A movida de Monção: Killer Mustang e Mau Amigo

Não é comum chegar à terra natal e ver dois concertos seguidos de bandas de amigos. Ainda menos comum é que elas sejam também bandas ótimas, uma seguindo no trilho de Mike Patton e a outra uma digna representante do mais puro pós-rock. Mas foi isso mesmo que me aconteceu estes dias. Invejem-me, e apreciem os Killer Mustang e os Mau Amigo.


http://bandcamp.com/EmbeddedPlayer/v=2/album=1549188197/size=venti/bgcol=FFFFFF/linkcol=4285BB/

Enquanto a TVI...

...passa uma espécie de programa em que os apresentadores todos se embebedam enquanto uns coitados de uns músicos fazem versões fatelas de canções conhecidas, eu estou todo entretido a ver isto.
httpv://youtu.be/WiDgeNBsMEA

O cultural

Aqui ou no Brasil, o João Lopes é das vozes mais coerentes que conheço falando sobre cinema, televisão e cultura em geral. Nunca me canso de o ler.
Há um penoso equívoco em defender seja o que for porque é “cultural”, opondo-o àquilo que não é “cultural”: temos um défice imenso de reflexão sobre a mediocridade galopante da “reality TV” (Big Brother e afins) e o poder normativo de algumas ficções (telenovela e seus derivados), já que quase todos consideram que tudo isso... já não é “cultura”. A clivagem que está em jogo passa por aí (e não tenho dúvidas sobre o carácter minoritário do meu discurso). A meu ver, não há nada mais cultural que as monstruosidades televisivas todos os dias injectadas na imaginação e no imaginário dos portugueses. Porquê? Porque através delas se impõem valores sobre a forma como nos representamos, as histórias que partilhamos e os modelos de relação (profissional, conjugal, sexual) que estabelecemos. A cultura envolve uma permanente guerra de valores, não é um território apaziguado em que “consumimos” uma bondade redentora, superior às convulsões do mundo à nossa volta.

Sobre o fim do mundo

Não sei se viram. Viram? Era 1h21 em Portugal. Por acaso, estava lá fora a fumar um cigarro e vi. As nuvens do céu abriram-se e deu para notar as estrelas brilharem. Geladas, definitivas, como sempre. Dei um trago do cigarro. Uma mancha rosa ocupou a estratosfera e cobriu as estrelas, como se as visse através de uma cortina. E, de um momento para o outro, desapareceu. Não a mancha rosa - ou não só a mancha rosa. As estrelas, as nuvens, a lua. Tudo sumiu. O céu esvaziou-se, perdeu o sentido, deixou de ser. E eu, que estava por baixo dele, perdi-me do que fui.

A brasa chegou ao filtro e queimou-me o dedo. Eu gemi de dor, baixei o olhar, soltei o cigarro. E, quando olhei de novo, tudo estava normal: as estrelas nos seus lugares, a mortiçar o mundo com luz triste. As nuvens, prestes a avançar contra elas. E a lua, grande e intata, sendo lua, como sempre.

Não sei se viram o mundo acabar ontem. Viram? Ele acabou. E depois voltou ao que era. Um palco, um campo, uma casa. E, ao mesmo tempo, nenhuma dessas coisas.

O Pequeno Livro Sagrado do Menor Slam do Mundo



Uma das variações mais divertidas que eu já experimentei do slam foi posta em prática em São Paulo pelo grande Daniel Minchoni. Chama-se Menor Slam do Mundo, é mensal e os poemas estão limitados, não aos 3 minutos normais, mas a 10 segundos...

Há uns dias, na final anual - vencida pelo não menos grande Victor Rodrigues - foi lançado O Pequeno Livro Sagrado do Menor Slam do Mundo. O formato dele está mesmo a calhar para um flipbook, daqueles que se folheiam as páginas e fazem um filminho. Quando eu disse isso, o Minchoni falou algo sobre pornografia. Portanto, a edição do ano que vem promete. A deste ano, seja como for, já está online! É só clicar na imagem aí em cima para ler alguns poemas dos melhores (e menores) poetas do futuro. E, já agora, três meus também.

Django vazou?


Hoje anda tudo contente porque o roteiro do Django Unchained caiu na Internet (para ler, clique na imagem acima). Mas deve ser excitaçãozinha barata de ladrão digital, porque na verdade o roteiro foi posto online pela própria The Weinstein Company. E nem o pôs à socapa nalgum site só para criar sururu, não - pô-lo no próprio site, na página de divulgação do filme. Por isso, hoje talvez seja dia para metade da Internet tomar um grande comprimido de "menos!".

Muito respeito pela televisão portuguesa

Como se o fato de estar a passar um remake português de Dancin' Days já não fosse imponente, bastou um minuto a assisti-lo para ouvir
"E tu, minha vaca, sai daqui! Sai antes que te faça engolir os implantes!"

Muito respeito por esta televisão. E não estou a ser irónico.

Roupa e velhice

Há já algum tempo que não fazia férias. Mentiria se dissesse que não gosto nada disto e estou louco para voltar para o trabalho. Mesmo morando no Brasil e tendo de aproveitar para fazer férias em Dezembro, quando a temperatura lá faz o corpo pedir praia e eu lhe acabo por dar frio. Mesmo assim.

Férias servem para descansar, mas eu acho que elas também servem como momentos de reflexão, bons para pensar no que se fez no antes e como se fará o depois. Gosto, por exemplo, de pegar em projetos criativos pessoais e dar-lhes um avanço. "Dar-lhes um avanço", claro, significa ficar a ruminar na meia dúzia de palavras que neles posso escrever enquanto, na verdade, estou é a mudar o design deste site e a comer sandes de chouriço. Mas valeu a pena, já viram que bonito ficou? (burp)

Outra coisa que gosto de fazer nas férias é aproveitar para me incomodar com aquelas coisas com que raramente me incomodo. E uma delas é roupa.

Cabe dizer que eu odeio roupa. Mais precisamente, odeio prová-la, comprá-la, vesti-la, lavá-la, pendurá-la, passá-la e, quando ela já está gasta, pensar em como me devo ver livre dela. Sou daquelas pessoas que nunca vê nada de que gosta e, quando a necessidade de se cobrir aperta, entra numa loja, compra tudo do que precisa e sai de lá a correr enquanto se chicoteia nas costas. Foi precisamente isso que aconteceu hoje. Mas, no meio do processo descobri algo que me fez sentir velho, resmungão e machista. E tudo no exíguo espaço duma Modalfa. Sim, sou um mãos-largas.

Como qualquer pessoa que anda muito ocupada a tentar salvar-se da influência corruptora do mundo, desconhecia o meu número de calças, por isso, tive de provar dois ou três até perceber qual encaixava melhor. Nesse processo, descobri que a Modalfa vende três tipos de calças: as normais ("straight"), as estreitas ("skinny") e as mais largas (tenho mais que fazer que lembrar-me do nome destas também, tá?).

Eu já vira pessoal a usar calças skinny e, normalmente, é tudo gente muito hipster e que, claramente, não se está a tentar salvar da influência corruptora do mundo. Mas nada me poderia preparar para o que se seguiu. Inconsciente do poder destrutivo do objeto, levei um modelo para experimentar. Enfiei-as pelos pés, puxei-as para cima e, apesar de nada acontecer na cintura, a barriga da perna sofreu tal pressão que parecia que estava a fazer de Martim Moniz contra a tíbia e o perónio. De certa forma, sentia que estava a vestir uns collants, mas uns que pudessem ser usados num manicómio para restringir os movimentos dos pacientes que teimassem em fugir. Uns collants de forças para o louco que, esta tarde, na Modalfa de Monção, fui eu.

E aí veio a parte machista da história: pensar que aquela merda não é roupa que um homem deva usar, porque um homem tem que poder estar confortável para andar à porrada sair a correr de lojas de roupa enquanto se chicoteia nas costa. Além do mais, que raio de resultados se pode conseguir numa contagem de espermatozóides depois de anos a usar aquelas proto-ceroulas-mais-desconfortáveis-de-sempre?

E a parte de se sentir velho e resmungão: a geração antes da minha queixava-se que nós ouvíamos música alta demais e não nos sabíamos vestir. Já a geração mais nova do que eu parece que ouve música feita por e para caniches cor de rosa e gosta de andar de colhões apertados. Isto demonstra uma grande inconsciência: ainda vão vir aí muitas manifestações e os governos não se vão deixar intimidar por pessoal a andar como pinguins. Não me conformo.

Chegar

Tempo fresco. O ar cheira a árvores. Uma televisão passa um programa sobre gordos. Um deles diz que a mãe lhe dizia "tens de comer para viver, não viver para comer".

O tempo e o homem

O programa do Jô passa. Um ator fala sobre ter trabalhado numa ilha grega porque faltavam homens para a agricultura e ele acabou contratado. Ele não é o que fez aquela série em Portugal com a Tônia Carrero? Já não me lembro, não o reconheço mais. Não interessa. São Paulo está cheia de luzes de Natal, o que me faz sentir ainda mais calor e me deixa sempre meio tonto. As árvores aguento. Até os gorros aguento, porque eles ficam no topo da cabeça para a foto, tiram-se depois e pronto. Mas as luzes e as figuras de Pai Natal e as renas, isso faz-me sempre suar mais. Semana passada a temperatura andou pelos 40º aqui e no Rio - lá sempre mais quente, mas lá há praia e blablablá. O ator no Jô tem o cabelo comprido. Ele não parece ter calor, mas também já ouvi dizer que há quem goste de baixar muito a temperatura nos estúdios. Talvez o do Jô seja assim. O da Xuxa, acho, é muito frio, um gelo mesmo, talvez para não atrapalhar as danças e tudo o mais com manchas de suor.

Pergunto-me se faço bem em escrever isto, se a temperatura em estúdios deve ser tabu para roteiristas. Disseram-me que Angola agora em Portugal é um assunto tabu. Agora poderia falar de bullies, mas não gosto dessa palavra e prefiro falar em brutos. Há dias em São Paulo um rapaz começou a ser chateado por duas bestas num carro enquanto subia uma rua da Vila Madalena a pé. As bestas chamaram-lhe viado, o rapaz respondeu e, por aquilo que entendi, mandou-os à merda, o que, na minha opinião, é muito justo. Os gajos saíram do carro e deram-lhe uma carga de porrada. Partiram-lhe a cara, ficou com os olhos pisados e a testa aberta. Primeiro fiquei a pensar no que leva duas bestas a querer sair de um carro para malhar num homem por gostar de outros homens. E depois pensei que o que o rapaz fez é o que todos deviam fazer aos brutos desta vida: mandá-los à merda e levar a porrada que for preciso.

Lembro-me do meu avô. Disse-me para não me meter em pancadaria, mas, se algum dia me viessem bater, que eu desse também. O rapaz homossexual foi bem mais homem do que as bestas que lhe deram porrada. E assim eu penso: o que deve ser um homem? Eu acho que, se as mulheres se discutiram e se decidiram no século XX, agora é o momento de o homem se discutir e se decidir também. O que é um homem, penso. E só uma resposta me parece possível: um homem tem que ser um guardião sério daquilo que acha justo. Isso não significa ser conservador. Significa pensar sozinho o que acha que o mundo deve ser, saber aplicar o peso e a medida certos para o conseguir e assumir as consequências das suas ações. Isso vai desde mudar uma lâmpada em casa até andar à porrada porque não quer ser pisoteado, ou desde trabalhar nas colheitas de uma ilha grega com escassez de braços até ajudar os filhos a educarem-se.

Um homem tem que fazer o mundo continuar a funcionar para ajudar o mundo a ir para a frente. Por alguma razão os gentlemen aprendiam boxe.