O Kindle e a existência


Eu tenho um Kindle. E eu adoro o meu Kindle. Não tive grandes problemas em adaptar-me à leitura nele e, quanto mais o tempo passa, mais encontro novas maneiras de o utilizar. Uso-o para o trabalho, para tirar notas em textos, que posso depois ver num arquivo à parte. Posso comprar livros na Amazon que são imediatamente baixados. Com o Klip.Me, envio para lá os textos extensos que encontro em sites, para ler de modo bem mais confortável. Sublinho excertos que depois posso encontrar imediatamente, uso o dicionário inglês para palavras que não conheço, faço pesquisa no texto para encontrar só aquilo que me interessa. No fim das contas, o Kindle permite ser mais rápido e prático em ações morosas que uma leitura atenta implicava. Ele tem toda a agilidade que é necessária num tempo em que a leitura pode vir de mil lugares e em mil formatos diferentes. Lutar contra ele (ou contra os livros físicos, que ele não substitui) não faz muito sentido e, sinceramente, irritam-me muitos argumentos de detratores da leitura em ebooks, que raramente percebem que só se trata de uma escolha entre um ou outro fetichismo.

Mas há outra razão para o meu apreço pelo aparelho da Amazon. Eu sou um homem que mora fora do seu país e que, como tal, sente a vida sempre em suspenso. Isso transforma. Sentimos a tendência para reduzir o excesso. Costumo dizer que agora não quero nada na minha vida que não caiba dentro de duas malas. Claro que eu tenho eletrodomésticos em casa, mesas, cadeiras e um colchão de ar. Mas eu não levaria essas coisas para lugar nenhum. Não preciso delas.

É normal dizer-se que, quando compramos um livro físico, o sentimos mais nosso, porque a posse aí é física, material. Eu contraponho que, quando leio um livro eletrónico, a minha ligação com o texto é imediata, porque acontece uma coisa curiosa com o Kindle: enquanto objeto, ele é independente do próprio texto. Num livro impresso não é assim. O livro é o texto que nele está escrito. Mas o Kindle recebe os livros que quisermos, apagamo-los, modificamo-los, substituimo-los. Quando lemos, a nossa ligação com a escrita é uma outra, diferente da que temos com a máquina, com o objeto. Ou seja, com ele nós somos donos, não do livro, mas do texto.

Acho que o resumo disto tudo é que eu acho que não precisamos de muitas coisas, mas precisamos de ler. O Kindle é um passo num caminho em que a leitura se desliga das coisas. É por isso que gosto dele.

Yorumlar

  1. EU QUERO UM KINDLEEEEEEEE!

    Desculpa os berros. É só inveja ._.

    ;)*******

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  2. Mas até é barato, agora, Dunya!

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  3. [...] Ontem à noite, lendo o Público no Kindle antes de dormir. Do artigo sobre o apoio dos músicos portugueses às Pussy Riot, ficou-me na [...]

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