A Lei Maria da Penha deveria ter sido aplicada no caso da agressão a Luana Piovani?

Primeiro, achava que não.

A decisão de não aplicar a lei Maria da Penha foi baseada pelo relator do TJRJ no fato de que "a indicada vítima (...) não pode ser considerada uma mulher hipossuficiente ou em situação de vulnerabilidade".

Portanto, eu, estrangeiro, desconhecedor, pensei que a Lei Maria da Penha precisava das condições "relação afetiva estável", "hipossuficiência" ou "vulnerabilidade" para ser aplicada.

Cabe dizer que não aplicar a lei Maria da Penha não significa que a agressão não seja punida. Simplesmente, sê-lo-á pelas leis gerais sobre agressão, sem os agravamentos previstos por aquela.

Portanto, se a lei Maria da Penha é especial, é preciso ver em que situações especiais ela deve ser aplicada.

Fui lê-la.

Pesquisei "estável": nada.

Pesquisei "hipossuficiência": nada.

Pesquisei "vulnerabilidade": nada.

"Raio", pensei, "vou ter mesmo de ler isto". Fico sempre relutante por voltar aos meus tempos de jurista, mas lá foi.

E então reparei no artigo 5º.
Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
(...)
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Ou seja, "estabilidade", "hipossuficiência" e "vulnerabilidade" não são critérios necessários para a sua aplicação.

Não é necessário filhos, não é necessário um casamento, não é necessário coabitar, não é necessário dependência económica.

O que é necessário é convívio e uma relação íntima de afeto.

O art. 5º/III é claro, e esquecê-lo só pode revelar uma incompetência grave e uma argumentação desnecessária e circular. O TJRJ, como mostra o acórdão, incorreu nesses dois defeitos ao ir buscar a justificação numa ratio legis meio inventada ("violência intra-familiar, levando em conta a relação de gênero, diante da desigualdade socialmente constituída") quando a lei contem uma norma concreta claríssima.

Porque o tribunal fez isso, eu não sei. Mas, no caso de Luana Piovani, a sua decisão foi errada.

Memória

Um gajo trabalha tanto que é fácil esquecer-se de ter saudades. Porque não é só saudade que é lembrança: é preciso lembrarmo-nos de ter saudade. Mas um dia por acaso ouvimos coisas assim, que nos arrancam do presente e nos atiram com força, nos esmagam a cara, contra o que somos. Fora de Portugal, ouvindo coisas assim, pareço-me mais português do que nunca.

Um poema de Marcial (séc. I)

Pergunto-te: quem pode suportar esse afã?
Lês para mim quando estou de pé,
Lês para mim quando estou sentado,
Lês para mim quando estou correndo,
Lês para mim quando estou cagando.

As duas máquinas

São Paulo teve manifestações brutais esta semana que estão a ser alvo de muita atenção pelo mundo fora. A causa delas foi o aumento da tarifa dos ônibus e metro de R$3 para R$3,20, ou seja, um aumento de 15%. Mas elas representam um pouco mais do que isso.

Para que quem não é daqui entenda, o sistema de transporte público de São Paulo funciona de uma forma um pouco esquizofrénica. Nunca vi um metro que tivesse uma rotação de trens tão rápida, mas, por outro lado, o tamanho da rede é minúsculo em relação ao tamanho da cidade. SP é uma das cidades mais congestionadas do mundo e os ônibus sofrem nos engarrafamentos, se bem que desconfio que uma cidade como Lisboa arranja às vezes complicações maiores com um volume de trânsito muito menor. O metro e os ônibus, apesar de muito cheios nas horas de rush, são relativamente confortáveis, mas não existe integração entre viagens - ou seja, uma viagem que implique metro e ônibus implica o pagamento de duas tarifas (ainda que uma acabe diminuída, mas implica).

Ou seja, num estado em que o salário mínimo é de 755 reais e num país que discute a distribuição dos lucros do pré-sal e os biliões gastos nos estádios da Copa do Mundo, custa a engolir que seja a classe menos endinheirada a suportar o aumento da inflação no transporte público.

Claro, o Governador diz que a subida foi menor do que a inflação e o prefeito Haddad sempre admitiu que as tarifas iriam aumentar (e iriam aumentar mais do que o costume porque o anterior prefeito, Kassab, não quis ajustá-las em ano de eleição). Por outro lado, Haddad criou a primeira encarnação de passe mensal e ilimitado. Mas esta subida acabou por servir como a gota de água que fez transbordar o copo. O poder brasileiro tem frequentemente desvios de autoritarismo e, pior, é um autoritarismo que acontece sem muitas vezes ter uma razão aparente. A polícia acaba servindo como um braço visível desse impulso repressivo.

Entre muitas coisas, uma manifestação é um símbolo, em que duas máquinas se confrontam: uma máquina de manifestar e uma máquina de controlar. Essas máquinas são bem complexas e bem maiores do que as pessoas que as representam no momento e espaço concreto. Trata-se de manifestantes e policiais, sim, mas também de opinion makers das duas facções, anarquistas e comerciantes preocupados com as suas lojas, cidadãos comuns e políticos.

A polícia justifica-se com a radicalidade de alguns manifestantes, agressões contra PM's e atos de vandalismo para justificar a carga. Argumentos que perdem um pouco a razão quando a polícia é encontrada a partir as janelas dos seus próprios carros para culpar terceiros.

httpv://www.youtube.com/watch?v=kxPNQDFcR0U

Além de achar que balas de borracha e bombas de lacrimogéneo disparadas a rodo contra protestantes pacíficos não são uma solução proporcional para lidar com pedradas ou sprays para pichar paredes, tenho uma pergunta a martelar-me a cabeça: quem transformou ao longo do tempo uma manifestação num evento violento? Foram os manifestantes? A carga policial de ontem está a justificar maiores mecanismos de defesa - e de agressão - para a próxima manifestação na segunda feira. Portanto, a violência da máquina de controlar justifica a violência da máquina de manifestar e vice-versa. A polícia impediu os manifestantes de entrarem na Paulista, limitando sem razão o seu direito de se manifestar. A polícia prendeu pessoas por terem, não gasolina ou granadas, mas simples vinagre (usado para suportar o gás lacrimogéneo). A polícia fez ontem os atos que os meus amigos Cícero Oliveira e Ana Reber, bem descreveram.
"A tropa de choque avançou pelas laterais do cortejo, que subia pacificamente em direção à Avenida Paulista. Na altura do Mackenzie, ela fez um bloqueio e, entre gritos de "Sem violência!" e "Não reajam", começou a atirar bombas de gás lacrimogêneo. A multidão recuou, concentrando-se, então, na Praça Roosevelt. A tropa de choque (que havia se dividido e encurralado dos dois lados – Avenida Ipiranga e Consolação – os manifestantes) jogava bombas, balas de borracha, a cavalaria. De repente só havia gente correndo desesperada, gente, aliás, que nunca tinha participado de nenhuma manifestação (a média de idade ali era claramente de 20, 25 anos), que não sabia que gás lacrimogêneo fazia arder a garganta e chorar."

"Os manifestantes gritavam e pediam paz. Estudantes com olhos cheios de lágrimas, gente machucada...foi muito triste e me lembrou aquele discurso, de que as pessoas que lutavam contra a ditadura eram terroristas. Por que protestos em qualquer outro lugar do mundo são legítimos e aqui são taxados de baderna?"

A violência ontem levou a mídia a mudar o discurso: depois de focar no vandalismo de terríveis pichadores, centrou-se hoje na malvadeza da terrível polícia. Ontem, a Folha de São Paulo pedia fotografias de vandalismo; hoje pediu relatos de violência policial. Haddad, sentindo o seu eleitorado desertar, já veio condenar a violência. Vejamos o que as máquinas vão dizer na segunda feira. Por agora, até uma dança mereceu rojão.

httpv://www.youtube.com/watch?v=LmcLqlFk6Ac

Uma daquelas coisas que dá gosto ler quando se é roteirista

https://twitter.com/Juliadidit/status/339160343647498240

A primeira vez

São quase 3h da manhã e eu devia estar a dormir, mas acabei de fazer uma coisa pela primeira vez e quero registá-la aqui. Não, relaxem, não foi encher sacos plásticos com os pedacinhos milimétricos de uma mulher que passeava na rua à noite (até porque só faço isso com gatinhos de até 2 semanas de idade).

Eu já vi dois (ou mais) filmes, uns atrás dos outros, várias vezes. Eu já vi dois (ou mais) episódios de série, uns atrás dos outros, várias vezes. Mas eu nunca vira um episódio de série e, no final, voltado a vê-lo todo de novo por puro e absoluto deleite. E foi isso que me aconteceu com o 8º episódio da 6ª temporada de Mad Men.

Eu sei que vou merecer escárnio eterno pelo que vou dizer, mas houve um momento que fez os meus olhos marejarem-se de lágrimas, não pelos fatos que aconteciam, mas pelo modo como estavam a ser contados. Uma estrutura perfeita, dolorosa de tão boa, um exemplo de como inteligência na planificação da história previne o overacting do ator. Para entender o que estou a dizer, vejam como aquelas elipses são feitas e como Jon Hamm não precisa de cambalear para mostrar que... enfim, vejam e irão entender.

Aproveitando, antes que alguém ache que estou hipersensível e me pergunte se está tudo bem, já deixo aqui a resposta.

ifeelgreatimonadeadline

Entre os dois exércitos

[youtube https://www.youtube.com/watch?v=M6ftVCjmn6c&w=420&h=315]
Então, parece que o fait-divers do dia em Portugal é este vídeo com este rapaz a responder à Raquel Varela (a partir dos 4 minutos). Entretanto, ela já respondeu à viralização do vídeo, deixando seu ponto de vista claro. E, como não podia deixar de ser, a coisa está a entrar no domínio da abstração argumentativa. Os mais liberais estão a usar o vídeo para rir-se da falta de sentido de realidade de quem defende os direitos laborais e a insuficiência do salário mínimo e estes estão a usá-lo para mostrar que os primeiros só pensam no lucro e não se preocupam com os direitos laborais e a insuficiência do salário mínimo.

Por um lado, Raquel Varela é apelidada de não ter noção do ridículo. Por outro, Martim, que tem 16 anos e criou uma marca de roupa, é acusado de ser socialmente insensível por ter dito que é melhor que os trabalhadores das fábricas que lhe vendem a roupa ganhem o salário mínimo do que estarem desempregados.

Esta discussão está, ao mesmo tempo, dentro do mundo e fora do mundo. Está dentro do mundo, porque tenta definir um caminho para aquilo que ele deve ser. E está fora, porque não entende como ele funciona. Sim, os trabalhadores merecem mais, e nunca menos. E, sim, isso pode acontecer no âmbito de um mercado. A criação de uma marca de sucesso significa exigência por parte dos seus compradores e distribuidores: veja-se a Apple, que não se pode arriscar a ser vista como exploradora e, por isso, é cobrada de cuidado com os seus fornecedores. Veja-se a Foxconn, que trabalha para a Apple, a Microsoft e a Sony, e que, "ocidentalizando" a sua cadeia de produção, "ocidentalizou" as exigências dos seus trabalhadores. É isto que leva a que uma classe média apareça na China e, com ela, as suas exigências naturais em termos de qualidade de vida ("the availability of safe food, fair access to good education and health care, and, more and more, safe air").

Acreditar que o mercado deve ser regulado e corrigido pelo Estado não significa que não se possa acreditar que o mercado também tem um balanço intrínseco. Quem produz merece o seu pagamento, mas ele não virá sem que o seu produto seja vendido. Goste-se ou não, todos dependemos uns dos outros.

Benficas

jorgejesusajoelhado
1.
Tudo está bem. Daqui a minutos a tua vida vai avançar mais um pouco e tu poderás descansar. Quaisquer erros que cometeste serão ultrapassados, porque nunca mais ninguém se lembrará deles, e onde podem eles viver a não ser na memória dos outros? Tu sabes que mereces o que há-de vir de bom, como uma criança que se portou bem o ano todo e espera ser reconhecido no Natal. Tudo está quase a acabar, e a acabar bem, e a acabar bem...

2.
...mas o que não podia acontecer acontece e a tua mente para esse instante, porque nem tu consegues acreditar. Já não concebias essa hipótese, ela estava fora do campo das coisas possíveis e, de repente, tens que repensar tudo de novo. O momento dura um segundo, mas tu sente-lo como um dia. Antes querias descansar a cabeça, agora mil soluções te passam por ela. E pode ser que uma delas seja a certa, a milagrosa, a que resolve todos os teus problemas...

3.
...mas tu não tens tempo para nada. Foste apanhado de surpresa: não há nada a fazer. As pernas ficam-te sem força, tu cais. Baixas o rosto. Estejas lá onde estiveres, essa dor é só tua. Já muita coisa te atingiu, já sentiste muita dor, e o resultado é sempre o mesmo. Tu lembras-te do que teimas em esquecer: a vida não foi feita de encomenda para tu venceres. A vida é só esta merda em que te ocupas a cair e a levantares-te de novo, vezes e vezes sem conta, até um dia acabar quando nunca mais te conseguires levantar...

4.
...mas este não é esse dia, porque tu sabes que o que importa não é o instante em que tudo se perdeu, mas o que fizeste até lá chegar. É o caminho que te move. Tu vives para te levantares de novo, e essa é a aventura, afinal. Tu não podes desistir, porque isso é coisa de cobarde. Ergues o rosto, olhas em volta. Engoliste a dor e agora és mais forte do que eras antes disto tudo acontecer. Todos ou nenhuns olhos estão postos em ti. Talvez não saibas ainda o que vais fazer, talvez. Mas isso não importa agora. Levantas-te de novo e começas a andar. Em frente.

Perseguindo o Anão Chinês - escrever o Desafio da Beleza

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Escrevi este texto sobre a primeira temporada do Desafio da Beleza para uma revista portuguesa. Como hoje estreia a segunda temporada, no canal GNT, faz todo o sentido publicá-lo aqui. Será que foi desta que o anão chinês entrou?

Em 2012, a produtora Moonshot, onde trabalho, teve dois projetos a serem escritos, gravados e editados simultaneamente. Um é a série de ficção "Sessão de Terapia", versão brasileira de "In Treatment", ou, mais precisamente, da israelita "Be'tipul". Outro é o reality show sobre maquiagem "Desafio da Beleza". A ficção tinha 45 episódios. O reality tinha 13. 13. Como as séries da HBO ou da AMC.

O "Desafio" adapta um formato que um produtor francês fizera para a China. Tivemos total liberdade na nossa versão, mas, depois de uma primeira entrega de espelhos, ou "outlines", a reação foi pronta: eu e os meus colegas Edson Fukuda e Fabio Farias fôramos demasiado bem educados. Não com os concorrentes, com quem fizemos questão de ser mauzinhos, inventando provas, vantagens e castigos bem ruins, mas com o formato. Este programa, disse então o meu chefe, tem que ter algo inovador em todos os episódios.

Isto não foi surpreendente. Na verdade, foi uma benção. Hoje em dia o termo "reality" define mais um modelo de produção do que propriamente um compromisso absoluto com a realidade. A experiência Big Brother provou que as novelas da vida real têm um grande problema: são da vida real, e a vida real é chata. A longevidade do BBB aqui, afinal, explica-se pela forma como tem integrado com sucesso soluções de programas de variedades (concertos, visitas de celebridades, etc). Para satisfazer o pedido do meu chefe, tínhamos que recorrer a técnicas de ficção.

Séries como ER, House ou Mad Men acompanham dois universos temáticos diferentes, mas naturalmente próximos: a profissão das personagens e a sua vida pessoal, e a forma como as duas se relacionam. Da mesma forma, um reality de competição integra a participação de concorrentes num concurso, a sua vida pessoal enquanto ele progride e, claro, a forma como as duas se relacionam. Se pensarmos na vida real como material narrativo, isto é drama na pureza máxima da definição de David Mamet: "a missão do herói para ultrapassar aquelas coisas que o impedem de alcançar um objetivo específico e premente".

A tarefa, ao início, era assustadora. Como ser original com um formato que é tão conhecido? Mas a solução estava no próprio problema: toda a gente sabe como um reality de competição é e o que nele acontece e segundo quais regras. Então, estas podem ser esticadas e moldadas e, ainda assim, permanecer compreensíveis para o público.

Partimos então para os roteiros de pré, que são a bomba que se atira à água para pegar o que vem à tona e criar a história final. O 1º episódio era original por si mesmo, porque era um casting enorme do qual sairiam os 12 selecionados. Deixamos o 2º redondo, só para mostrar que sabemos fazer isto e não somos doidos nenhuns.

No resto, pirámos. No episódio que decorre num teatro, pusemos as luzes a apagarem-se sobre o eliminado como se fosse um ator cujo espetáculo desiste dele. Incluímos mensagens vídeo secretas dos apresentadores. Acordamos os concorrentes de surpresa, a meio da noite, para maquiarem num fashion shoot ao nascer do sol no Rio de Janeiro. Incluímos uma sequência de sonho. Arquitetamos uma prova dentro de um táxi em split screen. Fizemos um episódio sobre noivas em formato de fábula Altmaniana sobre estas que, POR ACASO, são maquiadas por nossos concorrentes. E assim por diante. Mas nada me deixou tão contente como o 4º episódio.

O brainstorming nesse dia estava já longo e o ar nas nossas cabeças saturara. Chegáramos àquele ponto do cansaço em que não apetece pensar mais. Mas era preciso dar a volta ao episódio. Nele, os maquiadores tinham de rejuvenescer mulheres com idade mais avançada.

Fiquei a matutar nisso. Tempo. Voltar atrás. Tempo. Voltar atrás. E o McKee saltou-me da lembrança. Essa seria a "controlling idea" do episódio: tempo voltando atrás.

Gostaria que tivessem estado lá para verem a cara dos meus colegas quando eu disse "vamos contar esse episódio de trás para a frente".

Claro que não fizemos um simples rewind, mas montámos uma série de flashbacks e flashforwards, começando com o tom geral da avaliação final dos jurados, sem revelar a decisão, para depois partir para o início do dia dos concorrentes, e assim por diante. Sabíamos que o público entenderia: como disse antes, as regras do formato são conhecidas. Mas tivemos sempre um roteiro linear de reserva, e duas versões do episódio chegaram a ser editadas. Um dos editores jurou que, se a versão que idealizáramos passasse, ele correria nu em volta do estádio do Pacaembu. Ele não cumpriu a promessa, mas o episódio passou. No final, até alguns concorrentes chegaram a mandar-nos mensagens de felicitações no Facebook.

Ainda assim, houve uma coisa que faltou no "Desafio". Enquanto estávamos ainda na fase de soltar m**das para o ar, pensámos num anão chinês que em todos os episódios faria uma aparição. Foi a única ideia louca que não conseguimos encaixar, em grande parte porque não sabíamos onde arranjar um anão chinês em São Paulo. Mas vai haver sempre um outro reality no futuro, não?

Aparando Relvas


Pode ser porque estou no Brasil e não estou a ver bem as coisas, mas comicham-me umas perguntas quando vejo as reações ao fato de os ministros portugueses, principalmente Miguel Relvas, estarem a ter os seus discursos calados por pessoas cantando o "Grândola Vila Morena".

Uma dessas ocasiões foi numa conferência no ISCTE, instituição que depois afirmou cultivar "as liberdades individuais e a participação democrática” e lamentar "que a liberdade de expressão não tenha podido ser exercida” por Miguel Relvas. O líder parlamentar do partido do Governo disse até que “a democracia foi abalroada”.

Primeira pergunta: porque é que cidadãos se manifestarem de uma forma que perturba um governante é antidemocrático?

Se reprovarmos a perturbação, estaremos a assumir que uma manifestação não deve perturbar um governante. Que ela só deve ser feita segundo moldes e padrões de comportamento pré-combinados e bem educadamente, reduzindo a desobediência cívil, ainda que pacífica, ao mínimo. Ora, não sei se sou só eu, mas isso não parece lá muito democrático. Estou enganado?

Segunda pergunta: claramente tem havido um choque entre o direito de expressão do ministro e o direito de manifestação dos cidadãos. Mas, se assumirmos que o primeiro vale mais que o segundo e os cidadãos se tem que calar quando um ministro fala, não estamos a assumir algo, digamos, antidemocrático? Eu acho que ser cidadão ainda é, ou deve ser, mais do que só ir de 4 em 4 anos à urna. É um erro assumir isto? Se for, digam-me, hã.

Terceira pergunta: um ministro exerce um poder soberano que lhe é entregue pelos eleitores. Se o desencontro de opiniões entre eles chega ao ponto de ninguém o querer ouvir, não será hora de o ministro concluir que o seu poder está esvaziado e se demitir - ou, no mínimo, ficar calado?

Ao longo destes dias, vi comentários no Facebook e no Twitter que discordavam das minhas suposições e não viam nenhum problema em fazerem-no. Um post expressivo dizia até que "o Zeca não merecia que transformassem o "Grândola, Vila Morena" num fenómeno viral".

Quarta pergunta: os atenienses que inventaram a democracia mereciam Miguel Relvas?

Quinta pergunta: porque o Zeca não merecia?

Qual o problema de um país - afogado em impostos, dívidas, desemprego e as consequências de uma crise que o deixou a sentir-se perante o FMI e a UE como se sentiu perante a Inglaterra no Ultimato de 1890 - cantar a canção fundadora do seu atual regime político como quem diz "apesar de tudo, a democracia portuguesa ainda existe, e está nas mãos de todos que cantam estas palavras"? E qual o problema de propagar essa mensagem?

Aparentemente, nenhum, pois nem a polícia sabe com que crime justificar a identificação que fez de alguns dos manifestantes.

Mas confesso que, de tudo o que li, nada me intrigou tanto como o comunicado da JSD, principalmente porque me pareceu tão idiota, mas tão idiota, que a dada altura confirmei se o site em que o estava a ler não era o do Inimigo Público. Aqui seguem algumas passagens ilustrativas (mas muito pouco ilustres).

"Nos últimos dias, pessoas têm recorrido à perseguição e impedido o direito constitucional de um ministro expressar a sua opinião."
Ir a locais de acesso aberto onde o ministro discursa é perseguição? E, como já perguntei antes, o direito à manifestação dos detentores do poder soberano não é mais importante do que o direito de expressão do seu executor?

"A democracia vive do contraditório e nele se baseia, de forma a respeitar todo o tipo de pensamentos. Não há contraditório quando só uma parte fala (ou grita), e quando não há contraditório a democracia não funciona!"
Não é um pouco exagerado falar em "contraditório" quando falamos da relação entre o ministro e o seu povo - ainda para mais quando a mensagem daquele não parece ter sofrido grandes variações ao longo do tempo? Se não for, pensando que as manifestações respondem às políticas do Governo, não são elas um exercício de "contraditório" pelos cidadãos?
Já agora, há um tom de voz correto para protestar contra o Governo? A JSD conhece-o? Pode divulgá-lo, por favor?

"As pessoas que se manifestaram têm organização, mas carecem de mobilização".
Só para confirmar, estamos a falar das pessoas que fizeram algumas das maiores manifestações do Portugal democrático? Estamos, né?

"A atitude dos manifestantes configura "censura"."
Aqui, por acaso, não tenho perguntas. Só observo que cantar à frente de um ministro parece ter tudo a ver com julgar, arrancar unhas e mandar para o exílio quem diz coisas desconfortáveis para o regime.

Democracia não é um Governo, e um Governo não é democracia. Por isso, o que está em risco quando o povo protesta contra o Governo não é a democracia - é o Governo. Quando a JSD confunde as duas coisas, revela-se ingénua, impreparada e simplória. Mas, acima de tudo, revela medo. Não um temor, um receio, mas o medo infantil de perder alguma coisa. E isso é muito, muito idiota.

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O meu novo hobby

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Acompanhem aqui.

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Ideia: uma versão porno d'A Galinha Pintadinha. Título: O Pinto Malhado. #blog

Tinta de Angola

No último relatório Repórteres sem Fronteiras sobre Liberdade de Informação, Portugal aparece em 28º e Angola em 130º. Agora, o fato de o poder económico e político angolano se estar a impor na devastada economia portuguesa leva a que a falta de paciência de alguns angolanos para com uma expressão livre se reflita naqueles que, em Portugal, a dão como garantida.

A editora Tinta-da-China publicou o livro Diamantes de Sangue, do jornalista angolano Rafael Marques, onde este denuncia violações de direitos do povo angolano em benefício dos poderosos; portanto, o jornalista e a editora Bárbara Bulhosa foram processados. Palavras dela:
“Este é um processo político e um processo de intimidação” e resulta numa “pressão sobre todos os editores a quem possam chegar manuscritos sobre questões sensíveis e em que estão envolvidas pessoas com muito poder”, considera.

Escrevi sobre intimidação, brutos e os conselhos do meu avô para lidar com eles em Dezembro. Reafirmo tudo o que disse. Numa sociedade livre, não temos que aturar isto.

Maquiadores, se inscrevam, que nós, roteiristas, já estamos cheios d...

Maquiadores, se inscrevam, que nós, roteiristas, já estamos cheios de ideias legais para a 2a temporada! #desafiodabeleza #blog

Eu sabia que os gatos escondiam alguma coisa! São fofinhos, são? Sã...

Eu sabia que os gatos escondiam alguma coisa! São fofinhos, são? São assassinos fofinhos, isso sim! http://t.co/wofJLWTk #blog

Como "parceiro tecnológico" para a RTP, proponho o Inspector Gadget. ...

Como "parceiro tecnológico" para a RTP, proponho o Inspector Gadget. http://t.co/EVobdt7a #blog

Basicamente, isto torna desnecessária qualquer outra rádio em qualqu...

Basicamente, isto torna desnecessária qualquer outra rádio em qualquer lugar do mundo. http://t.co/bXuTdfoM #blog

Já alguém foi ver se o dono do Diamante Negro anda pelo Brasil? http...

Já alguém foi ver se o dono do Diamante Negro anda pelo Brasil? http://t.co/6wdAOfLh #brasil

Aproveitar uma tragédia enorme para discutir a capacidade do país or...

Aproveitar uma tragédia enorme para discutir a capacidade do país organizar a Copa: não. Ok? #santamaria #brasil

Sobre o que roteiristas conversam

Iniciando a série "Perguntas que todo mundo quer ver respondidas, ou não", copio aqui uma conversa que tive ontem no Facebook com um colega meu, com o qual estou a preparar um projeto.
MEU COLEGA
novidades?

EU
escrevi meu ultimo texto no meu blog em meia hora quando n tinha mais que fazer antes do almoço e já é meu texto mais curtido de sempre, mas acho que vc n quer saber isso

MEU COLEGA
li o começo
sobre o Rio
mas fico feliz q vc goste mais de SP
hahahaha

EU
acho que amanhã poderemos já começar a organizar o trabalho

MEU COLEGA
certo
vou viajar quinta
volto sábado

EU
beleza
onde vais?
para eu ir antes
e fazer xixi

MEU COLEGA
hahahahaaha

EU
ahahah

MEU COLEGA
um primo meu nunca viu o mar
vou com ele pro guarujá
e volto

EU
que bonito isso

MEU COLEGA
só o tempo dele molhar os pés

EU
ahahahah
porra, mano, deixa o homem tomar banho pelo menos, né??

MEU COLEGA
meu
será feriado
eu não gosto de praia com gente

EU
o gajo nunca viu o mar, meu!
deixa ele tomar banho!

MEU COLEGA
já tive q ir no corinthians com ele
já fiz meu sacrifício

EU
vc ja tinha ido no corinthians?

MEU COLEGA
nunca
uma vez fui na quadra da gaviões com uma amiga pra comprar cocaína
mas só isso

EU
então! ee te levou lá! vc n viu o corinthians e foi embora depois de 10 minutos!
vc viu o jogo!

MEU COLEGA
fui no lugar q fica o memorial, no parque são jorge

EU
deixa o cara tomar banho, porra! senao te envergonho na internet. ponho o pessoal que está curtindo meu post todo te condenando

MEU COLEGA
mas não entrei no memorial
me recusei a pagar 8 reais pra ver a história do corinthans
ele entrou, eu fiquei esperando do lado de fora

EU
vc é horrível, insensível e mau

MEU COLEGA
pelo contrário
1a vez dele em SP
e fui com ele em TODOS os lugares
q ele pediu
até no médico, já q ele ficou doente depois de comer na Liberdade

EU
mas que primo é esse?

MEU COLEGA
do MT

EU
mas ele tem algum problema? é tipo cadeirante?

MEU COLEGA
não
ele é veterinário mesmo

EU
ah, então está tudo explicado

MEU COLEGA
ele já fez tudo q queria
só falta o mar

EU
mas que idade ele tem?

MEU COLEGA
25

EU
ele já fez tudo o que queria aos 25?

MEU COLEGA
sim
já está se preparando para o pior
mostrei pra ele todos os programas de doente do discovery home & health

EU
mas ele é doente?

MEU COLEGA
não
quer dizer
tirando a intoxicação alimentar do camarão
ele não tem nada

EU
qual intoxicação alimentar do camarão?

MEU COLEGA
aí já não sei
olha isso
httpv://youtu.be/NiPNlIX8wxc

EU
porque estou vendo uma festa de adolescentes em 1992?

MEU COLEGA
pq a debutante dança freneticamente e usa vestido bufante

EU
mas isso n é nada de mais!

MEU COLEGA
dezenas de comentários nas últimas hora
isso deve ser importante
ah, e a zeze polessa está prestando depoimentos hj na polícia
td indica q a promotoria ira acusá-la de homicídio culposo

EU
n vai dar certo
espera
"td indica"
o que é o tudo que indica?

MEU COLEGA
http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2013/01/policia-apura-conduta-de-zeze-polessa-em-morte-de-motorista-no-rio1.html

EU
nada indica que ela vai ser acusada, meu

MEU COLEGA
hahahahaa
viu isso?
httpv://youtu.be/zWO0RkgmYWI
Seguiu-se uma troca de comentários sobre questões de Direito Internacional Privado, em que o meu colega queria saber por que lei seria julgado se gravasse no Qatar um vídeo de insultos à Preta Gil e o subisse para um servidor na Malásia. Espero que tenham gostado.

SP vs. RJ

A verdade resumida é que eu gosto de São Paulo e o Rio de Janeiro não me seduz assim tanto.

Eu até consigo curtir o Rio e estar lá bem. Mas, depois de alguns dias, dá-me logo a vontade de voltar. Não consigo ficar muito tempo. Aquilo pode ser maravilhoso, mas não é para mim.

Às vezes, perguntam-me porquê. Às vezes, eu próprio me pergunto porquê. Como é que um gajo passa de crescer no campo até morar no centro da 4a maior área metropolitana do mundo? E porque é que ele não se sente adequado quando deixa esse ninho de cimento e vai até uma cidade com uma paisagem miraculosa, rodeada por morros verdíssimos, com uma das orlas costeiras mais conhecidas do planeta e alegria carimbada à nascença em qualquer criança que lá nasce?

Poderia ser porque eu nunca fui muito de praia e em qualquer rua do Rio de Janeiro eu tenho a impressão que estou em Vila Praia de Âncora. Uma Vila Praia de Âncora com 6 milhões de pessoas, mas, ainda assim, uma Vila Praia de Âncora, semeada de lojas de toalhas de praia, calções de praia, bronzeadores de praia e óculos escuros dos chineses de praia.

Curiosamente, tenho um amigo de Vila Praia de Âncora que mora no Rio de Janeiro. Ele parece-me bastante bem lá, o que só prova o meu argumento.

Poderia ser porque me faz falta um pouquinho de depressão nas pessoas à minha volta. Essa depressão desobriga-me de me comportar de um determinado modo. E no Rio de Janeiro eu sinto sempre que tenho a obrigação de sorrir e de estar animado e zen. Ora, eu não quero sorrir e estar animado e zen. Eu quero estar mal humorado e só fazer pausas para me rir inapropriada e negramente das pessoas. Este é o meu segredo escuro, por isso não o contem a ninguém.

Num monólogo para um programa que não deu certo (quem sabe por causa do próprio monólogo), defendi uma tese que me saiu meio que de improviso, mas da qual cada vez me convenço mais: o Rio de Janeiro é como maconha. É leve, convivial, encantatório. Mas São Paulo é como uma droga dura. Pode destruir-nos lentamente, mas não nos conseguimos livrar dela.

E é assim que chegamos à prova fenomenológica definitiva de que eu, português de Monção, passado por Coimbra e Lisboa, sou uma pessoa de São Paulo. É que, entre Adoniran Barbosa, poeta da rua paulistana, e Cartola, bardo do amor carioca, prefiro Adoniran. Fico feliz por morar num mundo que nos deu os dois, Cartola cantando "Acontece" comove-me, sinto-me esmagado pela humanidade na sua música. Mas uma diferença é chave para mim: se recusado por uma mulher, Cartola escreveria uma melopeia sobre o amor mal correspondido que se tornaria imediatamente um património da condição humana. Já Adoniran era malandreco, tortuoso e com defeitos. Quando teve os seus avanços recusados por uma morena num salão de bilhar na São João (onde eu moro), perguntou-lhe o nome. Ela respondeu "Iracema". E ele disse "Iracema... eu vou te matar!". E então ele fez um samba em que uma mulher chamada Iracema atravessa a São João em contramão... e é atropelada.



Entre o poeta que chora e o poeta que mata, prefiro o segundo. Entre a cidade que dança e a cidade que mata, prefiro a segunda. E eu não imponho esse argumento a ninguém, mas eu não abdico dele.

Fresh Prince do Google

httpv://www.youtube.com/watch?v=LMkJuDVJdTw
Este vídeo do cdza é fabuloso - como todos costumam ser, aliás -, mas lembrou-me de que, há 5 anos, eu já provava que o Google Translate é uma conspiração governamental.
A tradução
O que acontece se disser que o Governo não presta e traduzir sucessivamente no Google para inglês, francês, alemão, inglês, coreano, inglês, chinês, inglês, japonês, inglês, árabe, inglês e português?

Quando chamado, eo nosso governo não só foram traduzidos para o inglês, francês, alemão, inglês, coreano, inglês, chinês, coreano, japonês, inglês, árabe, inglês e português.

As línguas ficam, mas perde-se o "o Governo não presta". É por estas e por outras que não acredito nas relações internacionais.

Retratação

Fui injusto para Haddad. Aparentemente, ele ter tomado posse no 1 de Janeiro e, mais ou menos pelo mesmo dia, os sem abrigo à frente da minha casa terem desaparecido foi mesmo uma coincidência. Foi uma falha minha não ter percebido logo que os "seguranças" de cacetete que agora ficam sentados ao longo de algumas quadras do Minhocão foram contratados pelos comerciantes da área, mais o condomínio do meu próprio prédio, que, pelos vistos, estavam muito incomodados por haver pessoas a procurar o abrigo do viaduto gigante que atravessa a cidade. Foi uma falha minha não ter assumido logo que o espaço público está a ser guardado por seguranças privados, que usam a coação física para selecionar quem pode usar a rua e de que forma. E falhei também por pensar que alguém poderia achar isto mau. Pelo fato, as minhas desculpas.

Voltar a São Paulo: as novidades

Haddad tomou posse, substituindo Kassab na prefeitura de São Paulo. Segundo as notícias, ele vai ter de subir os transportes 30 centavos, porque o Kassab não fez a atualização que deveria ter feito o ano passado. O fato de ter havido eleições no ano passado não é pura coincidência.

Cheguei ontem e reparei que não há mais sem-abrigo a dormir por baixo do Minhocão. Mas, aqui e ali, há uns tipos sentados em cadeiras de praia. Perguntei ao porteiro do meu prédio se ele sabia o que tinha acontecido. Os sem-abrigo foram postos a andar ontem ou anteontem. Provavelmente, meteram-nos num ônibus e levaram-nos para Interlagos. Já não seria a primeira vez. A diferença é os tipos nas cadeiras, que agora estão lá para fiscalizar que mais ninguém se venha abrigar por baixo do viaduto. O fato de o candidato que ganhou as eleições ter tomado posse no 1 de Janeiro também não é pura coincidência.

2013?

Que uso se pode dar a esta complicação chamada tempo?

O calendário juliano foi implementado em 46 e vigorou durante 1536 anos.

Enquanto ele organizava as datas do Império Romano e da Cristandade, os árabes entraram na Península Ibérica (711). Até à inclusão do Algarve (1249), Portugal, em todo ou em parte, foi árabe.

Foram 538 anos.

Claro que, na época, Portugal seguiu o calendário islâmico e, segundo este, a ocupação terá durado uns 554 anos. Mas, para facilitar, digamos 538 anos.

O que são 538 anos?

Há 538 anos, Portugal ainda não tinha chegado à Índia, ao Brasil, ao Cabo da Boa Esperança. Nem a linha do Equador tínhamos passado ainda. Os tupis do Brasil ainda não tinham conhecido capitanias, bandeirantes, o Deus católico, europeus ou pão de queijo.

O calendário juliano foi substituído pelo gregoriano em 1582.

Isto foi há 431 anos.

O que significa que o calendário que todo o mundo hoje segue está em vigor há menos tempo do que o tempo que Portugal foi árabe.

Segundo o calendário juliano, hoje estaríamos ainda no dia 19 de Dezembro de 2012.

Ou seja, festejar o ano novo não é celebrar bem uma "coisa" ou um "fato".

Festejar o ano novo é celebrar um fait-divers que decorre do sistema que o papa Gregório III e académicos como Christopher Clavius ou Luigi Giglio impuseram em 1582.

O ano novo só é celebrado em todo o mundo porque a colonização europeia levou o calendário gregoriano a todo o mundo. Como a ocupação árabe, por seu lado, trouxera o calendário islâmico para a Península Ibérica.

Hoje, os tupis estão quase extintos e o Brasil tem europeus e pão de queijo. Portugal, por seu lado, já não tem nem um átomo do ouro que ganhou durante os Descobrimentos.

Mas, pelo menos, todos sabemos quando chegamos atrasados.

Este texto teve o apoio do Calendar Converter.

Retrospectiva, 2 de 2: as melhores coisas que li online em 2012

2012 foi o ano em que me lembrei que o meu Kindle estava mesmo a calhar para ler textos longos. Não falo de livros ou jornais - para esses já sabia que era bom - mas mesmo daqueles que se encontram na Internet durante o dia, que não se podem ler no momento e que não se querem esquecer mais tarde.

Daí, foi só um passo até encontrar o aplicativo Send To Kindle (aqui na versão Firefox, mas também há para o Chrome), que, com uma configuração mínima, permite enviar os textos para o aparelho com um só clique. Quando, por essa mesma altura, descobri também os sites LongForm (meu preferido) e LongReads, que se especializam em reunir ligações para, lá está, artigos longos, a desgraça foi total.

Este texto será longo. Se você tem um Kindle, siga os passos que descrevi. Vai-me agradecer no fim.

Ter algumas das melhores peças do jornalismo mundial, de graça e rapidamente, num aparelho que anda sempre comigo é como ter uma revista personalizada que se está sempre a atualizar. A maioria dos artigos que incluo aqui veio do LongReads e do LongForm, mas também li muitas coisas do Público, da Folha e do BoingBoing, blog que acompanho há anos e que, por mim, já tinha ganho o Pulitzer vinte vezes.

OS ARTIGOS
2 Good 2 Be 4Gotten: An Oral History of Freaks and Geeks
JAMES FRANCO: I was interested in the writing, so after hounding Judd and Paul they said, “You want to see how it’s written?” They took me into Judd’s office, and they wrote a scene right in front of me, just improvising as the characters out loud. That was really important for me.
Andava na universidade quando a Sic Radical fez uma maratona de Freaks and Geeks. Não sabia nada da série, mas, durante dois dias, não saí da frente da TV. Ver gajos que admiro como Judd Apatow, Jason Segel e James Franco a falar de uma das coisas que mais gostaram de fazer na vida é um luxo.

With Friends Like These
DAVID SCHWIMMER: I thought it was significant for us to become a mini-union. Because there began to be a lot of decisions that had to be made by the group in terms of publicity. That was actually a by-product of how the impulse originated, which was from my ensemble theater.

Ao longo da vida, já conheci pessoas que reverenciavam Friends. Também conheci outras que odiavam a série. E todas eram respeitáveis. Para mim, Friends é uma boa - sublinho o "boa" - sitcom de fim de tarde na RTP2 e não mais do que isso. Mas o seu impacto cultural foi muito grande e as personagens tornaram-se símbolos dos diferentes tipos de jovens adultos. Aqui, os atores e criadores falam sobre a génese, produção e final do programa.

‘I Pretty Much Wanted to Die’
The biggest problem with the show was the audience would want the characters to get off the island. How do we defuse that desire?

Lost levou para as networks clássicas o padrão que a HBO estava a impor como a "Nova Televisão". E é uma lição para qualquer roteirista que a ideia original tenha vindo de um executivo.

I Was an A-List Writer of B-List Productions
Sholokov, Shakespeare, Campbell: such was my considerable range as a screenwriter for hire. Nowadays when I open a green envelope, it feels less like reaping a reward than confronting a feverishly hardworking and naively idealistic ghost of myself.
Outra lição para roteiristas: é possível ser um escritor apaixonado de qualquer coisa - mesmo de subprodutos televisivos de que ninguém se vai lembrar.

Neil Gaiman: Keynote Address
People keep working, in a freelance world, and more and more of today's world is freelance, because their work is good, and because they are easy to get along with, and because they deliver the work on time. And you don't even need all three. Two out of three is fine. People will tolerate how unpleasant you are if your work is good and you deliver it on time. They'll forgive the lateness of the work if it's good, and if they like you. And you don't have to be as good as the others if you're on time and it's always a pleasure to hear from you.
Um discurso do escritor britânico numa cerimónia de final de curso. Em 2012 li discursos de formatura do David Foster Wallace, do Aaron Sorkin, do Steve Jobs... são sempre inspiradores e interessantes, mas este é aquele de que gostei mais, quanto mais não seja porque qualquer pessoa que trabalhe ou já tenha trabalhado como freelancer entenderá as palavras aqui em cima como absolutamente corretas.

Teller Reveals His Secrets
Magic is an art, as capable of beauty as music, painting or poetry. But the core of every trick is a cold, cognitive experiment in perception: Does the trick fool the audience?
Teller é um filósofo da magia. No palco ou na televisão, ele é mudo. Mas, quando decide falar, todos o deviam ouvir.

Daddy: My Father's Last Words
“Love!” he said with each point of his finger. “Love! Love! Love! Love! Love! Love!”

No final deste texto, tinha os olhos cobertos de lágrimas. É tudo.

My Father's Fashion Tips
Make sure to splash some cologne on your privates—that’s another thing.
Um artigo ótimo da GQ onde um jornalista fala da sua relação com o pai através dos conselhos de beleza que este lhe dava - e como eles sobrevivem, ou não, na velhice.

Minha dor não sai no jornal
Eu era fotógrafo de O Dia, em 2008, quando fui morar numa favela para fazer uma reportagem sobre as milícias. Fui descoberto, torturado e humilhado. Perdi minha mulher, meus filhos, os amigos, a casa, o Rio, o sol, a praia, o futebol, tudo.
A liberdade de imprensa no Brasil e no mundo é um tema que sempre dará muito que falar. Este é um caso extremo, e a ser lembrado sempre que tivermos que provocar a coragem - e nunca o medo.

The Most Amazing Bowling Story Ever
One man, an opponent of Fong’s that evening, calls it “the most amazing thing I’ve ever seen in a bowling alley.” Bill Fong needs no reminders, of course. He thinks about that moment—those hours—every single day of his life.
Já seria difícil pensar que poderia ficar agarrado a um artigo sobre desporto, mas nunca na minha vida imaginei que não poderia largar um texto sobre bowling. Um magistral exercício de narração, e atiro uma bola de metal à cabeça do primeiro que me disser o contrário.

The Savage Eye: Aesthetics After 9/11
Apparently, even the severe-clear horrors of 9/11 weren’t immune to the Stepfordization all around us — the replacement of the immediate by the mediated, the physical thing by its filmic image.
Lembrei-me muito deste texto há semanas, quando a fotografia no New York Post do homem empurrado para a linha de metro foi notícia. A fotografia, mais do que o homem.

Hard Core
He couldn’t stay aroused. Over the course of the tryst, I trotted out every parlor trick and sexual persona I knew. I was coquettish then submissive, vocal then silent, aggressive then downright commandeering; in a moment of exasperation, he asked if we could have anal sex. I asked why, seeing as how any straight man who has had experience with anal sex knows that it’s a big production and usually has a lot of false starts and abrupt stops. He answered, almost without thought, “Because that’s the only thing that will make you uncomfortable.” This was, perhaps, the greatest moment of sexual honesty I’ve ever experienced—and without hesitation, I complied.
Não sei porquê, comecei a ler esta reflexão sobre as ligações entre pornografia e a vivência social convencidíssimo que não a iria querer acabar. Mas, no final, sabia que tinha acabado de ler o melhor texto sobre sexo dos últimos tempos.

Club Unicorn: In which I come out of the closet on our ten year anniversary
This is the post where I tell you that I, Josh Weed, am homosexual.
Um mórmon declara-se homossexual para o mundo, escrevendo um artigo no seu blog junto com a sua mulher de há dez anos, com quem continua casado e que não tem intenções de abandonar, trair ou deixar de se relacionar sexualmente. Confusos? Eu também fiquei, e a melhor coisa do texto é como ele parece ouvir as perguntas que vão surgindo na nossa mente e as responde.

10 Timeframes
I’ve been talking for around a minute now. If this speech was a century long we’d be ending the first decade. If it were the 20th century we’d be thinking about getting a telephone installed and wondering if we should trade in our horse for a car. Depending on where we lived, of course.
O que é o Tempo, e quantas acepções podemos ter sobre ele?

The Most Dangerous Gamer
This is what makes Blow’s games so remarkable: at great personal expense, in ways no other developer has even attempted, he struggles to communicate a deeply authentic vision of the meaning of human existence.
Não é normal, mesmo na imprensa da área, ler sobre criadores de videogames que invocam para si, quer queiram quer não, uma qualidade de "autor", transportando para os seus jogos as suas reflexões sobre a vida e o mundo. Talvez seja porque não há muitos. Pelo menos, este é um deles.

E, SÓ PARA ACABAR...
Descobri o Diário do Centro do Mundo através um texto magistral sobre o candidato Celso Russomanno que circulava pelas redes sociais aquando da campanha para as eleições municipais. Russomanno estatelou-se nas eleições, mas o Diário ficou-me. Acho que algum do melhor jornalismo em português está a ser escrito hoje lá. Um elogio a Paulo Nogueira por levar este projeto para a frente.

Retrospectiva, 1 de 2: dez coisas que escrevi online em 2012

Já que estamos em tempo de olhar para trás antes de olhar para a frente e tal, decidi também entrar em modo de reciclagem. Hoje seguem os 10 posts deste ano de que, por uma razão ou por outra, gostaria de me lembrar que escrevi. E não se preocupem, amanhã há coisas mais à séria, ok?

Escrever: 5 anos, 10 regras
Notei há umas semanas que ando a trabalhar exclusivamente nisto de escrever prosa há já cinco anos. Por isso, lembrei-me de escrever uma série de regras que aprendi na prática ao longo desse tempo.

O que eu quero que o livro que vou escrever tenha
O livro tem que me pôr em causa. E eu vou ter que saber defendê-lo. Defendendo aquilo que me põe em causa, conseguirei, não sei como nem porquê, defender-me a mim também.

Para os meus amigos brasileiros
Os portugueses podem ser quezilentos, problemáticos, reclamões e, ao mesmo tempo, conformados com a situação e incapazes de mudar seja o que for. Mas no 25 de Abril todos nós nos unimos por sabermos que todos somos iguais enquanto donos do nosso país e do nosso destino.

Perícia sobre Patrícia
Seria bom viver num mundo em que se começa no chopp e em poucos anos se acaba a dar na coca até morrer. Num mundo assim, saberíamos com o que podemos contar. Mas o mundo não é assim.

Noturno
É noite e o morcego sai do castelinho da Rua Apa. Vejo-o da janela da minha casa, descrevendo círculos intermináveis em volta da árvore que está mesmo em frente.

Salvador no Brasil: a série que gravei com o Salvador Martinha
Espero que esta série ajude a mudar a imagem que alguns portugueses têm sobre os brasileiros e a que alguns brasileiros têm sobre os portugueses. E, acima de tudo, espero que ela ajude a mudar a imagem que a generalidade do público tem sobre a profissão de humorista.

Sobre o Bloco do Eu Sozinho de Los Hermanos
Pensamentos e observações enquanto ouvia um disco completo de Los Hermanos pela primeira vez.

Tudo é iluminado? O cara**o. Tudo é bem escuro.
Não sei bem como, mas eu sei que estas coisas estão ligadas. Eu sei, eu sei, eu sei, eu sei, eu sei.

Todos os Cus
Olhem bem as duas imagens. Não há uma diferença óbvia entre as anatomias fotografadas?

Um gajo, emigrante e tudo, a pensar a crise
E vocês perguntam: o que sabes tu de economia para dizer estas coisas? Eu respondo: nada, mas parece que os senhores que diz que sabem também não lhe mandam muito jeito para a coisa. E agora, o que fazemos?

As maravilhas de uma casa que não tem número


A casa onde cresci não tem número. Fica num lugar, numa freguesia, e é só.

O carteiro sabe ligar o nome nas cartas às pessoas que aqui moram e quem antes vinha de fora não tinha grande dificuldade de encontrar o lugar, porque a casa estava mais sozinha. Porém, como nos últimos anos se têm construído casas e mais casas e prédios e o c*****o aqui dos lados, a minha fica cada vez mais difícil de achar por forasteiros.

Ontem, incomodado com o livro que encomendei de Espanha nunca mais chegar (as conversas do Cameron Crowe com o Billy Wilder, aaaah...), mandei um mail à transportadora do Porto que o devia trazer. Responderam-me a dizer que o traziam hoje. Agradeci e, já prevendo a dificuldade dos moços, mandei o número de telefone fixo e as coordenadas do Google Maps.

E o que me aconteceu hoje, o que me aconteceu hoje? Ora, acordei com o rapaz da transportadora a ligar-me para o telemóvel e a perguntar como aqui chegava. Perceberam? Tinha mandado o telefone de casa e as coordenadas. E ele liga-me para o telemóvel a perguntar onde é. Acordando-me.

FML!!!

Sonho de Outono Numero Trinta e Nove


Em 2004, inspirado pela leitura de "Lipstick Traces" de Greil Marcus, fiz este filme. A música é uma trilha clássica qualquer em reverse e os vídeos foram feitos com a Olympus C-5050 que tinha na altura. Concorri com ele a um concurso do Fantasporto. Não me perguntem qual, até porque, mesmo na altura, só percebi que era um concurso de votação popular um dia antes de ela terminar. Também não me perguntem porque decidi partilhá-lo com vocês agora.

A movida de Monção: Killer Mustang e Mau Amigo

Não é comum chegar à terra natal e ver dois concertos seguidos de bandas de amigos. Ainda menos comum é que elas sejam também bandas ótimas, uma seguindo no trilho de Mike Patton e a outra uma digna representante do mais puro pós-rock. Mas foi isso mesmo que me aconteceu estes dias. Invejem-me, e apreciem os Killer Mustang e os Mau Amigo.


http://bandcamp.com/EmbeddedPlayer/v=2/album=1549188197/size=venti/bgcol=FFFFFF/linkcol=4285BB/

Enquanto a TVI...

...passa uma espécie de programa em que os apresentadores todos se embebedam enquanto uns coitados de uns músicos fazem versões fatelas de canções conhecidas, eu estou todo entretido a ver isto.
httpv://youtu.be/WiDgeNBsMEA

O cultural

Aqui ou no Brasil, o João Lopes é das vozes mais coerentes que conheço falando sobre cinema, televisão e cultura em geral. Nunca me canso de o ler.
Há um penoso equívoco em defender seja o que for porque é “cultural”, opondo-o àquilo que não é “cultural”: temos um défice imenso de reflexão sobre a mediocridade galopante da “reality TV” (Big Brother e afins) e o poder normativo de algumas ficções (telenovela e seus derivados), já que quase todos consideram que tudo isso... já não é “cultura”. A clivagem que está em jogo passa por aí (e não tenho dúvidas sobre o carácter minoritário do meu discurso). A meu ver, não há nada mais cultural que as monstruosidades televisivas todos os dias injectadas na imaginação e no imaginário dos portugueses. Porquê? Porque através delas se impõem valores sobre a forma como nos representamos, as histórias que partilhamos e os modelos de relação (profissional, conjugal, sexual) que estabelecemos. A cultura envolve uma permanente guerra de valores, não é um território apaziguado em que “consumimos” uma bondade redentora, superior às convulsões do mundo à nossa volta.

Sobre o fim do mundo

Não sei se viram. Viram? Era 1h21 em Portugal. Por acaso, estava lá fora a fumar um cigarro e vi. As nuvens do céu abriram-se e deu para notar as estrelas brilharem. Geladas, definitivas, como sempre. Dei um trago do cigarro. Uma mancha rosa ocupou a estratosfera e cobriu as estrelas, como se as visse através de uma cortina. E, de um momento para o outro, desapareceu. Não a mancha rosa - ou não só a mancha rosa. As estrelas, as nuvens, a lua. Tudo sumiu. O céu esvaziou-se, perdeu o sentido, deixou de ser. E eu, que estava por baixo dele, perdi-me do que fui.

A brasa chegou ao filtro e queimou-me o dedo. Eu gemi de dor, baixei o olhar, soltei o cigarro. E, quando olhei de novo, tudo estava normal: as estrelas nos seus lugares, a mortiçar o mundo com luz triste. As nuvens, prestes a avançar contra elas. E a lua, grande e intata, sendo lua, como sempre.

Não sei se viram o mundo acabar ontem. Viram? Ele acabou. E depois voltou ao que era. Um palco, um campo, uma casa. E, ao mesmo tempo, nenhuma dessas coisas.

O Pequeno Livro Sagrado do Menor Slam do Mundo



Uma das variações mais divertidas que eu já experimentei do slam foi posta em prática em São Paulo pelo grande Daniel Minchoni. Chama-se Menor Slam do Mundo, é mensal e os poemas estão limitados, não aos 3 minutos normais, mas a 10 segundos...

Há uns dias, na final anual - vencida pelo não menos grande Victor Rodrigues - foi lançado O Pequeno Livro Sagrado do Menor Slam do Mundo. O formato dele está mesmo a calhar para um flipbook, daqueles que se folheiam as páginas e fazem um filminho. Quando eu disse isso, o Minchoni falou algo sobre pornografia. Portanto, a edição do ano que vem promete. A deste ano, seja como for, já está online! É só clicar na imagem aí em cima para ler alguns poemas dos melhores (e menores) poetas do futuro. E, já agora, três meus também.

Django vazou?


Hoje anda tudo contente porque o roteiro do Django Unchained caiu na Internet (para ler, clique na imagem acima). Mas deve ser excitaçãozinha barata de ladrão digital, porque na verdade o roteiro foi posto online pela própria The Weinstein Company. E nem o pôs à socapa nalgum site só para criar sururu, não - pô-lo no próprio site, na página de divulgação do filme. Por isso, hoje talvez seja dia para metade da Internet tomar um grande comprimido de "menos!".

Muito respeito pela televisão portuguesa

Como se o fato de estar a passar um remake português de Dancin' Days já não fosse imponente, bastou um minuto a assisti-lo para ouvir
"E tu, minha vaca, sai daqui! Sai antes que te faça engolir os implantes!"

Muito respeito por esta televisão. E não estou a ser irónico.

Roupa e velhice

Há já algum tempo que não fazia férias. Mentiria se dissesse que não gosto nada disto e estou louco para voltar para o trabalho. Mesmo morando no Brasil e tendo de aproveitar para fazer férias em Dezembro, quando a temperatura lá faz o corpo pedir praia e eu lhe acabo por dar frio. Mesmo assim.

Férias servem para descansar, mas eu acho que elas também servem como momentos de reflexão, bons para pensar no que se fez no antes e como se fará o depois. Gosto, por exemplo, de pegar em projetos criativos pessoais e dar-lhes um avanço. "Dar-lhes um avanço", claro, significa ficar a ruminar na meia dúzia de palavras que neles posso escrever enquanto, na verdade, estou é a mudar o design deste site e a comer sandes de chouriço. Mas valeu a pena, já viram que bonito ficou? (burp)

Outra coisa que gosto de fazer nas férias é aproveitar para me incomodar com aquelas coisas com que raramente me incomodo. E uma delas é roupa.

Cabe dizer que eu odeio roupa. Mais precisamente, odeio prová-la, comprá-la, vesti-la, lavá-la, pendurá-la, passá-la e, quando ela já está gasta, pensar em como me devo ver livre dela. Sou daquelas pessoas que nunca vê nada de que gosta e, quando a necessidade de se cobrir aperta, entra numa loja, compra tudo do que precisa e sai de lá a correr enquanto se chicoteia nas costas. Foi precisamente isso que aconteceu hoje. Mas, no meio do processo descobri algo que me fez sentir velho, resmungão e machista. E tudo no exíguo espaço duma Modalfa. Sim, sou um mãos-largas.

Como qualquer pessoa que anda muito ocupada a tentar salvar-se da influência corruptora do mundo, desconhecia o meu número de calças, por isso, tive de provar dois ou três até perceber qual encaixava melhor. Nesse processo, descobri que a Modalfa vende três tipos de calças: as normais ("straight"), as estreitas ("skinny") e as mais largas (tenho mais que fazer que lembrar-me do nome destas também, tá?).

Eu já vira pessoal a usar calças skinny e, normalmente, é tudo gente muito hipster e que, claramente, não se está a tentar salvar da influência corruptora do mundo. Mas nada me poderia preparar para o que se seguiu. Inconsciente do poder destrutivo do objeto, levei um modelo para experimentar. Enfiei-as pelos pés, puxei-as para cima e, apesar de nada acontecer na cintura, a barriga da perna sofreu tal pressão que parecia que estava a fazer de Martim Moniz contra a tíbia e o perónio. De certa forma, sentia que estava a vestir uns collants, mas uns que pudessem ser usados num manicómio para restringir os movimentos dos pacientes que teimassem em fugir. Uns collants de forças para o louco que, esta tarde, na Modalfa de Monção, fui eu.

E aí veio a parte machista da história: pensar que aquela merda não é roupa que um homem deva usar, porque um homem tem que poder estar confortável para andar à porrada sair a correr de lojas de roupa enquanto se chicoteia nas costa. Além do mais, que raio de resultados se pode conseguir numa contagem de espermatozóides depois de anos a usar aquelas proto-ceroulas-mais-desconfortáveis-de-sempre?

E a parte de se sentir velho e resmungão: a geração antes da minha queixava-se que nós ouvíamos música alta demais e não nos sabíamos vestir. Já a geração mais nova do que eu parece que ouve música feita por e para caniches cor de rosa e gosta de andar de colhões apertados. Isto demonstra uma grande inconsciência: ainda vão vir aí muitas manifestações e os governos não se vão deixar intimidar por pessoal a andar como pinguins. Não me conformo.

Chegar

Tempo fresco. O ar cheira a árvores. Uma televisão passa um programa sobre gordos. Um deles diz que a mãe lhe dizia "tens de comer para viver, não viver para comer".

O tempo e o homem

O programa do Jô passa. Um ator fala sobre ter trabalhado numa ilha grega porque faltavam homens para a agricultura e ele acabou contratado. Ele não é o que fez aquela série em Portugal com a Tônia Carrero? Já não me lembro, não o reconheço mais. Não interessa. São Paulo está cheia de luzes de Natal, o que me faz sentir ainda mais calor e me deixa sempre meio tonto. As árvores aguento. Até os gorros aguento, porque eles ficam no topo da cabeça para a foto, tiram-se depois e pronto. Mas as luzes e as figuras de Pai Natal e as renas, isso faz-me sempre suar mais. Semana passada a temperatura andou pelos 40º aqui e no Rio - lá sempre mais quente, mas lá há praia e blablablá. O ator no Jô tem o cabelo comprido. Ele não parece ter calor, mas também já ouvi dizer que há quem goste de baixar muito a temperatura nos estúdios. Talvez o do Jô seja assim. O da Xuxa, acho, é muito frio, um gelo mesmo, talvez para não atrapalhar as danças e tudo o mais com manchas de suor.

Pergunto-me se faço bem em escrever isto, se a temperatura em estúdios deve ser tabu para roteiristas. Disseram-me que Angola agora em Portugal é um assunto tabu. Agora poderia falar de bullies, mas não gosto dessa palavra e prefiro falar em brutos. Há dias em São Paulo um rapaz começou a ser chateado por duas bestas num carro enquanto subia uma rua da Vila Madalena a pé. As bestas chamaram-lhe viado, o rapaz respondeu e, por aquilo que entendi, mandou-os à merda, o que, na minha opinião, é muito justo. Os gajos saíram do carro e deram-lhe uma carga de porrada. Partiram-lhe a cara, ficou com os olhos pisados e a testa aberta. Primeiro fiquei a pensar no que leva duas bestas a querer sair de um carro para malhar num homem por gostar de outros homens. E depois pensei que o que o rapaz fez é o que todos deviam fazer aos brutos desta vida: mandá-los à merda e levar a porrada que for preciso.

Lembro-me do meu avô. Disse-me para não me meter em pancadaria, mas, se algum dia me viessem bater, que eu desse também. O rapaz homossexual foi bem mais homem do que as bestas que lhe deram porrada. E assim eu penso: o que deve ser um homem? Eu acho que, se as mulheres se discutiram e se decidiram no século XX, agora é o momento de o homem se discutir e se decidir também. O que é um homem, penso. E só uma resposta me parece possível: um homem tem que ser um guardião sério daquilo que acha justo. Isso não significa ser conservador. Significa pensar sozinho o que acha que o mundo deve ser, saber aplicar o peso e a medida certos para o conseguir e assumir as consequências das suas ações. Isso vai desde mudar uma lâmpada em casa até andar à porrada porque não quer ser pisoteado, ou desde trabalhar nas colheitas de uma ilha grega com escassez de braços até ajudar os filhos a educarem-se.

Um homem tem que fazer o mundo continuar a funcionar para ajudar o mundo a ir para a frente. Por alguma razão os gentlemen aprendiam boxe.

Fafá e Lollo









4 coisas sobre José Cardoso Pires, que hoje faria 87 anos


Verão de 2003. Estava a acabar o meu Interrail e lia O Delfim no comboio que me levaria a Coimbra. Era a edição de bolso, Alexandra Lencastre e Rogério Samora na capa e tudo. À minha volta, só gente a dormir. Estava absorto a ler aquilo, a admirar como três linhas temporais podem ser tão perfeitamente sobrepostas num monólogo interior. Uma miúda entrou no comboio com o namorado e procuraram os lugares deles. Entre um passo e outro, ela reparou na capa do livro. Sorriu. Também devia andar a correr a Europa há uns tempos. O livro lembrou-a de que a sua casa estava próxima.

Há 6 anos, pouco depois de me ter mudado para Lisboa. Passeando no Rossio à noite, alguém me diz que a estátua de D. Pedro IV não é dele, mas de um imperador mexicano. "Foi o Cardoso Pires que falou, no Lisboa Livro de Bordo".

Abril de 2011, British Bar do Cais do Sodré, durante umas semanas fora de São Paulo. Eu sabia que o Cardoso Pires ia lá (até porque têm um retrato dele na parede). Só não sabia que a minha mesa preferida - a que fica entre as duas portas - era a mesa preferida dele. Enquanto o empregado explicava isso a um freguês curioso e apontava para mim, eu estava a escrever no meu caderno. O retrato do escritor na minha frente, como que me olhando.

Na minha adolescência, lendo a Balada da Praia dos Cães, achando o livro chato, escuro, muito português-como-de-costume. Mas houve um momento que nunca mais me saiu da cabeça: a cena de masturbação do inspetor Elias. A minha mente era jovem e qualquer coisa sexual era sinónimo de alegria e expansão. Prazer e angústia não poderiam ser simultâneos. Desde então, podem.

Guns N' Roses


Luís Vaz de Camões
O cheiro traz perdido e a cor murchada:
Tal está morta a pálida donzela,
Secas do rosto as rosas, e perdida
A branca e viva cor, coa doce vida.

Fernando Pessoa
Rosa verde, rosa verde...
Rosa verde é coisa que há?
É uma coisa que se perde
Quando a gente não está lá.

Gertrude Stein
Rose is a rose is a rose is a rose.

e.e. cummings
the rose
is dying the
lips of an old man murder

the petals

William Carlos Williams
The rose carried weight of love
but love is at an end--of roses

Carlos Drummond de Andrade
Aproveitem. A última
rosa desfolha-se.

Los Hermanos
toda rosa é rosa porque assim ela é chamada

Nelson Ned
httpv://www.youtube.com/watch?v=S8xod_Gw1to

Quem é o Leãozinho?




A discussão foi algo como: "O Leãozinho do Caetano Veloso era o filho dele". Eu: "Acho que era um músico". "Não, era o filho", "Tenho certeza que era um músico", "Bem, o filho dele é músico", "Não era o filho!", "Era sim!", e por aí fora. Isto já foi há uns dias, eu sou mais chato do que eu próprio posso aguentar, por isso...

Do livro do próprio Caetano, "Verdade Tropical":
"O leãozinho" é uma canção de ternura por um rapaz bonito do signo de Leão que toca contrabaixo em bandas de rock'n'roll desde menino - e que era menino quando os Beatles estavam no auge.

E do livro "Sobre as letras":
Para quem achava que a canção foi feita para uma mulher, Caetano conta que foi para o contrabaixista Dadi, amigo que ele adora. "Ele é lindo e, nessa época ele era novinho, era lindíssimo. Ele é de Leão, assim como eu".

Portanto: o Leãozinho é um músico!

Um gajo, emigrante e tudo, a pensar a crise


1. Lembro-me de o Sócrates dizer algo como não querer o FMI em Portugal e preferir fazer as coisas em estilo insider job, e o Passos Coelho insistir na campanha eleitoral "não, senhor, o que é isso, o FMI tem que entrar, sim, senhor, está tudo doido ou quê?". Passos Coelho ganhou as eleições, Portugal foi, mais uma vez, o bom aluno e fez o que lhe mandaram. Mas agora, depois de o próprio FMI meter o rabinho entre as pernas e vir dizer que afinal talvez se tenha enganado no que pediu, Passos Coelho proclama que o que está a dar em soluções de crise é retirar carga fiscal às empresas e passá-la para a já sobrecarregada classe média. O Sócrates não teria feito melhor, mas também é verdade que o gajo gastou uma porrada de dinheiro para salvar o banco cavaquista. Então, a culpa é do Sócrates ou dos cavaquistas? Talvez seja dos pais do Cavaco, sem cuja conceção não haveria cavaquismo e, como tal, BPN. Ou talvez seja dos pais dos senhores da troika, mas cheira-me que será melhor não os incomodar, porque eles devem andar mais preocupados com os filhos a serem roubados nos elétricos de Lisboa. E agora, o que fazemos?

2. Abro o site do Público e leio: "Seguro abre a porta ao chumbo do próximo Orçamento do Estado". Noticiazinha relacionada: "PSD responde a Seguro: 'Qual é a alternativa?'". Noticiazona seguinte: "Hollande garante imposto extra para ricos: Presidente francês garantiu que os vencimentos acima de um milhão de euros serão taxados a 75% sem excepções". Parece que há aqui algo óbvio que alguém não quer ler. E agora, o que fazemos?

3. Entretanto, a Islândia saiu sozinha da crise. E eu sei que é uma economia muito menor, e que as causas da queda lá não foram semelhantes às da portuguesa, e blablablá, mas, foda-se, um país inteiro foi à bancarrota de um dia para o outro, pôs os responsáveis no banco dos réus, reescreveu a Constituição com participação de representantes comunitários e - pasme-se - discussão pública (no Facebook) dos artigos em revisão e pôs-se de pé outra vez, sem pedir ajuda a ninguém, em menos de 4 anos. E agora, o que fazemos?

4. Portugal não tem uma moeda própria que possa desvalorizar para estimular as exportações. O que tivermos que fazer, será dentro da União Europeia. E eu curto a Europa e tudo, mas já estou um pouco farto deste machado permanente sobre as cabeças das pessoas: "ai, meu deus, e se a Grécia sair da moeda única, ai, meu deus, e se nós sairmos da moeda única?". Se sairmos da moeda única, saímos, foda-se. Nós entramos na CEE há 26 anos, e 26 anos são só uma porra de uma migalha de tempo. Eu vivi 6 anos antes dessa Europa toda e não me lembro de as pessoas andarem pelos cantos a morrer de fome. Mas, se é para tentarmos todas as soluções, porque é que não somos mais proativos e, em vez de andarmos a choramingar e a estender a mão, propomos um regime temporário de incentivos fiscais a empresas europeias que façam negócio com as da Grécia, Portugal e Espanha - incentivos ainda maiores se forem feitos entre empresas desses mesmos 3 países? E vocês perguntam: o que sabes tu de economia para dizer estas coisas? Eu respondo: nada, mas parece que os senhores que diz que sabem também não lhe mandam muito jeito para a coisa. E agora, o que fazemos?

O melhor vídeo de gatos que alguma vez verão

Se o Boing Boing diz que algo é a melhor coisa da Internet, é preciso atenção, porque o Boing Boing sabe tudo sobre a Internet. Eu não sei se Henri 2, Paw de Deux é uma sátira dos vídeos de gatos ou dos filmes da Nova Vaga. Talvez seja dos dois. Seja lá o que for, pensando que "Internet" e "gatos" parecem andar de mãos (ou patas) dadas, é das coisas mais brilhantes que nela já apareceram.
[youtube https://www.youtube.com/watch?v=Q34z5dCmC4M?feature=player_embedded&w=420&h=315]

Pocotó pocotó pocotó


Então, um rapaz que cavalga chamado Marcelo Mendes investiu sobre manifestantes anti-tourada numa terrazita honrada e sem tradição de toureio.
[youtube https://www.youtube.com/watch?v=Zivm1tk-LFU?feature=player_embedded&w=420&h=315]

Digamos que o rapaz foi uma besta e a polícia, que não fez nada, foi besta ainda maior, bem maior do que o cavalo, que, no meio disto tudo, é o que me mete mais pena. Até lhe ouço os pensamentos: "porque estas pessoas me metem nestas confusões? Eu só queria estar sossegado a pastar e a dar beijos nas cavalas".

Mas digamos também que isto tudo é bem divertido (uma manifestante até veio da Holanda! da Holanda! só para ver a vergonha que está este país!). Muuuuuuito divertido. Agora anseio por alguém da comunidade lusófona que junte esta trilha sonora ao vídeo da notícia.


Adenda: estas alegações de Marcelo Mendes até podem ser todas verdadeiras, mas digamos que, se um cavalo me tivesse quase acabado de passar a ferro, eu também não seria muito simpático para o cavaleiro, né?

Todos os Cus

1972. Tom Zé faz o disco Todos os Olhos. A capa, numa afronta direta contra a censura da ditadura, destaca uma fotografia do que seria um cu com um berlinde enfiado lá dentro, simulando um olho, uma ideia que fora dada a Tom Zé pelo concretista Décio Pignatari.


Hoje. O bafafá é que Chico Andrade, então sócio do Décio Pignatari, postou no seu blog a seguinte foto como prova de que a capa era mesmo de um cu, e não de uma boca aludindo a um cu.


Mas agora olhem bem as duas imagens. Não há uma diferença óbvia entre as anatomias fotografadas? Afinal, qualquer pessoa com o mínimo de experiência do mundo sabe que boca e cu são bem diferentes. E isso não significa que a foto que Chico Andrade postou não seja original. Na verdade, só é um elemento a mais suportando a história já contada no site Substantivo Plural pela jornalista Phydia de Athayde:
No quartinho mal-arrumado do motel, Vera, empolgada, deita-se de costas na lateral da cama. No chão, as bolinhas de gude. Reinaldo posiciona os abajures na diagonal, de modo que a luz incida diretamente sobre o alvo. A lente é uma de 50 mm colocada no avesso para fazer a função de macro, e fica a apenas 20 centímetros do corpo da garota, já quase de cabeça para baixo.
Começam os problemas técnicos. A bolinha não pára. Cai, rola costas abaixo. Tentam-se novas posições. E mais outras. Nada da bolinha estacionar. (...)
A bizarra cena transformou-se em mal-estar. Quando beirava o insuportável, uma das bolinhas parou quieta. Reinaldo descarregou cliques. Consumiu todos os filmes. Testou velocidades, posições da luz, enfim. Fez-se de tudo, menos sexo. Deixaram para trás um quarto cheio de bolinhas pelo chão, sem coragem de se olhar nos olhos.
No dia seguinte, Reinaldo leva o resultado para a apreciação na agência:
- Foi uma atitude poética. Como foto, algumas ficaram ótimas. Mas, mesmo nas melhores, era evidente do que se tratava.
Décio e Marcão, o diretor de arte da agência, ficam desolados. Décio, então, pede nova tentativa ao assistente. E lá vai Reinaldo falar de novo com Vera sobre Tropicalismo… Desta vez, nada de motel. Vão à casa de uma amiga. E, antes que repetissem a luta contra a obviedade fisiológica, uma nova idéia.
Vera tem a boca grossa. Lábios cheios de carne bem rósea. Vale tentar. Ela topa. Prefere. Senta-se no chão com a cabeça jogada na cama e faz biquinho. Uma bolinha é colocada e dali não sai. Os lábios contraídos formam frisos que em muito se parecem com o que devem parecer. Uma única série de cliques basta para, finalmente, realizar a idéia de Pignatari.

Undone

[vimeo 9843182 w=500 h=281]
Já não sei se foi do Story ou das conferências, mas lembro-me de Robert McKee dizer algo como "não liguem se as pessoas dizem que não querem ver um filme triste porque, segundo elas, já têm problemas suficientes na vida real. Quem diz isso normalmente não tem problemas nenhuns e só lhe falta experiência de vida para saber lidar com esses sentimentos". É possível que tenha posto mais de mim do que do McKee na citação. Seja como for, aplica-se totalmente aqui. Undone é um filme pungente, inspirado no avô da diretora e a ser visto por qualquer pessoa que conheça a doença de Alzheimer de perto.
(via Brainpickings))

"Desafio da Beleza" - hoje, 20h, no GNT


Estreia hoje, daqui a uma hora, o meu primeiro crédito na televisão brasileira. É o reality show de maquiagem Desafio da Beleza. Não vou responder aqui ao que me tem perguntado várias vezes: "o que é que roteirista de reality faz?!". Pretendo escrever um artigo para a próxima revista da APAD falando sobre isso mesmo. Também não vou explicar aqui como é que se esfuma um côncavo (e, não, não vou escrever sobre isso para a revista da APAD - terão de ver o programa para descobrir). O que posso dizer é que, juntamente com os meus colegas Edson Fukuda e Fabio Farias, e com toda a equipa de produção da Moonshot, criamos um formato que, como a Folha de São Paulo diz num artigo de hoje, "brinca com o próprio estigma de reality shows". E isso resume bem o que se verá a partir de hoje. Cada episódio foi pensado com uma pequena surpresa, seja do formato narrativo ou do conteúdo, e o mais entusiasmante foi como todas as pessoas da equipa de produção "piraram" um pouquinho, sempre o necessário para fazer, mais do que um reality, um belíssimo programa de televisão. Estou muito contente com o resultado e espero que vocês também gostem.

Sobre a RTP2


O Governo português anunciou que a RTP2 vai fechar. Ao contrário do que seria de esperar, a notícia não me surpreende nem me revolta. Não me surpreende, porque a decisão foi tomada por quem aparentemente acha espetacular tirar cursos por correspondência e, perante a avalanche de ditames financeiros impostos por Bruxelas, tem que cortar gastos por tudo o que é lugar. E não me revolta, porque o mercado audiovisual abriu-se, alternativas existem e outras vão surgir. Talvez algumas de qualidade.

Mas.

É preciso saber o que vai ser esse caderno de encargos que o governo vai passar ao privado que ficar com a RTP e principalmente definir o perfil desse privado. A linha de conteúdo continuará a mesma? Ou vai aparecer um canal como a TV Cultura brasileira, que é "mantida pela Fundação Padre Anchieta, uma fundação sem fins lucrativos que recebe recursos públicos, através do governo do estado de São Paulo, e privados, através de propagandas, apoios culturais e doações de grandes corporações" e tem uma programação bem cumpridora do que deve ser o serviço público?

Acabar com a RTP2 significa acabar com um canal, não com a sua linha de programação. O mistério não é o que vai acontecer com ela. É o que vai acontecer com a RTP1.

Tudo é iluminado? O cara**o. Tudo é bem escuro.

1. Hoje, 13h30. O rapaz que traz o almoço aqui entregou-me um pequeno flyer do candidato a vereador que ele apoia. Eu disse que não votava no Brasil. Ele não é chato, não insistiu. Perguntou à recepcionista da produtora se já tinha candidato. Ela disse que já tinha e ele guardou o flyer sem reclamar. Eu perguntei-lhe porque é que ele apoia esse candidato. Ele respondeu "porque o caminho dele... é o meu. O caminho de Cristo".

2. Ontem à noite, lendo o Público no Kindle antes de dormir. Do artigo sobre o apoio dos músicos portugueses às Pussy Riot, ficou-me na memória este depoimento:
Frágil, vocalista da banda punk Motornoise, acha que Portugal é “um país de manifestações no Facebook”. Lembra-se de “ver os milhares de pessoas que se juntaram para uma manifestação [‘Geração à rasca’], toda a gente ficou muito encantada com aquilo e a seguir mais nada”. “As pessoas não saem, não protestam, o Facebook para o português não podia calhar melhor”, conclui.


3. 27 de Julho de 2012. Um rapaz comum de 21 anos chamado Brett Cohen espeta uma partida monumental em Nova Iorque. Veste-se ao estilo ex-vencedor-do-american-idol e passeia-se pela baixa. Uns amigos fingem ser guarda-costas, entourage e fotógrafos, completando o disfarce. Os transeuntes caem que nem patinhos. As câmeras e os celulares disparam, as pessoas lembram os filmes em que o viram, as adolescentes gritam, um homem declara que adorou o seu último single. E Brett ficou calado enquanto deixava tudo acontecer à sua volta.
httpv://youtu.be/XYU1a0lTTTw

4. Julho de 1961. Inspirado pelo julgamento de Adolf Eichmann (o mesmo que levou Hannah Arendt ao conceito da banalidade do mal), Stanley Milgram começa uma experiência em Yale para avaliar até que ponto é que, perante uma figura de autoridade, alguém pode praticar atos contrários à sua consciência moral. Os testados tinham que dar choques elétricos de intensidade crescente a um sujeito, caso ele não conseguisse responder corretamente a uma série de perguntas. Era tudo mentira, mas os testados não sabiam. Se, incomodados pelos gritos de dor do ator, eles quisessem parar o teste, o investigador que os acompanhava diria só as seguintes frases nesta ordem:
- Por favor, continue.

- A experiência requer que você continue.

- É absolutamente essencial que você continue.

- Não há outra opção, você tem que continuar.
A experiência seria interrompida se ainda assim o testado ainda quisesse parar. Se isso não acontecesse, só terminaria depois de ele dar 3 choques de intensidade máxima, 450 volts. Os testados não eram indiferentes à suposta dor do sujeito: eles "suavam, tremiam, gaguejavam, mordiam os lábios, gemiam, cavavam as unhas na pele, e alguns até tiveram ataques de riso nervosos ou convulsões". Mas, contra todas as expectativas de Milgram, 65% deles chegaram à carga máxima.

Não sei bem como, mas eu sei que estas coisas estão ligadas. Eu sei, eu sei, eu sei, eu sei, eu sei.

Buracos

olho do cu

O Guia VICE Para Ser Gay diz
"Não sei de onde veio essa reputação de que os gays são frescos e maricas. Colocar seu pênis num buraco macio e rechonchudo autolubrificante que cheira a camomila é coisa de fresco e maricas. Levar uma piroca de 22 centímetros num buraco feito pra cagar não.".
Pouco depois, aparece-me a seguinte notícia:
Governo assume "buraco" de três mil milhões na receita fiscal
O Governo reviu em baixa a previsão da receita fiscal para 2012 em cerca de três mil milhões de euros - um pouco mais de 1,8% do PIB. É este o novo número que será apresentado à troika que regressa a Lisboa na próxima semana, escreve o Diário Económico. Contactado pelo Negócios, o Ministerio das Finanças diz que não comenta.
O Guia Vice fala dos buracos que são comidos. O Jornal de Negócios fala do buraco que nos come. Cada um escolha o seu.

Provavelmente, a melhor manifestação para a libertação das Pussy Riot


Aqui.

Rio de Janeiro, agora

Quando a constituição de um país democrático reconhece ser "livre a manifestação do pensamento", ele inclui nesse direito não ter que receber ameaças de morte por parte de polícias à paisana, certo? Ao que parece, não é isso que pensa a polícia do Rio de Janeiro.

Desde o dia 26 de Julho, um grupo de cidadãos livres está na rua, numa ocupação na frente da casa do Governador do RJ Sérgio Cabral Filho, na Delfim Moreira com a Rainha Guilhermina. Manifestam-se para exigir a sua prisão por aquilo que consideram ser os seus crimes, nomeadamente pelo seu envolvimento no caso da imobiliária Delta. Quem quiser saber todas as motivações do grupo, pode ir à sua página do Facebook.

httpv://www.youtube.com/watch?v=kwHIT8jaCmA

Numa democracia, as pessoas podem concordar ou não umas com as outras. E, numa democracia, os cidadãos e as forças policiais jogam permanentemente a tensão entre direito à expressão livre e o dever de manutenção da ordem pública. Isto são coisas normais. Estive em Londres em Novembro e vi a polícia dispersar uma manifestação do Occupy London na St. Paul's Cathedral. Os protestantes protestaram, a polícia avançou bem devagar, os ânimos aqueceram, mas não houve nenhum confronto. Isto é um jogo, que tem que ser jogado para que uma sociedade seja esclarecida sobre os diferentes pontos de vista quanto ao modo como ela se deve organizar.

Mas as regras do jogo são violadas quando polícias à paisana fotografam os manifestantes e ameaçam um deles dizendo "vocês querem morrer cedo...", que foi o que aconteceu ontem no Rio de Janeiro. E não adianta dizer "no Brasil é assim". Não existe "Brasil assim". Não existe "Portugal" ou "Europa assim". Os direitos estão consagrados e, se não são respeitados, cabe aos seus detentores fazer com que o sejam. As pessoas que estão neste preciso momento à frente da casa do Governador do RJ estão fazendo isso mesmo. Concorde-se ou não com o seu ponto de vista, eles têm o direito de expressá-lo. E, como um movimento de contestação válido não está tendo a cobertura devida pela comunicação social tradicional - o que, me apercebo tristemente, é cada vez mais normal neste país -, é preciso que blogs como este o façam.