Manuel Luís Goucha: "viado" ou "veado"?

Manuel Luís Goucha recebeu uma mensagem insultuosa no Facebook. Ele respondeu com classe - mas errou num ponto.
https://www.youtube.com/watch?v=3W39frklQEI
"Panuleiro" é claramente um erro no insulto português "paneleiro", mas cabe dizer que "viado", com "i" mesmo, é um insulto usado contra os homossexuais no Brasil. E ele não vem do animal "veado", se bem que a semelhança fônica tenha levado às derivações "bambi" ou "24" (número do veado no jogo do bicho).

Citando o site GLS Dois Perdidos Na Noite: "viado vem de "desviado" (na acepção religiosa) ou de "transviado" (na acepção moral), termos que eram usados para se referir ao homossexual.". O site dá como exemplo uma canção do Ney Matogrosso e eu acrescento a famosa marchinha de Carnaval "Cabeleira do Zezé":
Será que ele é bossa nova?
Será que ele é Maomé?
Parece que é transviado
Mas isso eu não sei se ele é

Portanto, "viado", na acepção usada, está correto e Manuel Luís Goucha errou. O homem que o insultou gratuitamente no Facebook poderia retorquir dessa forma. Isto, claro, se ele não fosse um imbecil.

Atualização

oespelhodentrodoespelho

A espada partida de D. Afonso Henriques

Isto foi o que se disse primeiro: Tiago Freitas embebedou-se, partiu a espada da estátua de D. Afonso Henriques e gritou "eu é que sou o rei".

Havia algo estranhamente simbólico nisto, não havia? Um homem jovem, num país que se sente torturado e manietado há tanto tempo, tomando a espada do seu fundador e reclamando ser rei. Como se, mesmo que por acidente, a juventude esquecesse o respeitinho ao passado para reconquistar o rumo do país. Que importa que estivesse bêbedo? Como Nietzsche disse sobre a embriaguez:
O homem que se encontra nesse estado transforma as coisas até elas refletirem sua potência: até elas serem o reflexo de sua perfeição.

Tiago agora deu a sua versão: não estava embrigado, só queria tirar uma fotografia lá em cima, desequilibrou-se e segurou a espada, que acabou por se partir. E foi a polícia, não ele, que disse que agora ele é que era rei.

[youtube https://www.youtube.com/watch?v=ViSrsaCA2zo&w=640&h=360]

Acho plausível. E fico triste. A história poderia ser de um país arrancando a espada do seu passado e tomando de volta o seu futuro. Afinal, parece que é o contrário: o soldado fundador largou a sua espada.

Neste e a este presente, ele rendeu-se.

A vida depois da morte

Em momentos dolorosos, quando perco um familiar ou uma pessoa próxima, eu gostaria de acreditar que ela foi para um lugar bom. O fato de ter sido criado católico faz-me querer que ela esteja com as pessoas que ela amava falecidas antes dela, e que eu poderei encontrar todas à minha espera um dia. Essa imagem conforta-me e ajuda-me a superar o luto.

Mas eu não sei se será assim mesmo.

Eu penso que não existe um céu ou um inferno. Mas eu também penso que não se acaba tudo no momento em que expiramos pela última vez. Isso por duas razões.

A primeira é que nós deixamos algo. A história de escrever um livro, ter um filho, plantar uma árvore, por exemplo. Querendo ou não, esses são os três únicos jeitos em que conseguimos adicionar algo ao mundo. Principalmente nos dois primeiros: um que vai do imaterial ao material (um livro apela ao pensamento, que apela, de uma forma ou outra, à ação concreta) e outro que vai do material ao imaterial (gerar um novo corpo que incorporará um espírito). A nossa presença não se extingue no momento em que morremos e vai mudar o futuro por consequência.

A segunda razão é que o nosso corpo é material orgânico e, como todo o material orgânico, ele faz parte da Natureza. E como na Natureza nada se perde e tudo se transforma, ele também se vai transformar e alimentar o mundo. As células do nosso organismo perecido vão fermentar, carregar a atmosfera, transformar-se em árvores, em plantas. Estas vão alimentar animais, e estes vão alimentar outros animais, E estes um dia também vão deixar a vida e alimentar o círculo uma e outra vez, até ao infinito.

Por isto, nós acessamos a transcendência e a plenitude. Nós mesmos somos presente, passado e futuro. Existimos agora, incorporando tudo o que já viveu antes e em nós está aquilo que enformará o que vai existir depois.

Se isto não é vida eterna, eu não sei o que é.

Dito isto, acho que a verdadeira pergunta que se faz quando nos perguntamos sobre se há vida depois da morte é "até que ponto é que a consciência persiste depois da morte". Ou seja, se nós continuamos a ter uma noção de nós mesmos depois que a nossa carne se extingue. Esta pergunta eu não sei responder.

De qualquer forma, acho que o envelope que aparece nesta cena é bem mais sério do que pode parecer.
[youtube https://www.youtube.com/watch?v=qBArMmngVH4&w=560&h=315]

Deus

Eu acho que deus é o acaso. Mas o acaso não é uma aleatoriedade solta, se pensarmos bem. Ele também obedece a regras.

Pensemos numa situação em que diríamos que o acaso funciona. Apanhamos um avião e por acaso encontramos um amigo no mesmo avião. O fato foi completamente aleatório, mas, ao mesmo tempo, ele obedece a regras. Há um número definido de aviões circulando no mundo e temos um número definido de amigos. Todos podemos viajar de avião. Temos interesses em comum, incluindo destinos que achamos interessantes. Se quisermos subir um degrau no que essas regras podem ser, nenhum de nós pode abrir asas e voar, por isso dependemos de aviões se quisermos percorrer uma distância longa. E não podemos estar e não estar num lugar ao mesmo tempo, por isso, se ambos estamos num avião, nenhum de nós pode, ao mesmo tempo, não estar nele e evitar encontrar o outro.

É risível ser tão específico, mas só quero dizer que a nossa existência no mundo físico está limitada pelas regras físicas desse mesmo mundo. O meu movimento, e o do meu amigo, têm um número incalculável, mas previsivelmente limitado, de variáveis.

Isto não serve para dizer que tudo está escrito e é incontornável. Mas, mesmo que nem tudo seja possível, muita coisa é possível.

Um exemplo nem tão esdrúxulo: uma vez um amigo disse-me "Nande, descobri uma coisa que vais achar interessante". Só para ser jocoso, disse o pensamento mais estranho de que me lembrei: "Por acaso tem a ver com o princípio de incerteza de Werner Heisenberg?". O meu amigo ficou parado, perplexo, e, antes de romper à gargalhada, disse "Tem. Merda!".

Foi uma das trocas de palavras mais estranhas que tive na vida, mas houve razões aleatórias para ela. Ambos nos interessávamos por coisas enviesadas; ambos ouvíramos por acaso falar de Heinseberg recentemente, eu por um filme e ele por um site; ele conhecia os meus interesses; eu queria fazer palhaçada. Se algum destes fatos não tivesse acontecido, a conversa não teria acontecido. Estava escrito que teríamos essa conversa? Não. Mas havia uma probabilidade remota dela acontecer no reino das probabilidades.

Uma série de ciências poderiam contribuir para analisar a probabilidade desta conversa. A psicologia poderia analisar nossas psiques. A neuromedicina, como os nossos cérebros processam o interesse e o conhecimento. A antropologia, a sociologia, a biologia social poderiam debruçar-se sobre a nossa vida em sociedade e como o nosso contato nos levou a esse momento.

E a religião - não enquanto organização que inventa estratégias para garantir a sua sobrevivência (isso não me interessa mesmo nada), mas enquanto um conjunto de crenças e doutrinas - também poderia dar-nos uma resposta, ou melhor, uma finalidade, dizendo que nada acontece por acaso e tudo faz sentido no grande desígnio e vontade de Deus. E eu acho que isso seria verdade, mas provavelmente não pelos motivos que a religião me daria. Não acho que haja um homenzinho barbudo numa nuvem a apontar o dedo aqui para baixo e a ditar o que acontece, apesar de essa metáfora facilitar muito a explicação, algo em que as religiões foram muitas vezes geniais.

O que eu acho que isso realmente quer dizer é que tudo faria sentido se considerássemos o conjunto de mecânicas do mundo. A totalidade delas é-nos vedada, porque elas são muitas e as possibilidades que elas abrem são inúmeras. Mas muitos ditames religiosos que conheço parecem-me explanações do mesmo princípio. "Não questionarás os desígnios de deus" é um. "Deus é omnipotente, omnipresente e omniciente" é outro. Se pensarmos que deus é as mecânicas do mundo, as enésimas normas conhecidas e desconhecidas que regem a existência de tudo o que existe, desde a gravidade até ao magnetismo, desde a formatação do corpo pelo espírito e do espírito pelo corpo, dos efeitos do comportamento nas outras pessoas e em nós mesmos - se Deus for tudo isso, é claro que ele é omnipotente, omnipresente e omnisciente, porque ele realmente é tudo. Ou melhor: tudo é ele.

Não acreditar numa criatura superior faz de mim ateu? Eu acho que não, porque eu acredito numa transcendência, que é comum a todos nós, às ciências, às religiões, a tudo. Nós nunca vamos realmente entender todas as razões porque as coisas acontecem como acontecem, mas essas razões existem e definem um padrão tão complexo que nenhum sistema de conhecimento isolado as poderia abarcar, e isso inclui a religião. Acho que, pensando assim, posso recusar as metáforas ou representações de Deus das religiões que conheço, mas chego perto do significado delas. Mais do que eu não ter religião, acho mais certo dizer que não há religião que me tenha.

Um português olhando a campanha brasileira

Primeira impressão: a campanha dura muito. Muito MESMO. Em Portugal, são 12 dias de campanha oficial. No Brasil, são 3 meses. Sim, oficialmente a campanha começou em 6 de Julho e as eleições são em 5 de Outubro. Eu sei que são muitos candidatos e muitas eleições ao mesmo tempo, mas 3 meses?...

Eu diria que diminuir a duração da campanha serviria também para diminuir o número de dinheiro irregular desviado durante a campanha. Só uma ideia.

Segunda impressão: não entendo como funcionam as propagandas eleitorais. Nem falo dos anúncios de candidatos engraçados, que o mundo se acostumou a considerar uma coisa bem brasileira e que levava sorrisos a muitas pessoas sentadas à sua mesa de trabalho por esse mundo todo. Reparo que há bem menos destes. Falta de criatividade ou profissionalização geral?

De qualquer jeito, continuam a haver umas propagandas que me deixam intrigado. Ontem vi uma contra o Skaf. Era só isso mesmo: contra o Skaf. Dizia que ele escondia o Kassab, o Maluf, o Fleury, mas não propunha nada em alternativa. Uma busca na internet fez-me saber que é um anúncio da campanha do Alckmin e que ele o suspendeu há 6 dias. Nem vou perguntar então porque o vi ontem antes de estrear o Masterchef.

Terceira impressão: desde 2010, é proibido fazer humor sobre os candidatos durante o período de campanha. E não tenho vergonha de dizer que é uma das regras mais retrógadas, absurdas e revoltantes que pode existir no mundo civilizado. É vergonhoso que uma lei digna da Rússia de Putin esteja no currículo de um país como o Brasil, que sempre gosta de estar na linha de frente em tudo (menos na inflação, claro).

Quarta impressão: é impressionante a velocidade com que um candidato passa de São Jorge a dragão. Depois da morte de Eduardo Campos, Marina ia pegar de onde tinha saído na eleição de 2010. Em dois dias, os evangélicos cobraram-na, ela deixou cair o apoio ao casamento de homossexuais do programa eleitoral e tudo mudou. De sustentada pelos jovens esperançados num novo futuro, ela passou a ser a candidata da moralidade conservadora e dos apoios incômodo. Ou seja, de uma eleição para a outra, a sua base eleitoral provavelmente transformou-se bastante. Ela está à frente da Dilma no Rio e em SP, mas, a um mês da eleição, se ela não tiver cuidado, ainda vai ser tão presidente como Russomanno é prefeito de SP.

Quinta impressão: até Marina aparecer, Aécio era o grande obstáculo de Dilma para a reeleição. Mas ninguém mais fala de Aécio, e ele caiu nas sondagens. Ou seja, ao centrar a disputa nela e Dilma, Marina pode ter feito um favor a esta última.

Sexta impressão: um debate eleitoral como se faz no Brasil, em que todos os candidatos falam no seu tempo designado, seria impossível em Portugal. Exemplo: o pastor Everaldo faz uma pergunta a Aécio, este responde com uma crítica a Dilma no meio, Pastor Everaldo faz réplica, Aécio tréplica.

Em Portugal, Dilma interromperia logo depois da primeira resposta só para dizer "não, não, ele falou mal de mim, então eu tenho que responder".

Construir histórias

Em geral, aprendemos a pensar na história como uma sucessão de fatos ou afirmações: X anda pela rua, Y mata alguém, X vê o homicídio, Y foge, X enterra o corpo.

Isto não é uma crítica a esse jeito de fazer as coisas (todos o fazemos!), mas uma proposta para ver as coisas de um outro modo.

Enquanto vemos um filme, uma série, lemos um livro, estamos sempre a fazer PERGUNTAS. Quem é esta pessoa, o que ela vai fazer, como ela vai fazer, como o mundo em volta dela vai reagir, como isso vai influenciá-la, como ela vai mudar com isso, etc, etc.

O que realmente está a acontecer quando criamos uma história é um jogo de criar uma dúvida, ou uma possibilidade, e depois respondê-la: X anda pela rua (vai para onde?), Y mata alguém (quem? porquê?), X vê o homicídio (como reage?), Y foge (para onde?), X enterra o corpo (porquê??).

Para a história se fechar, estas perguntas têm que ser respondidas nalgum momento. Gênero, tom e outros elementos são definidos quando decidimos que perguntas escolhemos fazer, quando elas são respondidas e de que forma.

Tenhamos isso em conta.

suzy num filme com máscara

Escrevi isto há muito tempo. Encontrei-o por acaso aqui no computador. Sempre me fez sentir bem.

suzy

Nota para mim mesmo sobre o David Bowie

Isto é mais para mim do que para qualquer outra pessoa, sinto dizer. Mas, quem sabe, talvez achem interesse. Tenho revisto a série de documentários Seven Ages of Rock, de 2007, da BBC, e eu sabia que já tinha visto aquele conteúdo antes. Mais, eu sabia que já tinha visto aquele conteúdo com mais coisas, no antigo People & Arts, quando andava na universidade. Lembrava-me especialmente de um plano em que a câmara flutuava até encontrar o Mick Ronson a tocar sozinho a intro da Ziggy Stardust. Isto não está nas Seven Ages of Rock. Mas onde, onde eu tinha visto isso?

Depois de fuçar online, descobri o que aconteceu. A BBC2 fez uma série em 10 partes sobre rock em 1996, chamada Dancing In the Street, de onde acabou por retirar conteúdo para as Seven Ages of Rock. A série original parece meio esquecida no site do canal e só alguns pedaços dela foram parar ao Youtube, mas, felizmente, a minha paranóia acabou. Aqui está a câmara planante do Mick Ronson. E toda a parte do Bowie começa aqui.
[youtube https://www.youtube.com/watch?v=-yY6t4ncfAM&w=420&h=315]

Cara Isilda Pegado,

Quando foi a primeira vez que ouvi falar de ti? No referendo para o aborto, que perdeste? No do casamento gay, que perdeste também? Não me lembro já. Desculpa, aconteceu muita coisa e muita gente na minha vida nos últimos tempos e alguns inícios perderam-se. Mudei de país, mas não como quem muda de equipa, se é que me entendes, por isso, continuo atento ao que se passa por aí.

Percebo que muitas pessoas te odeiam, mas eu não te odeio. Na verdade, tu fascinas-me. Fico sempre a pensar no que te motiva a correr atrás de tantas causas, apesar de perderes tantas. Não digo isto com desdém, a sério, não penses que escrevo com ácido nas véias. Não vemos o mundo da mesma forma e frequentemente acho que distorces os fatos a favor dos teus argumentos, mas o empenho quixotesco com que o fazes intriga-me. Pergunto-me o que te leva a fazer isso, que histórias tens que te levam a ser assim. Não te vou mentir, eu acho que a tua visão do mundo é retrógada e, às vezes, completamente irrealista. Mas porque tanto ardor, Isilda?

Eu acho que tu és sincera. Queres intervir na sociedade para a deixar de um jeito que tu consideras melhor. Quando acredito que a intimidade de cada um é assunto seu, de certa forma estou a ser egoísta. Para ti, a intimidade define uma posição social e, como tal, a sociedade deve participar da forma como ela aparece. Talvez sejas melhor pessoa do que eu. À tua maneira, tu importas-te mais com os outros.

Há uns dias li este artigo teu e voltaste-me à mente. Estás igual ao que me lembro de ti, com um raciocínio labiríntico que serve a tua visão moral.

Dizes que agora uma "mãe decide que quer ter um filho, só seu, cujo pai fique incógnito (dador anónimo) e faz inseminação artificial a partir do banco de esperma para poder gerar a criança que é “só sua”. Só se for escondida na Espanha, não é, Isilda, porque na lei portuguesa, que citas, (ainda) não pode.

Dizes com reprovação que "a co-adopção vem reconhecer e legalizar práticas que estão proibidas por lei", mas isso é muito normal quando uma lei é mudada, certo, Isilda? Foi assim com a IVG, com o casamento homossexual e também terá de ser assim se, como tu reclamas, um dia houver um revogação destas. Se novas leis não legalizassem "práticas que estão proibidas por lei", a lei nunca seria mudada e o mundo não evoluiria.

Tu sabes disso. E também sabes que a comparação que fazes entre os pais incógnitos do Estado Novo e os "filhos sem pai" que a co-adoção geraria é desonesta. A filiação tem sobretudo a ver com uma coisa - a capacidade de herdar. Os filhos legítimos dos senhores do Estado Novo ficavam protegidos de terem de partilhar o seu património aquando da morte destes; estavam salvaguardados os bolsos dos filhos e a fornicação do pai.

Mudar essa lei, acima de tudo, garantiu o direito de sucessão dos filhos ilegítimos. E a lei da co-adoção, irá ter o mesmo efeito. Vou-te dar um exemplo. Imagina que a Helena, solteira, tem um filho, o Diogo. A Helena trabalha, paga os seus impostos e cria o Diogo com amor. Entretanto, a Helena assume a sua homossexualidade e casa-se com a Márcia, que, naturalmente, vai criar uma relação parental com o Diogo. Segundo tu, a Márcia nunca poderá tratar o Diogo como filho; e, caso a Márcia morra, o Diogo nunca vai, por lei, poder herdar dela.

Ou seja, para salvaguardar os direitos do Diogo da mesma forma que os direitos dos filhos ilegítimos foram salvaguardados revogando a lei da ditadura, a co-adoção é o caminho mais lógico. Eu sei que tentaste impor a tua visão moral do que a sociedade deve ser - crianças nascidas e criadas no seio de uma família devidamente casada e heterossexual -, mas esqueceste do resto. O Diogo e a Márcia vão ser filho e mãe, mas, na tua visão, eles nunca poderão realmente sê-lo. A Márcia não poderá assinar as fichas da escola do Diogo, autorizar uma cirurgia, sei lá mais o quê que tem de ser um pai a fazer. A lei estará constantemente a lembrá-los de que não são realmente mãe e filho. E eu acho que o Estado não tem o direito de humilhar os seus cidadãos assim. Se queres mesmo defender o Diogo, tu tens que defender esta mudança legal, Isilda.

Eu sei que nunca vais aceitar isto, porque, para ti, "casal do mesmo sexo" já é uma expressão contraditória. Imagino que, para ti, o amor de uma homossexual para com o filho sempre será de segunda categoria, porque, na tua visão, ela será um ser desequilibrado e incapaz de afeto verdadeiro. Tenho muita pena. Espero continuar a ouvir-te, Isilda, e a ver-te defender com convicção aquilo em que acreditas. Espero que, como sempre, continues a remar contra a maré de pessoas bem mais razoáveis que discordam de ti. E espero que, um dia, percebas que estás errada em opor a moral ao amor. Até lá, um grande abraço.