UMA SEMANA COM JACK NOHAYBANDA: Capítulo 1

UMA SEMANA COM JACK NOHAYBANDA é um livro de Jorge Vaz Nande. Para informações, atualizações diárias, vídeos exclusivos e material de produção, curtam a página do livro no Facebook.

Este é o primeiro capítulo:
1. o homem e o seu compromisso
A cabeça de Jonas doía. O aeroporto, as caras flutuantes, a neblina fria da manhã, os olhos pesados. O sono aquecia-lhe a testa, a saliva fermentava de preguiça nos cantos interiores da boca, nos intervalos côncavos entre a gengiva e a bochecha. Jonas pensava nunca mais chegam, e olhava para os casacos coloridos das mulheres.

Havia ausência, mas também inveja: Jonas nunca tinha ido a um lugar e desconhecia o cheiro de um avião. Aquela gente, a outra, estava para além dele. Jonas era-lhes menor.

Jonas segurava uma folha de cartolina onde estava escrito “JACK NOHAYBANDA”. As letras, grandes, mas sem escândalo. A situação era simples. Jonas não conduzia limusinas, não representava uma grande empresa, era só o faz-tudo de outro homem; Nohaybanda era um cowboy milionário interessado em comprar a Lagoa; e a Lagoa estava arrumada há muito tempo na última pasta da última gaveta do arquivo. Era algo a despachar, rapidamente.

Na memória, a voz fria do patrão. O medo. Jonas devia temer Nohaybanda, porque Nohaybanda era-lhe maior e porque não sabia o que esperar de Nohaybanda e de si próprio, Jonas, quanto a Nohaybanda. Jonas temia Nohaybanda e, naquele momento, pensava em aproveitar a desculpa de não o conhecer para ainda mais o temer. Jonas, portanto, apenas se permitia sentir sob o pretexto de licenças. Estas podiam ser as que ele atribuísse a si próprio e, como resultado, era normal que os fins dos dias lhe doessem de infelicidade.

Ouviam-se aviões de vez em quando. Jonas não sabia se descolavam ou aterravam, mas tinha sensações, e Jonas não gostava de sensações sobre acontecimentos cujas verdadeiras implicações lhe falhavam. Por isso, tentava ignorá-los, observando sem cessar as outras pessoas que tinham atravessado a manhã fria para estarem ali, a seu lado, na coincidência vã de por ele serem observadas sem cessar. Jonas gostava de seguir mulheres com o olhar e gostava de seguir os olhares dos homens que seguiam mulheres com os olhares, porque, maior diversão do que a de olhar para uma mulher tentando que ela não percebesse que ele a olhava, era a de vigiar vinte homens hipnotizados nesse acto. Mas, a bem dizer, aquela manhã era fria, o nevoeiro enchia de chatice as coisas e o aeroporto estava vazio de mulheres que merecessem olhar-se para elas. Enfim, havia gordas coradas na fila dos táxis e duas adolescentes louras de mochilas às costas e calções curtos que tresandavam a engano de quem esperava país quente; nada de realmente interessante. Por outro lado, Jonas sentia as pessoas na nuca, sentia-as a julgá-lo e à sua folha de cartolina com “JACK NOHAYBANDA” escrito, a ditarem-lhe passado, presente e futuro em pensamento, a adivinhar-lhe a baixeza de salário, e Jonas pensava

um homem sem compromisso, com uma mala na mão, está comprometido com o destino da mala

e tentava descobrir se conhecera a frase num filme ou num livro ou dita por alguém, mas não conseguiu alcançar solução e teve de continuar a existir na dúvida.

Jonas passou a mão pela cabeça: o gel que usava, em quantidades que o satisfaziam, mas também faziam temer pela iminência da calvície – parte dele ficou-lhe na mão, lembrando-o de repente que havia um corpo para além das lembranças e dos jogos mentais. Que não fiques prisioneiro de ti próprio, tinha-lhe dito Susana (e disso, sim, lembrava-se), que esse é o melhor passo para a loucura, tinha ela continuado, que estou farta de todos os doidos na rua que me cumprimentam sem nunca me terem visto e que me chamam mãe apesar de terem o dobro da minha idade, não quero que te tornes num deles, não quero um dia destes tropeçar em algo que deveria estar morto e olhar para baixo e encontrar-te a pedir uma esmola, ouviste, e ele acenava, acenava então no aeroporto também, acenava com os olhos quase a fecharam-se-lhe, a folha de cartolina suspensa nas mãos como um rosário, e só parou de acenar e abriu os olhos quando alguém lhe perguntou alguma coisa em inglês e à sua frente estava Jack Nohaybanda, cowboy americano.
És o Jonas,
sim, pensou Jonas, sou quem você diz que sou, aquele que o vai guiar por esta terra de viúvas de homens vivos e de sonhos de ouro francês, que lhe vai mostrar a merda que os cães vadios foram fazendo nas margens enlameadas da Lagoa, sou eu, sim, sou o seu chaperone, escolhido por saber o inglês, escolhido por ser letrado, eu, que nunca fui a um lugar, que sonho com mulheres que não terei, que me divirto com os pecadilhos dos homens, que desprezo os pecadilhos dos homens.

Jonas tentou espertar os olhos. Soltou a mão direita da folha de cartolina, cumprimentou Nohaybanda, que era alto e cowboy, com chapéu de cowboy, olhos esmeraldinos de cowboy, casaco comprado com dinheiro de petróleo de cowboy, e Jonas desviou a cabeça quando se apercebeu do sorriso escarninho da boca dele.
Esperemos pela minha mulher, O.K.,
mas Jonas não sabia deste pormenor e isso não o deixava muito bem disposto. Ele não queria assumir responsabilidades pela estadia de uma mulher, pois isso significava que depois viria a ser avaliado à luz de dois critérios, o do homem, que ele entendia, e o da mulher, que lhe era estranho. Com que então há uma mulher, pensava Jonas, e será que a mulher que há é aquela de casaco de peles branco mesmo a pedir um activista que lhe atire com um balde de tinta vermelha, e que anda através das pessoas e dos homens como se conhecesse o caminho desde o momento em que veio ao mundo, e que no seu andar de gata assenhorada rompe as ondas dos olhares como o Moisés fez com as águas do Mar Vermelho, será aquela morena que ali vem de enormes óculos escuros e lábios finos pintados de vermelho escuro, a mesma que se aproxima de Nohaybanda e o beija no pescoço e estende a mão na minha direcção e diz
Sou Paola,
sim, deve ser essa a mulher, porque ela nunca me diria o seu nome se assim não fosse e, mesmo que o fizesse, eu não teria coragem para lhe responder,
Jonas, encantado,
espantoso,
pensava Jonas, espantoso, e pegou-lhe nas malas. Nohaybanda, claro, sorria, porque já conhecia todas as variações nas reacções dos homens ao conhecimento de Paola, e, de repente, Jonas apercebeu-se: tudo tinha mudado, a neblina tinha-se dissipado e o dia, frio como um túmulo, deixava no entanto o sol nascer e iluminar as pessoas com raios de ferro.

Paola e o marido seguiam Jonas. Andavam lentos, mas constantes, cautelosos, atentos. Estrangeiros. Jonas envergonhava-se e sentia-se limitado naquilo que podia dizer e na coreografia que deveria dar aos seus movimentos, mas apercebia-se: os seus olhos tinham-se finalmente aberto e expulsado o sono, porque uma mulher bela dependia dele. Também é verdade que este era pensamento que lhe dava para pouco, e no segundo seguinte, depois de um tique de cabeça e uma espreitadela rápida ao corpo de Paola, Jonas pensou que ela não tinha nenhum interesse nele e que era irrazoável ocupar a imaginação com mentiras. Mas, ultrapassadas as portas de vidro que se abriam sozinhas à saída do aeroporto e postas as malas do casal no porta-bagagens, já Jonas tinha virado a cabeça para Paola mais vezes do que o zelo de anfitrião podia justificar.

Jonas abriu a porta a Nohaybanda, o milionário, e a Paola, sua mulher. A saia dela levantou-se ligeiramente quando entrou, mas Jonas foi discreto no espreitar. Fechou a porta e olhou para a linha parda, negra e verde de táxis que, ao fundo, esperava por clientes para ganhar a vida. Eram carros sujos, quase mortos. Jonas entrou e arrancou. Depois, recomeçou o processo de se lembrar da frase em que tinha pensado durante toda a manhã de neblina: nunca mais chegam, nunca mais chegam. Perdeu-se das palavras quando Nohaybanda lhe perguntou algo sem importância e nunca mais na vida voltaria a pensar no assunto.

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Terça feira começa

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Manuel Luís Goucha: "viado" ou "veado"?

Manuel Luís Goucha recebeu uma mensagem insultuosa no Facebook. Ele respondeu com classe - mas errou num ponto.
https://www.youtube.com/watch?v=3W39frklQEI
"Panuleiro" é claramente um erro no insulto português "paneleiro", mas cabe dizer que "viado", com "i" mesmo, é um insulto usado contra os homossexuais no Brasil. E ele não vem do animal "veado", se bem que a semelhança fônica tenha levado às derivações "bambi" ou "24" (número do veado no jogo do bicho).

Citando o site GLS Dois Perdidos Na Noite: "viado vem de "desviado" (na acepção religiosa) ou de "transviado" (na acepção moral), termos que eram usados para se referir ao homossexual.". O site dá como exemplo uma canção do Ney Matogrosso e eu acrescento a famosa marchinha de Carnaval "Cabeleira do Zezé":
Será que ele é bossa nova?
Será que ele é Maomé?
Parece que é transviado
Mas isso eu não sei se ele é

Portanto, "viado", na acepção usada, está correto e Manuel Luís Goucha errou. O homem que o insultou gratuitamente no Facebook poderia retorquir dessa forma. Isto, claro, se ele não fosse um imbecil.

Atualização

oespelhodentrodoespelho

A espada partida de D. Afonso Henriques

Isto foi o que se disse primeiro: Tiago Freitas embebedou-se, partiu a espada da estátua de D. Afonso Henriques e gritou "eu é que sou o rei".

Havia algo estranhamente simbólico nisto, não havia? Um homem jovem, num país que se sente torturado e manietado há tanto tempo, tomando a espada do seu fundador e reclamando ser rei. Como se, mesmo que por acidente, a juventude esquecesse o respeitinho ao passado para reconquistar o rumo do país. Que importa que estivesse bêbedo? Como Nietzsche disse sobre a embriaguez:
O homem que se encontra nesse estado transforma as coisas até elas refletirem sua potência: até elas serem o reflexo de sua perfeição.

Tiago agora deu a sua versão: não estava embrigado, só queria tirar uma fotografia lá em cima, desequilibrou-se e segurou a espada, que acabou por se partir. E foi a polícia, não ele, que disse que agora ele é que era rei.

[youtube https://www.youtube.com/watch?v=ViSrsaCA2zo&w=640&h=360]

Acho plausível. E fico triste. A história poderia ser de um país arrancando a espada do seu passado e tomando de volta o seu futuro. Afinal, parece que é o contrário: o soldado fundador largou a sua espada.

Neste e a este presente, ele rendeu-se.

A vida depois da morte

Em momentos dolorosos, quando perco um familiar ou uma pessoa próxima, eu gostaria de acreditar que ela foi para um lugar bom. O fato de ter sido criado católico faz-me querer que ela esteja com as pessoas que ela amava falecidas antes dela, e que eu poderei encontrar todas à minha espera um dia. Essa imagem conforta-me e ajuda-me a superar o luto.

Mas eu não sei se será assim mesmo.

Eu penso que não existe um céu ou um inferno. Mas eu também penso que não se acaba tudo no momento em que expiramos pela última vez. Isso por duas razões.

A primeira é que nós deixamos algo. A história de escrever um livro, ter um filho, plantar uma árvore, por exemplo. Querendo ou não, esses são os três únicos jeitos em que conseguimos adicionar algo ao mundo. Principalmente nos dois primeiros: um que vai do imaterial ao material (um livro apela ao pensamento, que apela, de uma forma ou outra, à ação concreta) e outro que vai do material ao imaterial (gerar um novo corpo que incorporará um espírito). A nossa presença não se extingue no momento em que morremos e vai mudar o futuro por consequência.

A segunda razão é que o nosso corpo é material orgânico e, como todo o material orgânico, ele faz parte da Natureza. E como na Natureza nada se perde e tudo se transforma, ele também se vai transformar e alimentar o mundo. As células do nosso organismo perecido vão fermentar, carregar a atmosfera, transformar-se em árvores, em plantas. Estas vão alimentar animais, e estes vão alimentar outros animais, E estes um dia também vão deixar a vida e alimentar o círculo uma e outra vez, até ao infinito.

Por isto, nós acessamos a transcendência e a plenitude. Nós mesmos somos presente, passado e futuro. Existimos agora, incorporando tudo o que já viveu antes e em nós está aquilo que enformará o que vai existir depois.

Se isto não é vida eterna, eu não sei o que é.

Dito isto, acho que a verdadeira pergunta que se faz quando nos perguntamos sobre se há vida depois da morte é "até que ponto é que a consciência persiste depois da morte". Ou seja, se nós continuamos a ter uma noção de nós mesmos depois que a nossa carne se extingue. Esta pergunta eu não sei responder.

De qualquer forma, acho que o envelope que aparece nesta cena é bem mais sério do que pode parecer.
[youtube https://www.youtube.com/watch?v=qBArMmngVH4&w=560&h=315]

Deus

Eu acho que deus é o acaso. Mas o acaso não é uma aleatoriedade solta, se pensarmos bem. Ele também obedece a regras.

Pensemos numa situação em que diríamos que o acaso funciona. Apanhamos um avião e por acaso encontramos um amigo no mesmo avião. O fato foi completamente aleatório, mas, ao mesmo tempo, ele obedece a regras. Há um número definido de aviões circulando no mundo e temos um número definido de amigos. Todos podemos viajar de avião. Temos interesses em comum, incluindo destinos que achamos interessantes. Se quisermos subir um degrau no que essas regras podem ser, nenhum de nós pode abrir asas e voar, por isso dependemos de aviões se quisermos percorrer uma distância longa. E não podemos estar e não estar num lugar ao mesmo tempo, por isso, se ambos estamos num avião, nenhum de nós pode, ao mesmo tempo, não estar nele e evitar encontrar o outro.

É risível ser tão específico, mas só quero dizer que a nossa existência no mundo físico está limitada pelas regras físicas desse mesmo mundo. O meu movimento, e o do meu amigo, têm um número incalculável, mas previsivelmente limitado, de variáveis.

Isto não serve para dizer que tudo está escrito e é incontornável. Mas, mesmo que nem tudo seja possível, muita coisa é possível.

Um exemplo nem tão esdrúxulo: uma vez um amigo disse-me "Nande, descobri uma coisa que vais achar interessante". Só para ser jocoso, disse o pensamento mais estranho de que me lembrei: "Por acaso tem a ver com o princípio de incerteza de Werner Heisenberg?". O meu amigo ficou parado, perplexo, e, antes de romper à gargalhada, disse "Tem. Merda!".

Foi uma das trocas de palavras mais estranhas que tive na vida, mas houve razões aleatórias para ela. Ambos nos interessávamos por coisas enviesadas; ambos ouvíramos por acaso falar de Heinseberg recentemente, eu por um filme e ele por um site; ele conhecia os meus interesses; eu queria fazer palhaçada. Se algum destes fatos não tivesse acontecido, a conversa não teria acontecido. Estava escrito que teríamos essa conversa? Não. Mas havia uma probabilidade remota dela acontecer no reino das probabilidades.

Uma série de ciências poderiam contribuir para analisar a probabilidade desta conversa. A psicologia poderia analisar nossas psiques. A neuromedicina, como os nossos cérebros processam o interesse e o conhecimento. A antropologia, a sociologia, a biologia social poderiam debruçar-se sobre a nossa vida em sociedade e como o nosso contato nos levou a esse momento.

E a religião - não enquanto organização que inventa estratégias para garantir a sua sobrevivência (isso não me interessa mesmo nada), mas enquanto um conjunto de crenças e doutrinas - também poderia dar-nos uma resposta, ou melhor, uma finalidade, dizendo que nada acontece por acaso e tudo faz sentido no grande desígnio e vontade de Deus. E eu acho que isso seria verdade, mas provavelmente não pelos motivos que a religião me daria. Não acho que haja um homenzinho barbudo numa nuvem a apontar o dedo aqui para baixo e a ditar o que acontece, apesar de essa metáfora facilitar muito a explicação, algo em que as religiões foram muitas vezes geniais.

O que eu acho que isso realmente quer dizer é que tudo faria sentido se considerássemos o conjunto de mecânicas do mundo. A totalidade delas é-nos vedada, porque elas são muitas e as possibilidades que elas abrem são inúmeras. Mas muitos ditames religiosos que conheço parecem-me explanações do mesmo princípio. "Não questionarás os desígnios de deus" é um. "Deus é omnipotente, omnipresente e omniciente" é outro. Se pensarmos que deus é as mecânicas do mundo, as enésimas normas conhecidas e desconhecidas que regem a existência de tudo o que existe, desde a gravidade até ao magnetismo, desde a formatação do corpo pelo espírito e do espírito pelo corpo, dos efeitos do comportamento nas outras pessoas e em nós mesmos - se Deus for tudo isso, é claro que ele é omnipotente, omnipresente e omnisciente, porque ele realmente é tudo. Ou melhor: tudo é ele.

Não acreditar numa criatura superior faz de mim ateu? Eu acho que não, porque eu acredito numa transcendência, que é comum a todos nós, às ciências, às religiões, a tudo. Nós nunca vamos realmente entender todas as razões porque as coisas acontecem como acontecem, mas essas razões existem e definem um padrão tão complexo que nenhum sistema de conhecimento isolado as poderia abarcar, e isso inclui a religião. Acho que, pensando assim, posso recusar as metáforas ou representações de Deus das religiões que conheço, mas chego perto do significado delas. Mais do que eu não ter religião, acho mais certo dizer que não há religião que me tenha.

Um português olhando a campanha brasileira

Primeira impressão: a campanha dura muito. Muito MESMO. Em Portugal, são 12 dias de campanha oficial. No Brasil, são 3 meses. Sim, oficialmente a campanha começou em 6 de Julho e as eleições são em 5 de Outubro. Eu sei que são muitos candidatos e muitas eleições ao mesmo tempo, mas 3 meses?...

Eu diria que diminuir a duração da campanha serviria também para diminuir o número de dinheiro irregular desviado durante a campanha. Só uma ideia.

Segunda impressão: não entendo como funcionam as propagandas eleitorais. Nem falo dos anúncios de candidatos engraçados, que o mundo se acostumou a considerar uma coisa bem brasileira e que levava sorrisos a muitas pessoas sentadas à sua mesa de trabalho por esse mundo todo. Reparo que há bem menos destes. Falta de criatividade ou profissionalização geral?

De qualquer jeito, continuam a haver umas propagandas que me deixam intrigado. Ontem vi uma contra o Skaf. Era só isso mesmo: contra o Skaf. Dizia que ele escondia o Kassab, o Maluf, o Fleury, mas não propunha nada em alternativa. Uma busca na internet fez-me saber que é um anúncio da campanha do Alckmin e que ele o suspendeu há 6 dias. Nem vou perguntar então porque o vi ontem antes de estrear o Masterchef.

Terceira impressão: desde 2010, é proibido fazer humor sobre os candidatos durante o período de campanha. E não tenho vergonha de dizer que é uma das regras mais retrógadas, absurdas e revoltantes que pode existir no mundo civilizado. É vergonhoso que uma lei digna da Rússia de Putin esteja no currículo de um país como o Brasil, que sempre gosta de estar na linha de frente em tudo (menos na inflação, claro).

Quarta impressão: é impressionante a velocidade com que um candidato passa de São Jorge a dragão. Depois da morte de Eduardo Campos, Marina ia pegar de onde tinha saído na eleição de 2010. Em dois dias, os evangélicos cobraram-na, ela deixou cair o apoio ao casamento de homossexuais do programa eleitoral e tudo mudou. De sustentada pelos jovens esperançados num novo futuro, ela passou a ser a candidata da moralidade conservadora e dos apoios incômodo. Ou seja, de uma eleição para a outra, a sua base eleitoral provavelmente transformou-se bastante. Ela está à frente da Dilma no Rio e em SP, mas, a um mês da eleição, se ela não tiver cuidado, ainda vai ser tão presidente como Russomanno é prefeito de SP.

Quinta impressão: até Marina aparecer, Aécio era o grande obstáculo de Dilma para a reeleição. Mas ninguém mais fala de Aécio, e ele caiu nas sondagens. Ou seja, ao centrar a disputa nela e Dilma, Marina pode ter feito um favor a esta última.

Sexta impressão: um debate eleitoral como se faz no Brasil, em que todos os candidatos falam no seu tempo designado, seria impossível em Portugal. Exemplo: o pastor Everaldo faz uma pergunta a Aécio, este responde com uma crítica a Dilma no meio, Pastor Everaldo faz réplica, Aécio tréplica.

Em Portugal, Dilma interromperia logo depois da primeira resposta só para dizer "não, não, ele falou mal de mim, então eu tenho que responder".

Construir histórias

Em geral, aprendemos a pensar na história como uma sucessão de fatos ou afirmações: X anda pela rua, Y mata alguém, X vê o homicídio, Y foge, X enterra o corpo.

Isto não é uma crítica a esse jeito de fazer as coisas (todos o fazemos!), mas uma proposta para ver as coisas de um outro modo.

Enquanto vemos um filme, uma série, lemos um livro, estamos sempre a fazer PERGUNTAS. Quem é esta pessoa, o que ela vai fazer, como ela vai fazer, como o mundo em volta dela vai reagir, como isso vai influenciá-la, como ela vai mudar com isso, etc, etc.

O que realmente está a acontecer quando criamos uma história é um jogo de criar uma dúvida, ou uma possibilidade, e depois respondê-la: X anda pela rua (vai para onde?), Y mata alguém (quem? porquê?), X vê o homicídio (como reage?), Y foge (para onde?), X enterra o corpo (porquê??).

Para a história se fechar, estas perguntas têm que ser respondidas nalgum momento. Gênero, tom e outros elementos são definidos quando decidimos que perguntas escolhemos fazer, quando elas são respondidas e de que forma.

Tenhamos isso em conta.

suzy num filme com máscara

Escrevi isto há muito tempo. Encontrei-o por acaso aqui no computador. Sempre me fez sentir bem.

suzy