O racismo em Portugal e no Brasil

Neste fim de semana, viralizou o vídeo de Giovanna Ewbank revidando contra uma mulher num restaurante na Costa da Caparica, em Portugal. A mulher chamou os filhos negros da atriz e uma família angolana que lá estava de "pretos imundos" e disse-lhes que voltassem para África. O presidente português Marcelo Rebelo de Sousa chegou a pronunciar-se hoje sobre o caso.

Além das condenações óbvias, eu não gosto de falar sobre racismo porque considero que na maior parte das vezes não é o meu lugar de fala e eu não tenho o que acrescentar. 

Mas, neste caso, eu, português que mora no Brasil, acho que tenho, porque ele toca muito claramente em algo que me é notório: uma diferença silenciosa do racismo em cada país e como este revela as iniquidades próprias de cada lugar.

Tenho uma noção muito forte do racismo brasileiro como sendo principalmente classista. Ele traduz uma visão do país dividido em espaços de pertencimento. A favela e o asfalto do Rio de Janeiro. O quarto de empregada dentro da casa dos patrões, a mesma empregada que tem que preparar uma comida para si diferente da que prepara para eles. O shopping aonde os adolescentes negros não podem ir, porque eles têm de ir ao shopping "deles". 

É como se o racista brasileiro tolerasse um negro perto dele, mas não na sua classe. O negro pode trabalhar para o branco rico, mas será mantido num lugar de pobreza relativa em relação a ele. É um racismo que revela um conservadorismo econômico radicado nos espaços definidos pela escravidão.

Parece-me que em Portugal o racismo não é construído tanto em cima dessa aporofobia, mas da xenofobia. Para o racista português, a pele negra é o símbolo acabado do estrangeiro. Mesmo quando a pessoa já mora no país há muito tempo, mesmo quando nasceu em Portugal e nunca conheceu outro lugar, não importa: a pele negra cataloga-a como alguém que não é dali.

O racista português importa-se menos com a classe econômica do negro e mais com ele estar perto, pisar o mesmo chão. O racista português não diz "volta lá pra tua quebrada", ele diz "volta pra tua terra, volta pra África". O espaço de pertencimento e exclusão é todo o país. Ou seja, se no Brasil o outro é sempre pobre, em Portugal o outro é sempre estrangeiro.

E eu não acho que isto venha tão diretamente da escravidão, mas vem sim da colonização africana e da condição de Portugal enquanto metrópole, de ter sido um país que enriquecia à custa dos invisíveis que estavam longe e que nunca resolveu completamente, primeiro, a perda dessas colônias e, segundo, o fato de esses invisíveis terem começado a aparecer como imigrantes. As mesmas pessoas que deixaram de enriquecer o país, de repente, entravam no país para "tomar os seus empregos".


Uma vez, eu conversei sobre isto com uma amiga, portuguesa, negra, e ela encolheu os ombros e disse "que importa?". Realmente, que importa? Se alguém é atacado em Portugal por causa da cor da pele, que lhe importa se é porque ela é símbolo de classe social ou de ser estrangeiro? E, se uma pessoa é excluída num processo seletivo no Brasil por ser negra, ir pra casa sem o emprego é um "vai pra tua terra" do mesmo jeito.

Ainda assim, eu acho importante falar sobre isto, porque pressinto que talvez o racismo não seja a doença, mas o sintoma que revela a doença, cultural e social, que cada país deve tratar. 

No Brasil, ela tem a ver com desigualdade e mobilidade econômica. Em Portugal, ela tem a ver com a fobia ao estrangeiro e ao diferente.

Se os brasileiros começarem a pôr em causa e a atacar a exclusividade da condição econômica dos mais abastados, talvez alguma coisa mude. Se os portugueses forem acostumados a ver o seu país como um espaço aberto ao outro, talvez alguma coisa mude.

Enquanto não mudar, a minha amiga tem toda a razão: não importa.