TIM AND ERIC'S BILLION DOLLAR MOVIE (2012)

Tem Zach Galifianakis, tem Will Ferrell, tem Will Forte. Foi escrito e realizado pelos próprios Eric Wareheim e Tim Heidecker, cujo programa no Adult Swim fizera deles "the next big thing" na comédia. Porém, o filme foi um fracasso de bilheteira e também não foi bem com a crítica. Vendo-o 6 anos depois da estreia, achei difícil rir, e fiquei algum tempo a pensar porquê. A comédia de Tim and Eric é extremamente elaborada, misturando absurdo com "cringe", piadas rápidas à ZAZ com pausas embaraçosas à The Office, escatologia e tecnologia lo-fi com o aroma lynchiano de atores como Robert Loggia e Ray Wise. O Wall Street Journal chamou a isto "wince comedy" ("comédia do estremecimento") e a sua influência é nítida até hoje: sem Tim and Eric, talvez não tivéssemos Eric Andre ou canais de comédia como o "SkyCorp Home Video", por exemplo. 

Então, por que este filme não parece dar muito certo? Há um aviso numa carta de W. H. Auden a Frank O'Hara que nunca me saiu da cabeça e que talvez sirva para explicar. Auden pede ao poeta mais jovem para «não confundir autênticas relações não-lógicas, que causam espanto, com as acidentais, que causam uma mera surpresa e, no final, cansaço». Os "non sequuntur" constantes de Tim and Eric — as relações acidentais que eles fabricam o tempo todo — funcionam bem em episódios de dez minutos, mas são cansativos quando estamos perante 1h30 deles. Talvez a lição que fica disto é que um filme deve manter pelo menos uma pontinha do pé no chão, no real, e construir-se a partir dela. De qualquer forma, há sempre fascínio em ver Ícaro queimar as asas.

TO ROME WITH LOVE (2012)

O Woody Allen repete-se bastante e tem uma propensão a cair nos maneirismos do seu estilo próprio. Acho que não se poderia esperar outra coisa de um realizador com 84 anos que, em média, faz um filme por ano. Porém, é curioso como os seu filmes menores parecem sempre deixar à mostra algum risco, algo que fascina mesmo que o conjunto da obra não seja o mais incrível. Lembro-me, por exemplo, do papel duplo de Radha Mitchell e da história bifurcada em "Melinda e Melinda". Aqui, ele levou a dispersão longe, com várias histórias independentes que, em comum, terão apenas o fato de acontecerem nas belíssimas ruas da cidade de Roma. Porém, as cenas na ópera e a história com Roberto Benigni lembram com agrado o Allen do início, mais comediante do que cineasta e pouco preocupado com a coesão narrativa. Além disso, é sempre um prazer ver os diálogos de Allen interpretados por atores dirigidos por Allen. Melhor ou pior, há sempre um lado celebratório no cinema dele, que ultimamente passa escondido por trás de toda a discussão pública sobre a sua pessoa.

SAMI BLOOD (2016)

Há muitos anos, cheguei a um artigo sobre os Sami que os definia como um "povo indígena europeu". Nunca tinha percebido que, na Europa continental, sempre tão centrada nos seus estados-nação, havia povos indígenas. Muitos conheceremos os Sami pelo nome "lapões", mas esse é o nome do colono, tão incorreto quanto chamar "esquimó" a um inuit ou "índio" a um nativo americano. Como a História do mundo é uma coleção de momentos em que pessoas fazem mal a outras, parece normal que os Sami vivam entre dois mundos, o seu e o dos invasores. Por isso, nada mais lógico do que fazer um filme "coming of age" sobre uma adolescente que, na encruzilhada entre a infância e a idade adulta, se vê dividida entre as suas raízes e o fascínio pelo que está além.

THE WALL (1982)

A gente às vezes é burra. Nunca me apeteceu ver "The Wall" porque pensava "eh pá, sim, Pink Floyd, e tal, mas Bob Geldof?". Porém, hoje arrisquei-me nos 160 minutos do musical do "Hamilton" e, depois de uma hora, não aguentava mais aquela direção nervosa de show de estádio. Então, desliguei, fui ver o que mais tinha na lista e lá estava o "The Wall". Dei o "play" e não demorei muito até perceber que era uma obra-prima. Em vez de uma narrativa convencional, prefere uma estrutura em quadros ligados por um enredo simples. O roteiro é do próprio Roger Waters, o que talvez explique porque aquilo que vemos não é uma mera ilustração das músicas do álbum dos Pink Floyd: filme e música iluminam-se um ao outro, como se não fosse possível que sobrevivessem sozinhos. Ri sozinho das pessoas que vão a shows do Roger Waters e se ofendem pelas suas mensagens políticas. Certamente, elas não viram este filme. Certamente, elas não viram um monte de coisas. Por ter feito isto dentro do sistema do cinema comercial, o Alan Parker é um herói. E, sim, o Bob Geldof está incrível.

THE COMMITMENTS (1991)

A forma como o falecido Alan Parker sempre tinha um pezinho no realismo social lembrou-me os tempos em que terras irlandesas e britânicas, do cinema ao telejornal, me pareciam ser lugares duros, frios e pobres. Apesar disso, é uma história extremamente divertida e capta bem aquele misto de entusiasmo e caos que qualquer pessoa que já começou uma banda conhece bem.

THE NIGHTINGALE (2018)

Acho Jennifer Kent uma diretora muito interessante. Lembro-me de o seu curta "Monster" ter sido um dos mais fascinantes do festival Imago de 2006, e surpreendeu-me muito a forma como ela o desenvolveu para fazer "Babadook" (2014), certamente um dos melhores filme de terror da década. Se "Babadook" desenvolvia o tema da maternidade enquanto conquista (o monstro parecia ser uma metáfora clara da depressão pós-parto), "The Nightingale" mostra-a enquanto luta moral no contexto mais geral da luta pela sobrevivência dos povos no mundo colonial. Um filme violentíssimo e muito belo.

SALT FAT ACID HEAT (2018)

A chef e colunista Samin Nosrat viaja pelo mundo para exemplificar como funcionam os quatro elementos que ela considera serem a chave da boa (e da má) cozinha. Se em "Cooked" o  mentor dela, Michael Pollan, oferecia uma visão histórica e antropológica da alimentação, Nosrat tem uma atitude bem mais "mãos na massa" (às vezes literalmente) e mostra uma paixão imensa pelo ingrediente, pelo sabor e por cozinhar. Didático e delicioso!

LE P'TIT QUINQUIN (2014) e COINCOIN ET LES Z'INHUMAINS (2018)

Há dias, conversava sobre o quanto as nossas expectativas e até estados emocionais momentâneos influem no apreço de um filme. Quando há uns anos vi "Le P'tit Quinquin", não me entusiasmou, mas ficou-me a sensação de que algo me escapava. Agora, ao ver "Coincoin et les Z'inhumains", percebi: não se deve ver estas séries tanto pelo que é representado quanto por deixarem a representação toda à mostra. Os atores amadores riem quando não devem rir, usam pontos para ouvirem as próximas falas (parte dos tiques de Bernard Pruvost, que interpreta o Comandante, tem essa razão) e às vezes são adoravelmente desastrados. 

Porém, essa realização plena do estranhamento brechtiano não significa que esta gente saia ridicularizada, muito pelo contrário. Esse recurso revela a comunidade de forma muito honrosa e simpática, e encontrar aquelas pessoas acaba por ser o grande gozo destas séries.  Gostei tanto disso na "Coincoin" que fui rever a "Quinquin" todinha!

STREET FOOD: LATIN AMERICA (2020)

Gosto muito de Chef's Table, mas os anos passaram e ela acabou ficando com a fórmula à vista e algo institucionalizada. "Street Food" é a sua irmã mais nova, mais informal e divertida. Na 2ª temporada, ela propõe-se descobrir a comida tradicional de seis cidades da América Latina e dá o protagonismo a mulheres fortes e admiráveis. E agora eu quero muito comer uma fugazzeta argentina!

VIY (1967)

Filmes de países que já não existem são como pequenas cápsulas do tempo, e o primeiro filme de terror da URSS não poderia deixar de ter uma justificação inicial fundada no povo (mesmo que o folclore reclamado por Gogol para a história original fosse uma verdadeira balela) e uma conclusão a condizer com o espírito da nação: "é preciso trabalhar". Enquanto obra de terror e fantasia, é terrivelmente convencional e ultrapassado, mesmo para os padrões da época: em 1967, o Japão já fizera "Jigoku" há 7 anos e "Onibaba" há 3, "Rosemary's Baby" viria no ano seguinte e a Checoslováquia dar-nos-ia essa maravilha chamada "Valerie a týden div"em 1970. O que prevalece é mesmo o interesse arqueológico e contemplar a belíssima técnica dos filmes soviéticos.