Por mim, a TAP pode ir à vontade

Aqui vai a minha primeira queixa do Governo de esquerda em Portugal: eu não faria o mínimo esforço para impedir a privatização da TAP. Não conheço mais nenhuma companhia aérea estatal, não vejo a necessidade de uma companhia aérea ser estatal e não entendo porque a TAP tem que ser estatal. A ligação ao setor público não implica que os preços dos bilhetes sejam menores, não implica que o serviço seja melhor ou pior do que o de outras companhias e só serve para carregar o Estado com os prejuízos de um setor muito volátil às flutuações do mercado e que nem de longe se pode considerar transporte público. O que nunca deveria ter sido privatizado era a EDP, os serviços de saúde, as estradas. Agora, a TAP? Porquê?

Porque eu sou por um governo de esquerda

O meu avô ensinou-me a não confiar em políticos e, ao longo da minha vida, os políticos não fizeram grande coisa para me fazer mudar de ideias. Quero dizer, não à partida. Há três coisas de que gosto num político: ter princípios, não ter medo e saber-se mexer. Se me convencem disso, ótimo, e há muito tempo que não me convencem. Apesar disso, eu vejo com bons olhos a possibilidade deste governo de esquerda. Confio que governar acompanhado vai frear aquele impulsozinho chato do PS no poder de distribuir alegremente cargos e dinheiros aos amigos próximos. Quanto ao medo dos comunistas, só posso dizer que por uma vez sinto-me feliz por ter nascido depois do PREC e não ter esses fantasmas a pesarem-me nos ombros. Não acho que o PCP tenha maior capacidade de me decepcionar do que outro partido qualquer. De qualquer forma, nunca achei que comunistas fossem gente sem palavra - nem vi ninguém dizê-lo -, portanto, o respeito à Europa, até prova em contrário, está seguro, certo? Quanto ao resto, há uma frase de Camus que copio sem reservas: "sou de esquerda, apesar de mim e apesar da esquerda". Por favor, então, senhor Cavaco, com quem tenho uma bela história em comum, dê-me a satisfação imeeeeeensa de vê-lo acabar a sua presidência e a sua carreira política a mandatar um Governo de coligação de esquerda, ok?

Tudo igual

O povo queixa-se do governo, a alternativa ao governo é contestada, a sociedade está polarizada e há acusações mútuas demonizando o lado oposto. Portugal e Brasil estão iguais.

Estudioso

O meu último texto neste site é de Janeiro. E isso tem uma razão. Este ano, passei 122 dias em estúdio. Gravei quatro novas temporadas (e meia) de quatro programas. Passaram-me pelas mãos centenas de fichas de candidatos a participantes de reality show. Escrevi páginas e páginas de roteiro, horas e horas de televisão. Dezenas de pessoas choraram na minha frente enquanto as entrevistava. Terça feira será previsivelmente o meu último dia de gravação em 2015. Confesso que estou um pouco cansado. E também confesso que não trocaria isto por nada.

Sobre American Horror Story (aviso: contém spoilers)

A quarta temporada de American Horror Story terminou e só serviu para me confundir mais em relação à série. De todas as que sigo, é a que me deixa mais indeciso quando alguém me pergunta "Gostas?".

Os criadores e showrunners são o Ryan Murphy e o Brad Falchuk, autores do Glee.

O piloto da série era confuso e com um ritmo nervoso que não favorecia a série em nada. Foi dirigido pelo próprio Murphy, e ainda bem que depois vieram outros diretores e, quem sabe, outros roteiristas, com visões que acrescentaram valor à original.

A série ganhou mais suspense e menos choque, mais gestão da tensão e menos explosões de adrenalina, mais atenção ao subtexto (uma família disfuncional) e menos ao "supertexto" (uma casa assombrada).

A primeira temporada terminou ok, e a segunda, no manicômio, foi a melhor de todas, com um ambiente tensíssimo, uma curva muito bem amarrada e a clarificação de um dos elementos que mais me divertiu na série: um delírio sobre as convenções do gênero, misturando serial killers, médicos doentios, nazis, zumbis, et's e possessão satânica numa única história.

Quando a segunda temporada terminou, tinha AHS lá no alto. Mas, com a terceira, tudo se desmoronou.

Ela começou como a jornada de uma menina, uma "coming of age story".

Depois, a Jessica Lange, e a sua batalha com Angela Basset, tomou a dianteira.

Mas aí aconteceu a disputa entre as bruxas novinhas sobre quem viria a ser a nova bruxa mega master blaster, e as personagens principais começaram a matar-se e a voltar à vida e a morrer outra vez a tal velocidade que eu deixei de me importar. Queria mesmo era que aquilo acabasse o mais depressa possível.

No meio daquela salganhada, tudo podia acontecer. E não de um modo entusiasmante, como aconteceu na s02 de Twin Peaks antes de sabermos quem matara Laura Palmer, mas como aconteceu depois de sabermos, ou seja, um sentimento de "qualquer coisa pode tanto acontecer que me estou a cagar para o que acontece".

Para mim, o último episódio não foi uma conclusão. Foi uma eutanásia.

Esperei a quarta temporada com curiosidade. Ela seria a que viria clarificar todas as minhas opiniões, facilitar a minha decisão e juízo sobre a AHS. Mas não foi isso que aconteceu.

Ela começou bem. Apesar de ter dado muito foco nas gêmeas siamesas no primeiro episódio (parecia que ia ser a história da relação entre elas e a Jessica Lange), isso acabou por se perder. Como acabámos por entrar num coletivo, com mais personagens boas e fortes, acabei por não dar muita importância, mas isso começa a parecer um traço do AHS: entrar no universo e abstrair-se de uma linha principal.

Ou seja, como se os criadores estivessem a insistir no que foi o erro da terceira temporada para transformá-lo em marca estilística, com a correção de expandirem o universo e não fecharem simplesmente as personagens dentro de um casarão a matarem-se umas às outras.

Houve coisas ótimas.

Ambientar o freak show nos anos 50, em puro conflito com o mainstream americano de classe média suburbial.

Os pseudo clips de músicas que só apareceram depois do período de tempo retratado, como David Bowie ou Fiona Apple.

O igualmente atraente e repelente Dandy, que deu à série o melhor monólogo que ela já teve:
This body is America. Strong, violent, and full of limitless potential. My arms will hold them down when they struggle. My legs will run them down when they flee. I will be the US steel of murder. My body holds a heart that cannot love. When Dora died she looked right into my eyes and I felt nothing. The clown was put on Earth to show me the way. To introduce me to the sweet language of murder. But I am no clown. I am perfection. I am greatness. I am the future, and the future starts tonight.

E houve coisas terríveis.

A canção dos Nirvana que parece ter levado os autores a dizerem "fomos longe demais, isto não é Glee", porque os momentos musicais sumiram depois disso.

As surpresas sobre a moralidade das personagens, que cheiram mais a preguiça de as pensar do que à criação de uma ambiguidade que nos deixe na expectativa.

E, de novo, tantas personagens a ganharem protagonismo e a morrerem pouco depois (o que foi aquele ventríloco do Neil Patrick Harris?) que eu fui para o episódio final de novo sem grande entusiasmo e prontinho para desistir de AHS.

E a verdade é que duas coisas aconteceram nele que me desconcertaram.

A performance final da Jessica Lange, cantando Heroes do Bowie, fechou a curva da personagem dela na perfeição.

Ela mesma já não era o freak recém chegado do Life on Mars, mas a conquistadora vitoriosa da psique americana, que invadia semanalmente através da televisão.

Aí AHS reclamou de novo, e sem hesitar, o seu lugar como comentador da cultura popular dos EUA.

Mais importante, o massacre a sangue frio de Dandy no freak show parece quase auto-satírico, como se os próprios autores nos estivessem a dizer "as nossas personagens morrem do nada, porque a América mata a sua cultura do nada quando já não precisa dela".

Se o corpo de Dandy é a América, o vazio moral que o espetador sente quando vê uma personagem morrer é semelhante, não só ao vazio moral dele quando mata, mas também ao de quem apaga do mapa aquilo de que já não precisa em vez de construir a partir dele.

Uma coisa eu consigo dizer: o que falta a AHS é coerência.

Tem-lhe sido muito difícil concentrar-se numa linha narrativa, e sofre com isso.

No melhor, as suas digressões são extraordinárias; no pior, causam-nos indiferença.

Mas - e esta é a minha grande dúvida - e se suscitar essa indiferença perante o aleatório das vidas e mortes das suas personagens for a forma de a série nos acusar a todos de sermos cúmplices de uma cultura que banaliza a vida e a morte como mais um fait-divers, mais uma nota de rodapé no jornal, mais um minuto de televisão preenchido?

Se assim for, essa será a ironia máxima.

A série que começou por assumir os clichês do horror e que depois os misturou com prazer e humor acaba por dizer que a verdadeira "história de horror americana" não é a da violência ou da morte, mas a da sua redução ao zero e ao absurdo.

Mas será que é isso?

Os seis "Mas" do Charlie Hebdo

O massacre na redação do Charlie Hebdo revoltou-me.

Primeiro, porque eu entendo o que é sofrer pressão por algo que se escreveu, produziu, lançou para o mundo.

Acreditem ou não, sofro-a quando os realities que roteirizo têm um vencedor e todos os apoiantes do perdedor mandam à merda e insultam o canal e todos os que produziram o programa.

Sofri-a quando quis dizer o meu poema crítico sobre o Durão Barroso num evento que só por acaso aconteceu nas instalações da Comissão Europeia em Lisboa.

E sei que a posso sofrer em tudo o que fizer.

O princípio por trás disto é o mesmo do que aconteceu em Paris: alguém te vai sempre lembrar que há coisas que não se podem dizer.

Mas, para poder trabalhar, eu tenho que dizer coisas.

Se me pudesse dar ao luxo de pensar em toda a gente que pode ficar incomodada com o que escrevo, não conseguiria escrever nada.

Ou seja, não poderia trabalhar.

Segundo, eu sou um cidadão e, como tal, tenho uma consciência muito forte - decidam se é errada ou não - dos direitos que eu e todos temos para fazer e para dizer.

Por tudo isso, houve reações ao atentado que eu simplesmente não engulo.

1- "Estou chocado, mas a culpa é do Islão".

Uma vez, estava a almoçar em Paris.

Reparei num homem, sentado numa mesa próxima, em silêncio total.

Tinha uns 50 anos, bigode, um ar banal de quem saiu do trabalho e foi almoçar.

Estava tão quieto que pensei que tivesse adormecido à mesa.

Mas, de repente, ele levantou os olhos, pousou o livrinho que tinha na mão, esperou o que tinha de esperar pelo almoço, comeu e foi-se embora.

O livrinho era o Corão.

E aquele era o jeito possível de ele cumprir a sua oração a Meca.

Há 1.6 bilhões de muçulmanos no mundo.

Considerar que os seguidores de uma religião são responsáveis pelos atos criminosos de três dos seus integrantes é absurdo.

Eu nem sei quem eles representam. Alguém sabe quem eles representam, além deles mesmos?

Os irmãos Kouachi são muçulmanos que nasceram e cresceram em França.

E a política europeia de integração de imigrantes falha, sim, e tem que ser repensada e balizada pela tolerância e respeito mútuo, sim.

Mas quantos muçulmanos há em França que sofreram com a política de integração e não pegaram em armas para invadir um jornal?

Isto não foi um caso de imigrantes resistirem a polícias que entraram no bairro onde moram e os trataram, inocentes, como criminosos.

Isto foi um caso de fanáticos assassinarem a sangue frio pessoas que estavam numa sala a trabalhar só porque não gostavam do trabalho delas.

Confundir estes assassinos com o homem que eu vi almoçar em Paris é um insulto a ele, ao bom senso e à inteligência de todos nós.

2- "Estou chocado, mas a culpa é da globalização/geopolítica ocidental/EUA".

Houve quem dissesse que a culpa é do Bush filho e Bush pai. Da invasão do Iraque. Do apoio a Israel. Da ingerência ocidental no Médio Oriente.

Talvez tenham razão. Mas a Segurança Social também já teve ingerências bem chatas na minha vida e não foi por isso que entrei numa repartição e abri fogo.

Este argumento é vicioso, porque não responde a nada. E não responde a nada porque a ingerência não tem fim.

"Vocês desenharam Maomé", "Mas vocês explodiram o metro de Londres", "Mas o Bush invadiu-nos", "Mas vocês fizeram o 11 de Setembro", "Mas vocês estão feitos com Israel", mas vocês, mas vocês, mas vocês.

Quem define onde parar?

No Lawrence da Arábia? Na invasão do leste europeu pelo Império Otomano? Na expulsão dos mouros da Península Ibérica, que foi árabe quase 600 anos? Na invasão do Médio Oriente por Alexandre o Grande?

A culpa é de quem matou quem está morto, e ponto.

3- "Estou chocado, mas parte da culpa é dos cartunistas, porque atacavam o Islão".

Este argumento implica que se deve regrar o discurso pelo conteúdo.

E esquece que a democracia não foi construída para albergar respeitinhos ou consensinhos.

Ela foi construída para albergar choques.

Esses choques, numa sociedade democrática, dão-se nos tribunais. Nos órgãos representativos. No voto. Nas ruas, nos cafés, na internet. E na imprensa, claro.

O Charlie Hebdo satirizava quem precisasse de satirizar. Religiões, partidos políticos, chefes de Estado, a França.

E também satirizava muçulmanos. Porque não satirizar muçulmanos, afinal? Se satirizava judeus e cristãos, não o fazer seria, de certa forma, uma verdadeira discriminação.

Para quem não gosta, há um bom remédio.

Esse remédio é os tribunais com que se pode processar um jornal, a imprensa em que se pode responder ao jornal, a legislatura que pode criar leis que protejam quem se sentir vítima de um jornal.

E não precisa de Ak-47s.

4- "Estou chocado, mas ironia e sátira não são construtivas".

Este argumento quer regrar o discurso, não pelo conteúdo, mas pelo tipo.

Ele implica que a ironia e a sátira são um discurso de dentro para dentro, que não potencia o diálogo e que o nosso mundo só poderá melhorar se pudermos dialogar com o diferente.

Ele pretende ignorar que a sátira e a ironia geram o riso, mas também o desconforto. Que a provocação gera o pensamento. E que o pensamento gera a discussão.

Por isso é que o humor não é apreciado por ditaduras. Ou por fundamentalistas. Ou por terroristas.

Como se dialoga com terroristas, humoristicamente ou não?

E, além do mais, quem tem autoridade para dizer que tipo de discurso é mais ou menos válido? Eu? Tu? Ele?

Aceitar a liberdade de expressão é aceitar, simplesmente, que a expressão é livre. Que expressar o desacordo é livre. Que uma sociedade esclarecida é mais completa do que a que não o é.

Alguém pode perguntar "E se a sociedade não estiver pronta?".

E eu respondo: com toda a gente calada, ela nunca vai estar.

Não existem discursos mais ou menos meritosos. Só mais e menos arriscados.

5- "Estou chocado, mas ninguém se lembra dos outros jornalistas que morrem por aí e das pessoas todas assassinadas em conflitos pelo mundo".

Assim se diz como quem não quer a coisa que as pessoas são indignas de se indignarem.

Na pior perspectiva, isto é sentimentalista e baixo.

Na melhor, isto passa por cima de uma diferença fundamental do que aconteceu em Paris.

Quem escreve, grava, difunde, ou opina numa sociedade livre, jornalista ou não, sente-se posto em causa mais pelo que aconteceu no Charlie Hebdo. Porquê?

Porque isto não foi um jornalista atingido por uma bala perdida, assassinado numa esquadra ou que aparece furtivamente enforcado em casa no momento em que se preparava para lançar uma notícia sobre um político corrupto.

Essas pessoas merecem o nosso respeito e memória e a sua morte não vale menos do que a de ninguém.

Tal como não vale menos do que a sua morte a de polícias. Ou a de soldados. Ou a de civis. Ou a de qualquer pessoa que morre injustamente.

Mas pensem que os assassinos não gritaram "Matamos o Charb", ou o Cabu, ou o Wolinski, ou o Tignous.

Eles gritaram "Matamos o Charlie Hebdo".

Eles não queriam apenas eliminar uma voz incômoda, mas dizer "este lugar já não é seguro para fazer o que faz". E, como tal, mais nenhum o é.

Em vez de um jornal, poderia ter sido uma igreja. Uma sinagoga. Uma mesquita. Ou uma escola.

Poderia ser qualquer representante de qualquer bastião que consideramos necessários para a nossa sociedade democrática funcionar.

Portanto, isto foi um ataque à nossa ideia de democracia, sim, e por isso mais espantoso, e por isso mais memorável.

6- "Estou chocado, mas há muitos hipócritas que agora dizem 'Je Suis Charlie'".

É verdade, há gente hipócrita.

E eu só tenho a dizer que espero que não o estejam a ser quando dizem isso.

Afinal, diferentes valores juntam-nos a pessoas diferentes.

Se pessoas de quem não gosto se chocaram com o que aconteceu, pelo menos sei que temos isso em comum.

Se assim for, espero que isso lhes tenha servido para pensar na vida e serem menos hipócritas no futuro.

Se não forem, pelo menos saberão que não podem mandar ninguém calar-se.

Resposta no Facebook a um amigo brasileiro que não gosta de Breaking Bad

Olha, cara, você tem razão, chega de jogo social.

Eu adorei Breaking Bad. Assisti em série os 62 episódios em 2 semanas. Tive crise de abstinência depois do final e fiquei catando documentário e making of durante um mês para continuar sobrevivendo.

Por isso, seria de esperar que eu tentasse convencer quem não gostou, como você, de que a série é ótima, que o equilíbrio na composição das personagens é incrível, que o longo e frágil processo de aprendizagem para o mal achou nela o formato perfeito para ser contado, que o Walter White é um anti-herói tão bom que até o espectador fica em contradição moral, que o arco da série está mais fechado do que puteiro de mafia coreana, que os episódios Fly e Ozymandias foram das melhores horas de televisão que eu vi na minha vida.

Eu poderia falar isso tudo, mas, sabe que mais? Eu realmente não quero saber. Sério, tô nem aí. Caguei. Tem tanta coisa para assistir aí que, se você não gosta, você não gosta. Eu adoro Mad Men, eu adorei Six Feet Under, e eu sei lá se são melhores ou piores. Qual é o critério para dizer se é pior ou melhor? Afinal, todos são produtos da mentalidade americana de virada de milênio, encabeçados por uma personagem masculina com dificuldades de conjugação entre aquilo que é e aquilo que os outros vêem nela. Qualidade menor ou maior? Não compro esse papo. A partir de um determinado nível, parece que estamos discutindo qualidade quando na verdade estamos discutindo empatia, e arrumando argumentos e pagando de douto para justificar afetos. Uns seriados põem mais peso na caraterização de personagem, outros no enredo, outros na arte - lembra de Pushing Daisies?, lembra de Carnivale? -, e aí?, vai falar para a única pessoa que você conhece que adorou Pushing Daisies ou Carnivale que isso não é legítimo porque as personagens não são credíveis? Ou eu vou falar para você sobre Deadwood, dizer que, tudo bem, a série tem seus méritos claros, mas que a ambiguidade moral do Walter White é melhor elaborada que a do Al Swearengen, que o Seth Bullock é um babaca que deveria ser coadjuvante e olha lá, que a série fica derrapando sem saber para onde ir durante 3 episódios depois da morte do Wild Bill Hickock, que cocksucking isto e cocksucking aquilo poderia ter chegado há 10 anos mas não chega mais? Que importa eu dizer isso tudo, se a tua brisa nunca vai ser a minha brisa e, por mais que você fala elogiando e eu deselogiando, nunca vamos conseguir trocar de brisas?

Talvez eu tenha pena que você não tenha sentido o mesmo que eu quando assisti o negócio, aquela excitação prévia de trocar de mundos, a sensação de que sou um escolhido por viver numa época em que posso desfrutar dessa história, como se ela tivesse sido feita só para mim. Mas, pensando bem, não tenho nem um pouco. Tudo bem, você acaba sendo menos uma pessoa com quem posso conversar sobre a série, mas também, quê, 30 minutos de conversa descrevendo cenas que nem dois tontinhos? Quem precisa disso mais, né. Já acho estúpido ficar discutindo que time brasileiro é melhor (porque o meu Benfica é melhor que todos juntos, claro), agora vou ficar discutindo que série é melhor. Sei que Black Mirror é inquietante. Sei que Sherlock é muito divertida. Sei que Louie é encantadora. Agora, melhor, não sei.

UMA SEMANA COM JACK NOHAYBANDA: o final

Hoje termina UMA SEMANA COM JACK NOHAYBANDA.

Isso não significa que o livro vai deixar de ser vendido, mas apenas que o preço promocional terminou. Ou seja, se ele custava o equivalente a um maço de cigarros, agora vai custar o equivalente a dois maços de cigarros. Se não conseguiram comprá-lo antes, podem fazê-lo agora, tanto no Brasil como no resto do mundo.

Lancei este meu primeiro ebook quase como uma experiência. No final, as minhas expectativas foram largamente ultrapassadas, quer na atenção que recebi nas redes sociais como nas compras!

Agradeço a todos que compraram, que leram, que viram os vídeos e que, de uma forma ou de outra, se interessaram pelo projeto. O futuro trará novidades, por isso fiquem ligados na página do livro no Facebook.

A todos, um grande abraço e até já.

UMA SEMANA COM JACK NOHAYBANDA: Capítulo 1

UMA SEMANA COM JACK NOHAYBANDA é um livro de Jorge Vaz Nande. Para informações, atualizações diárias, vídeos exclusivos e material de produção, curtam a página do livro no Facebook.

Este é o primeiro capítulo:
1. o homem e o seu compromisso
A cabeça de Jonas doía. O aeroporto, as caras flutuantes, a neblina fria da manhã, os olhos pesados. O sono aquecia-lhe a testa, a saliva fermentava de preguiça nos cantos interiores da boca, nos intervalos côncavos entre a gengiva e a bochecha. Jonas pensava nunca mais chegam, e olhava para os casacos coloridos das mulheres.

Havia ausência, mas também inveja: Jonas nunca tinha ido a um lugar e desconhecia o cheiro de um avião. Aquela gente, a outra, estava para além dele. Jonas era-lhes menor.

Jonas segurava uma folha de cartolina onde estava escrito “JACK NOHAYBANDA”. As letras, grandes, mas sem escândalo. A situação era simples. Jonas não conduzia limusinas, não representava uma grande empresa, era só o faz-tudo de outro homem; Nohaybanda era um cowboy milionário interessado em comprar a Lagoa; e a Lagoa estava arrumada há muito tempo na última pasta da última gaveta do arquivo. Era algo a despachar, rapidamente.

Na memória, a voz fria do patrão. O medo. Jonas devia temer Nohaybanda, porque Nohaybanda era-lhe maior e porque não sabia o que esperar de Nohaybanda e de si próprio, Jonas, quanto a Nohaybanda. Jonas temia Nohaybanda e, naquele momento, pensava em aproveitar a desculpa de não o conhecer para ainda mais o temer. Jonas, portanto, apenas se permitia sentir sob o pretexto de licenças. Estas podiam ser as que ele atribuísse a si próprio e, como resultado, era normal que os fins dos dias lhe doessem de infelicidade.

Ouviam-se aviões de vez em quando. Jonas não sabia se descolavam ou aterravam, mas tinha sensações, e Jonas não gostava de sensações sobre acontecimentos cujas verdadeiras implicações lhe falhavam. Por isso, tentava ignorá-los, observando sem cessar as outras pessoas que tinham atravessado a manhã fria para estarem ali, a seu lado, na coincidência vã de por ele serem observadas sem cessar. Jonas gostava de seguir mulheres com o olhar e gostava de seguir os olhares dos homens que seguiam mulheres com os olhares, porque, maior diversão do que a de olhar para uma mulher tentando que ela não percebesse que ele a olhava, era a de vigiar vinte homens hipnotizados nesse acto. Mas, a bem dizer, aquela manhã era fria, o nevoeiro enchia de chatice as coisas e o aeroporto estava vazio de mulheres que merecessem olhar-se para elas. Enfim, havia gordas coradas na fila dos táxis e duas adolescentes louras de mochilas às costas e calções curtos que tresandavam a engano de quem esperava país quente; nada de realmente interessante. Por outro lado, Jonas sentia as pessoas na nuca, sentia-as a julgá-lo e à sua folha de cartolina com “JACK NOHAYBANDA” escrito, a ditarem-lhe passado, presente e futuro em pensamento, a adivinhar-lhe a baixeza de salário, e Jonas pensava

um homem sem compromisso, com uma mala na mão, está comprometido com o destino da mala

e tentava descobrir se conhecera a frase num filme ou num livro ou dita por alguém, mas não conseguiu alcançar solução e teve de continuar a existir na dúvida.

Jonas passou a mão pela cabeça: o gel que usava, em quantidades que o satisfaziam, mas também faziam temer pela iminência da calvície – parte dele ficou-lhe na mão, lembrando-o de repente que havia um corpo para além das lembranças e dos jogos mentais. Que não fiques prisioneiro de ti próprio, tinha-lhe dito Susana (e disso, sim, lembrava-se), que esse é o melhor passo para a loucura, tinha ela continuado, que estou farta de todos os doidos na rua que me cumprimentam sem nunca me terem visto e que me chamam mãe apesar de terem o dobro da minha idade, não quero que te tornes num deles, não quero um dia destes tropeçar em algo que deveria estar morto e olhar para baixo e encontrar-te a pedir uma esmola, ouviste, e ele acenava, acenava então no aeroporto também, acenava com os olhos quase a fecharam-se-lhe, a folha de cartolina suspensa nas mãos como um rosário, e só parou de acenar e abriu os olhos quando alguém lhe perguntou alguma coisa em inglês e à sua frente estava Jack Nohaybanda, cowboy americano.
És o Jonas,
sim, pensou Jonas, sou quem você diz que sou, aquele que o vai guiar por esta terra de viúvas de homens vivos e de sonhos de ouro francês, que lhe vai mostrar a merda que os cães vadios foram fazendo nas margens enlameadas da Lagoa, sou eu, sim, sou o seu chaperone, escolhido por saber o inglês, escolhido por ser letrado, eu, que nunca fui a um lugar, que sonho com mulheres que não terei, que me divirto com os pecadilhos dos homens, que desprezo os pecadilhos dos homens.

Jonas tentou espertar os olhos. Soltou a mão direita da folha de cartolina, cumprimentou Nohaybanda, que era alto e cowboy, com chapéu de cowboy, olhos esmeraldinos de cowboy, casaco comprado com dinheiro de petróleo de cowboy, e Jonas desviou a cabeça quando se apercebeu do sorriso escarninho da boca dele.
Esperemos pela minha mulher, O.K.,
mas Jonas não sabia deste pormenor e isso não o deixava muito bem disposto. Ele não queria assumir responsabilidades pela estadia de uma mulher, pois isso significava que depois viria a ser avaliado à luz de dois critérios, o do homem, que ele entendia, e o da mulher, que lhe era estranho. Com que então há uma mulher, pensava Jonas, e será que a mulher que há é aquela de casaco de peles branco mesmo a pedir um activista que lhe atire com um balde de tinta vermelha, e que anda através das pessoas e dos homens como se conhecesse o caminho desde o momento em que veio ao mundo, e que no seu andar de gata assenhorada rompe as ondas dos olhares como o Moisés fez com as águas do Mar Vermelho, será aquela morena que ali vem de enormes óculos escuros e lábios finos pintados de vermelho escuro, a mesma que se aproxima de Nohaybanda e o beija no pescoço e estende a mão na minha direcção e diz
Sou Paola,
sim, deve ser essa a mulher, porque ela nunca me diria o seu nome se assim não fosse e, mesmo que o fizesse, eu não teria coragem para lhe responder,
Jonas, encantado,
espantoso,
pensava Jonas, espantoso, e pegou-lhe nas malas. Nohaybanda, claro, sorria, porque já conhecia todas as variações nas reacções dos homens ao conhecimento de Paola, e, de repente, Jonas apercebeu-se: tudo tinha mudado, a neblina tinha-se dissipado e o dia, frio como um túmulo, deixava no entanto o sol nascer e iluminar as pessoas com raios de ferro.

Paola e o marido seguiam Jonas. Andavam lentos, mas constantes, cautelosos, atentos. Estrangeiros. Jonas envergonhava-se e sentia-se limitado naquilo que podia dizer e na coreografia que deveria dar aos seus movimentos, mas apercebia-se: os seus olhos tinham-se finalmente aberto e expulsado o sono, porque uma mulher bela dependia dele. Também é verdade que este era pensamento que lhe dava para pouco, e no segundo seguinte, depois de um tique de cabeça e uma espreitadela rápida ao corpo de Paola, Jonas pensou que ela não tinha nenhum interesse nele e que era irrazoável ocupar a imaginação com mentiras. Mas, ultrapassadas as portas de vidro que se abriam sozinhas à saída do aeroporto e postas as malas do casal no porta-bagagens, já Jonas tinha virado a cabeça para Paola mais vezes do que o zelo de anfitrião podia justificar.

Jonas abriu a porta a Nohaybanda, o milionário, e a Paola, sua mulher. A saia dela levantou-se ligeiramente quando entrou, mas Jonas foi discreto no espreitar. Fechou a porta e olhou para a linha parda, negra e verde de táxis que, ao fundo, esperava por clientes para ganhar a vida. Eram carros sujos, quase mortos. Jonas entrou e arrancou. Depois, recomeçou o processo de se lembrar da frase em que tinha pensado durante toda a manhã de neblina: nunca mais chegam, nunca mais chegam. Perdeu-se das palavras quando Nohaybanda lhe perguntou algo sem importância e nunca mais na vida voltaria a pensar no assunto.

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Terça feira começa

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