Quatro coisas sobre "Chernobyl"

"Breaking the Waves" é um dos meus filmes do coração. Deliciei-me vendo Stellan Skarsgård e Emily Watson contracenando de novo, tantos anos depois.


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Craig Mazin escreveu "Chernobyl". No início dos anos 2000, durante os meus primeiros anos de profissão, ele tinha um blog com conselhos e observações sobre escrita que eu acompanhava muito. Mazin não é conhecido como autor de dramas políticos. Ele ganhou fama escrevendo sequências de comédias ("Scary Movie", "The Hangover"), o que só prova que quem sabe contar uma história fá-lo bem em mais de um género. Lembrou-me o casal André e Maria Jacquemetton, que, nos seus currículos, juntam tanto "Mad Men" quanto "Baywatch".

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Quando viajei pela Europa em 2003, estive em lugares como o hotel que se vê em "Chernobyl". No bloco de Leste não havia hostels baratos e improvisados em casas antigas nem hotéis moderninhos ou com luxo simulado. Eram edifícios esmagadores, feios e tinham nomes como "Grande Hotel dos Trabalhadores de Kiev" ou algo parecido. Como em muitas outras coisas, serviam para funcionar, oferecendo algo mínimo, mas para todos.

É muito difícil explicar às pessoas do Brasil o fascínio que a União Soviética e o Bloco de Leste no geral causam em mim, e julgo que em grande parte da minha geração, crescida na Europa durante os anos 80. Eu era criança, mas entendia que de um lado do mundo havia abertura, dinheiro, fartura e maravilhas pop e que o outro lado era o lugar do frio, da sisudez, de filas gigantescas em lojas e do silêncio. Que mistérios estavam do outro lado da Cortina de Ferro? É como se, no fundo da minha rua, houvesse uma casa grande e escura habitada por pessoas muito caladas e reservadas. Não queria morar lá, mas também não conseguia deixar de pensar em como seria lá dentro. Em 1986, tinha 5 anos, mas já conseguia entender que, de repente, uma nuvem podia vir daqueles confins e derramar veneno sobre as nossas cabeças.

Batalho para explicar este saudosismo "good bye, lenin" que em Praga vi assumir a forma de recordação para turistas vendidas na rua (estrelas vermelhas, itens militares). Poderia dizer que é a nostalgia por um tempo em que as divisões do mundo eram mais claras e fundamentais, mas não me parece que seja mesmo isso. Acho que é saber que, um dia, pressentíamos que havia todo um continente de pessoas com objetivos e ideais de vida diferentes dos nossos. A nostalgia não é por um mundo mais inocente, mas por um em que a globalização ainda não estava terminada.

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Porém, que fique clara uma coisa: a URSS de "Chernobyl" é bem criada, mas é uma URSS mitológica. A série é sobre a nossa relação do Estado e sobre a responsabilidade individual dos cidadãos com a verdade, ou seja, é sobre nós e sobre o mundo de hoje, pejado de democracias iliberais, gente insana que desconfia da ciência e tudo o resto.