agosto 2013

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O piropo e o sexo

Li a resenha da sessão sobre o piropo no Fórum Socialismo 2013 que está a agitar o meu Facebook há uns dias. Comentários:

"[O piropo é] mais uma demonstração da relação de poder que a sociedade patriarcal estabelece."
Se aceitarmos que a sociedade é patriarcal, sim. Não me parece que a sociedade seja tão patriarcal como já foi, mas, se o piropo existe e alguém se incomoda, isso deve ser falado. Afinal, estes fóruns não são para isso mesmo?

"A rua pertence de maneira diferente aos homens do que às mulheres, às quais lhe é reservado o espaço privado, o da casa, os filhos , as comidas."
Quem sinceramente dá crédito a algum homem ou mulher que pense assim? A sério, quem, desta ou de outra geração? Uma vez, no elétrico 28, um velho taradote fez um comentário menos próprio sobre a parte posterior de uma jovem moça que estava à frente dele. Sem desculpar o mau gosto, as velhas que lá estavam trucidaram-no ao ponto que cheguei a temer pela segurança física do homem.

"O homem é ensinado desde pequeno a ser sujeito sexual (...). Pelo contrário à mulher lhe é reservada apenas a possibilidade de ser objeto sexual."
Claramente, alguém se esqueceu de dizer isso a várias mulheres que conheci. E ainda bem.

"O corpo da mulher está presente nas fantasias masculinas heterossexuais e na sua realidade, como algo que ele utiliza ao seu gosto e conveniência."
Er... não podemos dizer também que o corpo do homem está presente nas fantasias femininas heterossexuais e na sua realidade, como algo que ela utiliza ao seu gosto e conveniência? Não é isso a base da fantasia?

Eu acho muito bem que estas palestrantes exponham os seus pontos de vista e a sua indignação, que só quer transformar o mundo num lugar melhor. Mas eu espero que, quando o fizerem, queiram transformar este mundo - e não aquele sobre que as feministas do século XX escreviam. Não esqueçamos que, se "a banalização [do piropo] reflete a normalização da ideia da mulher enquanto ser que está aí para cumprir o seu papel, ser vista e avaliada, tocada", o direito da mulher se virar para o homem e dizer "vai apanhar no cu, cabrão filho da puta" também já foi conquistado há algum tempo.

Justice: uma grande aula

http://www.youtube.com/watch?v=8I8e8oJpoII&list=SP5FAA509E4E51B654

O que me chamou mais a atenção há uns meses na primeira vez que vi Justice foi que, logo no primeiro episódio, Michael Sandel confronta os seus alunos com um caso que me lembrava de ter lido no manual de Direito Penal do Eduardo Correia, onde ele defendia haver uma coisa chamada "espaço livre de Direito". Isso tem-me servido em conversas desde então para mascarar o fato de recordar muito pouco do que estudei durante 5 anos.

Assistir Justice é um reencontro com um tempo em que ouvia um grande professor, Gomes Canotilho, falar de temas complexos a mentes ansiosas com a consciência de que a reflexão sobre a resposta é mais importante do que a própria resposta. É um reconhecimento nas caras dos alunos, desde os mais tímidos até aos mais interventivos, da minha e das dos meus colegas, fervilhando enquanto tentávamos fazer sentido do que estavamos a ouvir. E, claro, não deixa de haver uma certa vaidade intelectual de estarmos a assistir uma aula de Harvard...

Felizmente, a UNIVESP TV disponibiliza todos os episódios legendados de forma gratuita no seu canal do YouTube. Se quiserem vê-los de seguida, é só dar um play no vídeo aqui em cima.