O Pingo Doce e as doces hipocrisias

Admito, eu sou uma pessoa de esquerda. Naturalmente, vim-me a considerar assim. Nunca fui doutrinado para acreditar em nada, mas, ao longo da vida, acabei por perceber que partilho as coisas que me parecem de bom senso e razoáveis mais com pessoas de esquerda do que de direita. Então, tudo bem, serei de esquerda. Mas eu não tenho saudosismos de uma época que não vivi e acredito numa economia livre regulada pelo Estado. Então, fico com algumas perguntas sobre os tumultos que aconteceram no Pingo Doce por este ter feito um desconto de 50% no 1º de Maio a quem fizesse compras de mais de 100 euros.

httpv://www.youtube.com/watch?v=NY-jf86ODt0&feature=player_embedded#!

Primeiro, houve produtos vendidos abaixo do custo? Se não, não há nada a dizer, tirando o fato de, se for assim, pela lógica o Pingo Doce estar a vender produtos com margem de lucro acima dos 50%, o que não será ilegal, mas não muito inteligente em tempos de crise. Eles não se parecem queixar de falta de compradores, por isso... Se sim, isso é dumping, mas será preciso perceber até que ponto é que a lei permite contornar essa regra numa promoção, o que foi o caso. Alguém pode explicar o que aconteceu e o que a lei diz sobre isto?

Segundo, os trabalhadores foram obrigados a trabalhar num feriado? Se sim, isso é terrorismo laboral e deve ser condenado. Se não, os trabalhadores foram voluntariamente fazer horas extraordinárias e não há nada a dizer. Alguém pode explicar o que aconteceu?

Terceiro, os trabalhadores foram compensados por terem feito horas extraordinárias? Se sim, é assim mesmo que tinha de ser. Se não, eles foram roubados e a empresa deve ser submetida à Justiça. Alguém pode dizer o que realmente aconteceu?

Em 2004, por um acaso, passei o 1º de Maio em França e surpreendeu-me o fato de estar tanta coisa fechada. Supermercados, lojas, tudo, até bares, o que era quase doloroso na cidade universitária onde estava. Mas não havia nenhuma razão honrosa e etérea para esse fecho. Simplesmente, em França as empresas têm que pagar três salários diários a quem for trabalhar no 1º de Maio (em qualquer outro feriado pagam dois) e isso não compensa para a maioria dos estabelecimentos.

O curioso neste caso do Pingo Doce é que tudo se trata de uma encantadora cadeia de hipocrisias. Os partidos de esquerda vêm pedir às grandes superfícias para respeitarem o 1º de Maio, mas aos olhos da lei este não é um feriado diferente dos outros. Porque é que elas têm que ter uma obrigação especial perante ele? Só porque sim? O Governo, que é esperto e anda à cata de dinheiro, invoca um moralismo semelhante para propor uma nova lei sobre promoções especiais, mas eu aposto que vão é querer criar uma taxa especial sobre os lucros assim conseguidos. Já a Jerónimo Martins, dona do Pingo Doce, vem dizer que fez a promoção para ser boazinha para as paupérrimas famílias portuguesas, o que também é um monte de tretas, porque ela não tem nenhuma obrigação de ser boazinha. Ela é uma empresa de comércio. Uma empresa de comércio quer vender para ganhar lucro. A questão é: as leis que regulam a prática foram cumpridas, sim ou não?

Seria agradável que alguém, de preferência sóbrio, viesse explicar melhor isto em vez de se andar para aí a fazer dramas e choradinhos sobre a educação e a angústia do povo português e não sei mais o quê.

Yorumlar

  1. Filipe Homem Fonseca02/05/2012, 21:56

    ia comentar, mas depois vi que querias alguém sóbrio e... ei, aquilo ali é um unicórnio?

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  2. ia comentar, mas depois vi que querias alguém sóbrio e... ei, aquilo ali é um unicórnio?

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