O passado roubado na algibeira

Eu tive uma banda dos 15 aos 16 anos. Chamávamo-nos Spinning e tocávamos quase só originais. As nossas influências eram Nirvana, Pearl Jam, Rage Against The Machine, Red Hot Chili Peppers, Soundgarden, Faith No More, Rollins Band, Primus, Primitive Reason. Éramos os rockeiros da vila, tínhamos cabelo comprido e, por causa do grunge, não pensávamos muito no que vestíamos.

Uma vez, demos um concerto num bar de Monção. Descarregámos os instrumentos, esperámos que a sala enchesse, tocámos. Tínhamos muitos amigos na vila, que faziam as vezes de fãs encorajados. Era verão, estavam as meninas de Lisboa a visitar a terra dos pais, toda a gente se divertia. E tu sentes-te em cima do mundo durante uma hora. Tens 16 anos, o corpo não te pesa, tens o cabelo comprido para abanar enquanto tocas guitarra. É como se o Hendrix baixasse em ti e te fizesse sentir como ele durante esse tempo. Durante uma hora, és a maior pessoa do mundo.

Mas depois o som termina, a tua adrenalina baixa. As pessoas voltam às suas vidas normais, viram-te as costas e continuam a conversa que estavam a ter antes. E tu carregas os instrumentos para o carro, fechas a porta e pensas: terminou. Num momento, és o maior. No outro, és um merdas. Ficas à espera do próximo concerto, se houver, e a tentar reproduzir o sentimento durante os ensaios. Nunca é a mesma coisa.

Isso foi uma lição para a vida. Sempre que te sentires o maior, lembra-te que em breve te sentirás um merdas. O grande segredo é não deixar que o concerto termine. Mas isso, lá está, não depende de ti.