O que eu quero que o livro que vou escrever tenha

O livro tem que me pôr em causa. E eu vou ter que saber defendê-lo. Defendendo aquilo que me põe em causa, conseguirei, não sei como nem porquê, defender-me a mim também.

Vou escrever sobre o que conheço, o que me interessa e as coisas que me aconteceram. O livro deve ser uma defesa do que acredito ser preciso defender (fora ou dentro de mim), um ataque do que acredito ser preciso atacar (fora ou dentro de mim) e uma narração do que acredito que é preciso ser narrado.

O livro vai ter capítulos curtos. Ninguém tem paciência para nada. Nem eu. Muitos capítulos curtos. Muitos episódios.

Algumas personagens serão uma mistura de várias pessoas que conheci. Isso deve estar justificado dentro do próprio livro: a sucessão de pessoas fez-me esquecer de algumas delas.

O meu livro vai ser concreto. Mesmo que fale de sonhos e coisas imaginadas, queridas, idealizadas, ele vai ser concreto nelas e não adotar esse idealismo como parte da sua matéria constitutiva.

O meu livro não vai ter vergonha daquilo que é, tal como eu não tenho vergonha daquilo que sou.

O meu livro não vai ter medo, pois eu também não tenho medo.

O meu livro vai ser uma história com princípio, meio e fim, mas que pode ter digressões.

A linguagem e a gramática vão variar conforme o lugar que está lá. No Brasil, será brasileiro. Em Portugal, será português.

Eu vou escrever o meu livro como se filma um documentário. Escrever os capítulos que têm unidade temática como se fossem a gravação da realidade. E depois editar.

O meu livro vai ser uma coming up story em que o protagonista é um homem que se transforma num outro homem, e não um adolescente que se transforma num adulto.

O meu livro é escrito numa época de reality shows que apresentam uma versão higienizada do sexo e das relações humanas, ou seja, uma versão que não é real. O meu livro, sendo ficcional, vai ser mais real do que um reality.

Se eu tiver que chorar enquanto escrevo o meu livro, eu vou chorar.

Yorumlar