BORAT (2006)

Não me perguntem porquê, mas a primeira vez que vi "Borat" foi em Lisboa, numa projeção para comediantes e VIPs numa pequena sala da Castello Lopes. Eu não era comediante nem VIP, mas consegui um convite para ver essa pequena maravilha que insultou pessoas da América à Ásia Central. Nunca o tinha revisto além de umas cenas isoladas, mas hoje apeteceu-me uma comédia boa para soltar umas gargalhadas, e não estou a gostar muito das que me têm aparecido. Se tiverem sugestões, aceito!

TROLL 2 (1990) e BEST WORST MOVIE (2009)

No texto anterior, falei do Cinema enquanto encontro, e é precisamente isso que nos aparece aqui. "Troll 2" tem uma nota historicamente baixa no IMDB e isso resgatou-o da lata de lixo da História, onde estava junto com as tranqueiras que enchiam os catálogos de locadoras de vídeo, levando-o ao estatuto de culto. Como disse um crítico, o filme é mais estranho do que ruim. Nele não vemos um grupo unido de gente desajustada e divertida, como nos filmes de John Waters, nem somos constantemente assaltados pelo pensamento "como é possível que este somatório de sem-sentido exista e que eu o esteja a ver?", como em "The Room" (2003). "Troll 2" é um filme com atores muito desconfortáveis que interpretam cenas bizarras e dizem falas bem artificiais, mas ele tem uma história. É esse somatório de convenção com estranheza e ultraje que o levou a criar um público cativo, que o visita enquanto evento e que torna o documentário muito interessante enquanto documento de cinefilia. Acho que o essencial é: um filme verdadeiramente mau é o que não tem coerência estética, e "Troll 2" não sofre disso.

DIVINE TRASH (1998) e I AM DIVINE (2013)

O primeiro documentário conta como foi o início da carreira de John  Waters, com foco especial em "Pink Flamingos" (1972) e inclui imagens de "making of" inéditas até então. O segundo fala sobre a vida e carreira de Divine, incluindo o detalhe tristíssimo de ter morrido na véspera do trabalho que o levaria definitivamente para o mundo do entretenimento "mainstream". Estão disponíveis no Youtube, são uma delícia e mostram como a obra de John Waters funciona por convocar, não só o deboche (da moral, dos costumes, do Cinema, de si própria), mas também o encontro tanto de quem faz como de quem assiste.

CHEWING GUM (2015)

A primeira série de Michaela Coel não tem o "pathos" de "I May Destroy You" (2020), mas é das sitcoms mais engraçadas que vi nos últimos tempos. É inspirada na sua juventude num bairro de habitação social em Londres, e a ideia de comunidade — aqueles que nos rodeiam, quer queiramos quer não, para o melhor e para o pior — domina a história desta miúda evangélica que só quer amor e perder a virgindade. Divertidíssima.

VILLAGE OF THE DAMNED (1960)

Não sei se será por causa deste ano estranho, mas estou com pouquíssima paciência para coisas longas. Se, em 77 minutos, consigo ver um clássico da ficção científica com ecos metafóricos do nazismo e da Guerra Fria, tanto melhor!

THE PUTIN INTERVIEWS (2017)

Só quando vi que apareceram legendadas no canal do Nocaute no Youtube é que percebi que ainda não as tinha visto. Três anos depois, o mundo já parece um pouquinho diferente, mas Putin continua no poder, e parece que lá ficará por muito mais tempo. Enquanto entrevistador, Oliver Stone não entra em confronto, mas também não faz grandes deferências, principalmente no último episódio, gravado em pleno burburinho de "interferência russa é que elegeu Trump". Já vi por aí quem usasse este documentário para basear tanto a celebração gloriosa quanto a condenação irredimível de Putin e/ou de Stone. Porém, acho que a lição que fica no final é outra, mais profunda, não particularmente original: a política faz-se de narrativas, e Putin recusa que só valham as dos outros. É um alerta válido para qualquer pessoa que se pense enquanto cidadão participante de sociedades políticas. Um documento importantíssimo para entender um dos mais obscuros e importantes líderes mundiais do século XXI.

THE GREAT DEBATERS (2007)

O segundo filme realizado por Denzel Washington ainda não teve a grandeza de "Fences" (2016) e caiu em alguns clichês, mas já o confirma como cineasta elegante e totalmente concentrado nos seus atores, que aproveita a história sobre uma equipe negra de debates universitários para encenar monólogos fortes e emocionantes. Bom para aqueles dias em que nos apetece ver nada mais do que uma história inspiradora com final feliz.

ER IST WIEDER DA (2015)

Se Hitler voltasse dos mortos hoje, o que ele seria? Uma piada? Um fracasso? Ou nenhum dos anteriores? Este filme, que mistura ficção e "mockumentary" à "Borat" já tem 5 anos, mas parece cada vez mais atual. Começa como sátira da cultura televisiva e do ambiente político da Europa e acaba como prenúncio dos fantasmas macabros que, ao que parece, nos voltam a atormentar na viragem para a terceira década do século XXI. Não consigo dizer se ele é mais engraçado ou tenebroso.

MID90S e EIGHTH GRADE (2018)

Em 2018, a produtora A24 lançou estes dois filmes sobre adolescentes escritos e realizados por comediantes ("Mid90s" é do Jonah Hill e "Eighth Grade" do Bo Burnham). Nenhum deles é uma comédia e eles são bem diferentes entre si. 

"Mid90s" é assumidamente inspirado em "Kids" (Harmony Korine até faz um "cameo"), filmado em 16mm e conta a história de um menino que descobre o skate para se refugiar da sua família disfuncional. 

Já "Eighth Grade" segue uma menina perdida num mundo de redes sociais e youtubers, popularidade, ansiedade e exigência. 

"Mid90s" é enternecedor, melancólico e representa na perfeição toda a "angst" adolescente dos anos 90. "Eighth Grade" é engraçado, angustiante e prodigioso por nunca desviar a sua atenção da protagonista e da sua aprendizagem dos rituais da idade adulta. 

Ambos são ótimos.

O gigante e o anão

Bolsonaro realmente confundiu um anão com uma criança em Sergipe?

Talvez sim, talvez não. Porém, o vídeo que viralizou hoje mostra um lado de Bolsonaro que me parece muito pouco considerado na análise política e que, ao mesmo tempo, é importantíssimo para a sua popularidade. Considerar seriamente Bolsonaro implica reconhecer que, sim, ele é engraçado.

Ele é o presidente que levanta anões, que é bicado por emas enquanto doente de Covid-19 e depois lhes oferece cloroquina, que, lendo um autógrafo de Sergio Moro, exclama "Lula livre?!" para debochar do ministro.

Este é um pilar fundamental da construção da sua imagem pública: fazer dele um "tio de churrasco", uma figura jocosa, mas com quem qualquer brasileiro tem familiaridade. Como impor a culpa pela destruição da Amazônia ou pelas mortes do Covid-19 a alguém que nos faz rir?

Talvez isto faça parte de um fenómeno maior: o pessoal critica Bolsonaro por ser baixo clero e menospreza o seu populismo, mas não entende que populismo implica a construção do apelo popular. Bolsonaro não tem uma ideia de país, não tem nem um pingo de estadista no sangue e o seu grande objetivo é, como sempre parece ter sido, ocupar um cargo público para usufruir os benefícios inerentes. Mas não se confunda o governante inane com o candidato ativo. Como em 2016, ele já está em campanha, reavivando uma onda. 

Entretanto, o Brasil definha e recusa ver que a culpa do definhamento é da mesma pessoa que o faz rir. É assim que, todos os dias, um país com tudo para ser gigante se reduz à pequenez do seu presidente.