Como conheci Fernando Lopes

Estive com Fernando Lopes duas vezes. A primeira foi há 13 anos, no festival dos Caminhos do Cinema Português, em Coimbra. Ele tinha 63 e parecia ter 50. Foi lá para ser homenageado pela carreira. Houve uma retrospectiva, que passou todos os filmes dele até então. Eu era da organização, por isso deveria era ter estado na organização a organizar coisas, mas caguei. E não me arrependi, porque, se não o tivesse feito, não teria visto "Uma Abelha na Chuva", que é o melhor filme português de sempre juntamente com o "Belarmino" (também dele) e "Noite Escura" (do Canijo) e que tem esta discussão, das mais bem filmadas que alguma vez vi.

httpv://www.youtube.com/watch?v=CAgBCiCyt-o

Lembro-me que ele gostava que nós, putos, o tratássemos por "tu". Perguntei-lhe porque é que ele punha a "Sabor a Mi" em todos os filmes. Ele olhou-me, sorriu semicerrando os olhos e disse "aaah, isso é um fetiche, pá..."

A segunda vez que estive com ele foi em 2007, quando gravei este vídeo para a iniciativa das PF Os 50 Melhores Programas de Sempre.

http://rd.pftv.sapo.pt/play?file=http://rd.pftv.sapo.pt/ND0Edm7rKoe7zA29y08U/mov/1

Gravamos em casa dele e ele foi o mais simpático e afável que se pode ser. Já não parecia ter dez anos a menos. O peso da idade já tomara conta dele, mas ainda tinha toda a majestade de quem, depois de décadas de prática, domina todas as ferramentas da sua arte. Um verdadeiro mestre. Era suposto ter ido ao colóquio que finalizava a iniciativa, mas depois não pôde. Nunca mais estive com ele.

Fernando Lopes, falecido ontem, foi o realizador do Cinema Novo com quem mais senti empatia, quer pelas influências anglosaxónicas, quer pela obra em que as verteu. Ele nunca me iria reconhecer, mas gosto de acreditar que tinha lembrança de, um dia, em Coimbra, um fascinado miúdo de 18 anos lhe ter perguntado o porquê do Sabor a Mi. As probabilidades são pequenas. Mas é nisso que gosto de acreditar.