UNE FEMME MARIÉE (1964)

Nunca tinha visto este Godard, e é notório como a câmera e a edição agitadas dos primeiros anos evoluíram para um estilo em que cada plano parece extremamente ponderado, como se o tema da impossibilidade de comunicação não passasse mais para o olhar que a olha. Além disso, nota-se que, sendo sempre possível que as personagens de Godard sejam espelhos uma das outras, com traços repetidos de filme para filme, as suas mulheres denunciam um pensamento muito mais complexo do que os homens. Logo no início, Charlotte conta ao seu amante a história de uma cicatriz, e ele diz que é "como uma casa onde nunca se entrou". Fala em abstrato, sobre corpos ou intimidades, ou sobre a própria mulher na sua frente, que resiste às propostas de engravidar? Talvez fale sobre tudo, e esse parece-me o grande triunfo da Charlotte de Macha Méril. Mais do que Karina, e mais até do que Bardot, ela representa uma mulher através do seu corpo, um corpo que está em risco permanente de ser alienado, não só pelos homens com quem ela se relaciona, mas pela publicidade e pela Moda, que dizem como ele deve ser adornado e moldado, e, claro, por nós, os espectadores que têm o poder de lhe produzir o sentido quando ele nos aparece. Charlotte não é nenhuma heroína. Ela é uma mulher acomodada à sua posição social, que adora comprar roupa, se orgulha dos pequenos luxos do seu apartamento e cujo desejo é definido principalmente pelo desejo alheio. O seu drama é pequeno, de classe média, mas com ele se fez este filme absolutamente maravilhoso.