolutamente clássico da tragédia, lembrando-nos que, acima de tudo, Allen é um grande e sabidíssimo guionista.

ZAPPA (2020)

Descobri o Frank Zappa quando era adolescente, graças ao VHS que o meu pai tinha do "Does Humor Belong in Music?". Vi aquele concerto dezenas de vezes e, quando fui para a universidade, às vezes aproveitava algum dinheiro que sobrava no fim do mês para comprar um álbum dele. Isto era a época do pré-Napster: bons tempos. Tenho períodos preferidos (nunca gostei muito da fase do Synclavier), mas sempre foi dos músicos que mais admirei. Com este filme, Zappa finalmente ganhou um documentário com a estatura que ele merece, principalmente por focar num aspecto importantíssimo e pouco falado da sua obra: a busca constante e revolucionária por independência criativa e financeira.