Como eu, português, consegui a minha igualdade de direitos e deveres no Brasil

Decidi escrever este texto para partilhar a minha experiência com o pedido de igualdade de direitos e deveres no Brasil e, assim, ajudar os portugueses que possam ficar perdidos no meio do processo. Fiz tudo sozinho, sem recorrer a despachantes.

IMPORTANTE: esta foi a minha experiência, ou seja, a experiência de alguém que está em São Paulo, com acesso físico relativamente fácil ao Consulado ou ao Poupatempo. Outras cidades terão outros processos, e não saberei dizer quais serão. De qualquer forma, presumo que a sequência de documentos e atos burocráticos será a mesma, portanto, poderão no mínimo seguir estes passos como um guia.

Depois das eleições de 2018, decidi que queria ter o direito de votar, para poder escolher os representantes políticos que gastam os meus impostos. Portanto, decidi pedir a Igualdade de Direitos Civis e Não Privação de Direitos Políticos, uma espécie de "nacionalidade light" que portugueses podem pedir nos termos do Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta, celebrado em Porto Seguro em 22 de abril de 2000. É necessário que quem faz o pedido já tenha RNE (nome comum para o Registro Nacional de Estrangeiro, também chamado de CRNM ou CIE) e é bom que tenha também o CPF, para facilitar algumas fases do processo.

Este mecanismo não concede a nacionalidade. Os portugueses não se transformam em brasileiros (ou vice-versa, pois também conta para brasileiros emigrados em Portugal), mas são reconhecidos como iguais aos brasileiros, podendo, portanto, votar e ser eleitos ou concorrer a concursos públicos. A igualdade pareceu-me um processo mais simples do que a Naturalização e, apesar de ela implicar abdicar do direito de voto em Portugal enquanto vigorar, pareceu-me adequada às minhas pretensões.

O processo passou por burocracias em três lugares: o Consulado português; o Ministério da Justiça brasileiro (através do SEI); e o Poupatempo.

1. CONSULADO: Registo criminal e Certificados
O meu primeiro passo foi fazer o Registo Criminal português. O registo no site do Consulado é rápido e simples e as instruções estão bem detalhadas nesta página. O link para o requerimento está no fundo (e não se esqueça de indicar que a finalidade é o "Estatuto de Igualdade de Direitos"). Preço: R$ 70,03. Como a própria página explica, você vai então fazer um agendamento para ser atendido pessoalmente no Consulado, e já sairá de lá com o registo.

Parte-se então para o pedido dos documentos mais importantes de todo este processo: o Certificado de Nacionalidade Portuguesa e o Certificado de Não Privação de Direitos Políticos. O segundo é necessário se quiser a igualdade de direitos políticos também, ou seja, se quiser votar, candidatar-se a concursos públicos, bolsas, etc.

Para conseguir esses certificados, o Registo Criminal e os outros documentos mencionados nesta outra página devem ser enviados por Correio para o Consulado, incluindo o comprovante do pagamento de um boleto de R$ 237,85. Automaticamente, o Consulado emite também um Certificado de Inscrição Consular.

Após a recepção dos documentos, o Consulado emite os certificados e envia-os para a morada que indicarem. Tive um problema nesta fase do processo, pois aparentemente houve um problema no envio e a carta do Consulado extraviou-se. Sem saber se era suposto demorar muito ou pouco, só uns 5 meses depois é que procurei o Consulado para inquirir se a demora era normal. Foi então que descobri o extravio e que, na verdade, os documentos teriam ficado prontos em poucos dias. De qualquer forma, voltei ao Consulado e resolvi a questão pessoalmente.

Com os certificados em mãos, parti então para a parte brasileira do processo.

2. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA (SEI): reconhecimento da igualdade por portaria no DOU
O passo mais lógico aqui seria ir diretamente à Polícia Federal, mas não o fiz. Explico.

A PF tem no seu site a lista completa de documentos necessários para fazer o pedido de igualdade, e devem usar essa lista como referência, pois ela está completa. Porém, no link de "Agendamento", é pedido um "Código de Solicitação", que eu não tinha e não fazia ideia de onde conseguir.

Enquanto tentava entender o que me estava faltando, descobri a página do SEI (Sistema Eletrônico de Informações) do Ministério da Justiça e percebi que lá podia fazer todo o processo eletronicamente. É só fazer o cadastro e, depois, um "Peticionamento". O site do SEI é bem intuitivo e, sempre que o processo tem algum avanço, ele aparece na Lista de Andamentos, o que é ótimo.

Para esta fase, recomendo que tenham acesso a scanner e impressora (é necessário incluir no processo os documentos escaneados) e também que entrem com frequência só para ver se está tudo bem. Não esqueçam de incluir o formulário do pedido que estava no site da PF mesmo que ele não esteja listado como necessário: ele é necessário, tanto que me foi pedido no meio do processo.

Abri o peticionamento em Julho e ele foi concluído em Setembro, assim que foi publicada no Diário Oficial da União a portaria que reconheceu a minha Igualdade de Direitos. Todo o processo é gratuito; assim que a publicação da portaria no DOU aparecer no SEI, podem baixar um PDF na página oficial do DOU.

3. POUPATEMPO: RG e título de eleitor
Para fazer o RG e o título de eleitor, fui ao Poupatempo, o equivalente de São Paulo à portuguesa Loja do Cidadão. No seu Guia de Informações, é possível pesquisar os serviços específicos, descobrir os Poupatempos que os disponibilizam (às vezes, alguns indicam atraso, então vale a pena escolher outro), pegar a lista de documentos necessários (não 100% confiável, como lerão abaixo) e agendar o atendimento. Em cidades sem acesso a serviços como o Poupatempo, imagino que seja necessário recorrer separadamente aos serviços de Identificação Civil, para o RG, e do TRE para o título de eleitor.

Para cada um dos pedidos, recomendo fazer duas cópias de cada documento que se conseguiu até agora, mais dos que já se tinha (os Certificados emitidos pelo Consulado, a portaria do DOU, o RNE, etc), além de levar os originais. Assim, já vão prevenidos caso seja pedida alguma cópia inesperada.

O pedido do RG foi simples e é igual a fazer o Cartão do Cidadão em Portugal: entregam-se os documentos, faz-se um cadastro com uma funcionária e tira-se uma foto e as digitais. Dez dias depois, já estava pronto para retirar.

O título de eleitor não foi assim tão simples. O Guia do Poupatempo dava a entender que não seria necessário o RG definitivo, mas, no balcão de atendimento, indicaram-me que só poderiam fazer o título se eu o tivesse (a funcionária até telefonou para o TRE central, para confirmar a informação).

No dia em que fui retirar o RG, não consegui atendimento eleitoral, então, dois dias depois, fui em outro Poupatempo, mais próximo de casa. Quando me fizeram a triagem, o funcionário perguntou-me se tinha o documento do Alistamento Militar. Eu disse que não tinha, e ele disse-me que era necessário.

Ora, eu sabia que o Certificado Militar é necessário para brasileiros maiores de 18 anos que fazem a 1ª via do RG e eu também já lera sobre portugueses com igualdade que fizeram esse Certificado, mas sempre me perguntei porquê. Segundo o artigo 19º do Decreto que estabelece a igualdade entre portugueses e brasileiros, quem faz o pedido não pode prestar serviço militar no país onde reside. Além disso, esse documento também não é listado no Guia do Poupatempo para portugueses em situação de igualdade.

De qualquer forma, fui à Junta Militar mais próxima nessa mesma hora. Os senhores mais velhos que lá estavam não sabiam muito bem que tipo de documento me deveriam dar (o processo de igualdade não é muito conhecido) e deixaram-me claro que não havia nada que eu pudesse fazer ali ou eles por mim. Mostrei-lhes o tal art. 19º do Decreto e pedi para, pelo menos, me passarem uma declaração baseada nele dizendo que eu estou isento de apresentar o tal Certificado. Simpáticos, eles assim fizeram.

Voltei com essa declaração ao Poupatempo. Porém, quando o mostrei na triagem, disseram "ah, você é o português". Pediram-me então desculpas, pois tinham errado: realmente, parece que português com igualdade não precisa de apresentar Certificado Militar. Esperei alguns minutos e fiz o meu título, já com biometria e tudo!

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É um processo não muito longo e sem complicações de maior, que qualquer um pode fazer. De qualquer forma, espero que este texto sirva para ajudar alguém que esteja na mesma situação de semi-confusão em que eu já estive.