Objetos do Brasil: a raquete elétrica


Fazer uma viagem é como levar um pobre num rodízio: não abdica de nada. Uma das coisas de que não abdiquei foi as vacinas. Não fui ao costumeiro centro de saúde, mas ao próprio Instituto de Higiene e Medicina Tropical, talvez porque tenho um fraquinho por qualquer instituição médica que já teve o seu boletim citado na série "House".

A Medicina Tropical é engraçada, porque é a única que não existiria sem medo. Não medo à doença ou à morte, mas ao próprio ser humano, desde que seja exótico. Sim, porque a Medicina Tropical olha para os trópicos com um medo que se pela. A comida pode ser perigosa, os insetos podem ser pestilentos, a doença pode sempre chegar - e, não tenha dúvidas, mais cedo ou mais tarde ela vai chegar. Por isso tudo, é sempre razoável tomar muitas mais vacinas do que aquelas de que precisaríamos, como que justificando na receita que nos passam a receita que lhes damos. Dentro desta paranóia toda, um pequeno actor surge: o mosquito, transmissor de tantas e tão boas doenças como o dengue ou a malária. Para quem não sabe, os mosquitos que pegam o dengue voam de dia e os que pegam a malária de noite. Ou seja, se se for um sujeito com muito azar, pode-se pegar o dengue e a malária no mesmo dia. Também pode ser que o mosquito do dengue goste tanto do que chupou que diga ao da malária onde é que a pessoa se encontra para este ir lá chupar também. Neste caso, o sujeito é na mesma azarado, mas, pelo menos, tem o conforto de ser muito apetitoso.

Para resolver este problema, o brasileiro adoptou um objecto muito peculiar, que junta o útil ao agradável e transforma em jogo a actividade de se manter saudável e livre de chupões de muriçocas: a raquete elétrica. A raquete elétrica torna portáteis aquelas armadilhas, presentes em todo o restaurante com pelo menos um prato na ementa a custar menos de 5€, que chamam os insectos com a sua cor arroxeada e os electrocutam mal eles pousam nelas. Mesmo que sejam borboletas. Doces e inocentes borboletas. Por isso é que, apesar de ela também ser vendida em Portugal, foi no Brasil que ela arrancou: porque, sendo o brasileiro sensível e atento às belezas do mundo, ele acha que a matança de animais voadores não deve ser indiscriminada, mas antes ficar ao critério do próprio sujeito matador. Assim, muniu este de uma raquete com a qual, qual Federer dos infernos, pode aplicar uma descarga eléctrica que fulmina o desgraçado e potencialmente letal bicho. É o mais próximo que uma pessoa normal pode chegar do serial-killer sem arriscar prisão: a raquete elétrica garante a repetição da alegria da matança. Por outras palavras, uma versão adulta do famoso jogo infantil "queimar moscas".

O modelo na imagem é o de uma raquete corrente. Reparem no centro da mesma: tem um raio, igual aos raios que Zeus atirava aos mortais. Ou seja, a raquete aproxima quem a usa das divindades gregas, o que faz todo o sentido, pois, como toda a gente sabe, Deus é brasileiro. E, tal como Deus, a raquete elétrica é omnipresente - pelo menos no Brasil.