A vigília

Quem escreve online há já uns anos sabe que esta coisa de se justificar silêncios é desculpa de mau postador. Em blog recente, então, é como não dar de comer a um bebé, a versão Internet da incubadora de Santana Lopes. Mas não tive outra hipótese. Nas últimas três semanas, o meu mundo tem sido uma sucessão de contratos, marcações, cartões, assinaturas, filas, senhas, vistos, passaportes, seguros, malas, cerimónias, e-mails, bilhetes, pagamentos, vacinas, viagens, talões, recibos e facturas. Aparecem-me flutuando, como se eu estivesse num sonho, sem conseguir prever a ordem com que preparar as placagens. E, ainda assim, vou ouvindo os anos dizer-me na cabeça não te canses com a preparação, porque vais precisar de força depois ou aguenta-te, fofo, tens de ganhar o céu de alguma forma. Nos momentos mais baixos, em que o stress e o cansaço me fazem doer os olhos se os viro muito para os lados, olho para o que aqui está e pergunto vale a pena só para poder responder logo que não tenho outra opção, porque, se queres entrar no jogo, tens de saber que podes chegar ou não ao outro lado e, se tiveres sorte, chegas esmurrado e a sangrar dos pés à cabeça, mas com a quantidade de língua suficiente para poderes dizer consegui. Não tinha de ser assim, talvez, mas se não for a doer não sentias nada. Não vou estar aqui com merdas, podia dizer que o melhor que faço é escrever, mas o que quero dizer não é bem isso, é que, do que fiz, o melhor foi a escrever. A Estrada Curva, A Peste, o João Ícaro, A Chorona, As Portas, a Agenda, o Cidadão, a Passagem, o 13 de Março. Algumas tu conheces, outras não, nenhuma é perfeita, mas em todas houve sempre pelo menos uma coincidência entre o meu gosto e o de outra pessoa qualquer. E esse apreço é uma coisa tão rara, um modo tão profundo de conseguires comunicar com outrem que nem conheces e nem vais conhecer, que tu sabes que não queres procurar mais do que isso: mais oportunidades de perceber que o caminho que os outros fazem também passou pelo que fizeste dentro de ti. É por isso que vou. Se parar, não valho a pena para ninguém. Pelo menos, não a valho para mim.